A concessão de crédito é um serviço massificado e propulsor da economia. Infelizmente, eventuais ilegalidades atingem uma considerável parcela da população. Por isso, a compreensão deste contrato é assunto de muito interesse a muitas pessoas, além de importante para que o consumidor faça valer os seus direitos.
Os contratos bancários são de adesão. Ou seja, as cláusulas gerais são padronizadas, não havendo margem para negociação, exceto relativamente ao valor emprestado, prazo de pagamento e, em tese, taxa de juros aplicada.
O conjunto normativo que se aplica neste tipo de relação é basicamente composto pela Constituição Federal, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, legislação específica e regulamentações do Banco Central.
No início dos anos 2000, com a amadurecimento dos direitos do consumidor, as discussões dos contratos bancários ganharam grande espaço na justiça. Em defesa dos consumidores são criadas muitas teses para revisar cláusulas contratuais e de restituição de valores.
Alguns desses argumentos já foram superados pela justiça, com por exemplo, a limitação de 1% de juros as instituições financeiras, que, apesar de ter alguns precedentes favoráveis, restou inaplicável aos contratos bancários. Porém, ainda há inúmeras situações em que a justiça tem reconhecido a ofensa aos direitos dos consumidores.
Explicarei alguns dessas problema que tem sido objeto de questionamento pelos consumidores no Poder Judiciário. O objetivo é fazer com que o leitor identifique se possivelmente está sendo lesado e saiba o que fazer para proteger o seu direito. É claro que a avaliação de um advogado especialista no tema é indispensável para a definição da defesa dos interesses do consumidor.
- Juros abusivos
Para começar, tratarei do ponto, a meu ver, mais enigmático, os chamados juros abusivos.
De maneira resumida, os juros são a remuneração do capital emprestado. Em uma operação de crédito bancário, essencialmente, você toma uma valor emprestado e o devolve acrescidos de juros. É claro que podem existir outras cobranças, que poderão ser tratadas em momento próximo.
Apesar de não haver limitação legal dos juros para atividade bancária, existem duas situações comuns em que podem ser considerados abusivos: ausência de contratação expressa e contratação acima do que é, em média, praticado pelo mercado conforme dispõe o Banco Central, em seu site ( https://www.bcb.gov.br/htms/notecon2-p.asp ).
A taxa de juros pode ser mensal ou anual. Portanto, toda vez que você analisáa-la preste a atenção neste detalhe, evitando interpretações distorcidas.
- Falta de expressa contratação
Parece até incoerente, mas há contratos bancários que não pactuam expressamente e previamente qual a taxa de juros será aplicada. Existem casos na justiça em contratos de cartão de crédito, cheque especial, financiamento de veículos, entre outros.
Como a boa-fé se presume, tenho impressão de que isso ocorra principalmente por erro de preenchimento do instrumento, não havendo intenção de esconder a informação, até porque como já dito esses contratos não possuem limitação da taxa juros.
Entretanto, já analisei contratos que praticavam juros exorbitantes, dezenas de vezes acima do que, em média se aplica no mercado, em que não foi informada a taxa. Ou seja, são manifestamente ilegais. Neste tipo de situação, parecem de bom tom a interpretação de que houve intenção de sonegar a informação, o que poderia justificar a determinação da devolução em dobro e até mesmo o dano moral.
Diante disso, o entendimento predominando na justiça é de que o consumidor não pode ser obrigado a pagar juros que não estão previstos no contrato e, se isso ocorrer, o contrato deverá ser revisado, tendo como limite a média aplicada para o mesmo tipo de operação.
- Juros acima da taxa média de mercado
Como já dito anteriormente, não há expresso limite legal para juros em contratos bancários. Entretanto, o Poder Judiciário intervirá no caso concreto em que houver manifesta discrepância em relação àquela taxa que em média se aplica no mercado, com base no CDC.
Apesar da análise “caso a caso”, a justiça tem utilizado, nos processos de relação de consumo, um parâmetro objetivo para auferir a abusividade: a média de juros praticada pelas instituições financeiras, disponibilizada mensalmente no site do BACEN.
Para evitar distorções decorrentes de comparações entre operações distintas, a taxa média de juros é classificada para cada tipo de operação financeira, como por exemplo, cheque especial, crédito pessoal não consignado, crédito pessoal consignado, etc.
O STJ já se pronunciou entendendo que a taxa de juros não pode ser superior ao dobro da média do mercado, entretanto, há entendimentos de tribunais regionais que consideram abusiva a taxa que excede a média em 30%.
- O que fazer se for constatado juros abusivos no contrato bancário
É claro que a avaliação do caso concreto deve ser feita pelo advogado, que poderá resolver o problema com mais assertividade.
Constatada a abusividade, é direito do consumidor, dependendo do tanto que foi executado o contrato, obter a restituição de valores ou compensação do saldo devedor. Em alguns casos peculiares, em que se comprove que a conduta do banco beira a má-fé, determina-se a devolução ou compensação, em dobro, e arbitramento de dano moral.
Além do mais, um efeito muito interessante é o afastamento da mora. Deste modo, até o recálculo ser homologado pelo juiz, o banco não pode exercer seus direitos em razão do atraso, como cobrar encargos, levar o nome do consumidor para os cadastros de devedores, obter reintegração de posse ou busca e apreensão de bens.
Infelizmente, as instituições financeiras não negociam as obrigações após o contrato assinado, exceto para composição/renegociação de dívidas. Ou seja, nos casos de inadimplência ou tomada de mais crédito. Aliás, algumas vezes, o consumidor tem dificuldade para receber sua via do contrato ou outras informações do negócio. Se isso ocorrer, o banco deve ser notificado e, persistindo o problema, os documentos e informações deverão ser objeto de requerimento judicial.
Portanto, a saída é a discussão judicial, pela ação popularmente chamada de revisão de contrato ou revisional. A constatação da abusividade ou da delimitação dos valores discutidos pode envolver prova pericial de cálculo. Com isso, o juizado especial não tem competência para julgar esse tipo de ação, cuja interposição deve ser feita por intermédio de advogado. Fique atento, pois um contrato já devidamente quitado também pode ser revisado.
Por fim, destaco que essa é opinião jurídica pessoal. O reconhecimento dos juros abusivos dependem necessariamente da chancela judicial, devendo o consumidor, antes de tomar a decisão de ingressar com uma ação, ser devidamente alertado sobre as chances de sucesso e as consequências de um revés processual.