O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA A LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ


02/11/2014 às 21h46
Por Ap Advocacia

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA A LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ

CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

Não se tem previsão normativa acerca do Princípio da Insignificância. Na verdade, trata-se de um instituto jurídico de natureza supralegal, ou seja, fora introduzido pela doutrina no Brasil e acabou chegando aos Tribunais Superiores, e que, de tão repetidos os julgados do STF e STJ, acabaram se incorporando ao cotidiano dos operadores do direito penal.

Hoje, a Criminalidade de bagatela ou Princípio da Insignificância, figura como princípio basilar, norteando várias arguições no ramo penal. Doutrinariamente e até didaticamente, é importante destacar que, segundo o STF, o reconhecimento da insignificância no caso concreto demanda da presença cumulativa de quatro vetores, que foram criados para tentar evitar que a difusão deste princípio não gerasse uma insegurança jurídica.

O STF, sempre quando se manifesta acerca da insignificância, tem dito repetidamente que a identificação do mesmo no caso concreto, demanda da identificação cumulativa destes quatro elementos/vetores/requisitos, quais sejam: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica produzida.

CONSEQUÊNCIA JURÍDICA DO RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA:

O STF também convencionou dizer que a grande consequência jurídica do reconhecimento de tal instituto é a exclusão do crime. Ou seja, a consequência jurídica caso entenda que deva ser aplicado a criminalidade de bagatela no caso concreto (por entender presentes os 4 vetores), é a exclusão do crime - Portanto, o reconhecimento do princípio da insignificância gera a atipicidade material da conduta.

O que vem a ser Criminalidade de Bagatela Imprópria ou Insignificância Imprópria? Trata-se de um instituto muito difundido no direito argentino. Os doutrinadores, defensores da Bagatela imprópria, entendem que ela não excluiria o crime, apenas isentaria o agente de pena, ou seja, impede a aplicação da pena. Outros dizem que ela impediria apenas a aplicação de Penas Privativas de Liberdade, sendo possível a manifestação de outras consequências jurídico-penais.

Portanto, enquanto que a Bagatela/Insignificância Própria exclui o crime, por gerar atipicidade material da conduta, a Bagatela/Insignificância Imprópria não exclui o crime, podendo o crime ser reconhecido, mas ficaria obstada a aplicação de penas privativas de liberdade, em que pese ser possível a manifestação de outras consequências no âmbito jurídico-penal.

Geovane Moraes, particularmente, não defende a possibilidade da Insignificância Imprópria, pois ele entende que esta vai de encontro à conceituação analítica tripartite de crime. Isso porque partimos da premissa de que crime é um fato típico, antijurídico e culpável, assim, não seria possível reconhecer o crime e eliminar parcialmente a culpabilidade do agente. Ressalta-se que essa ideia não é recepcionada pelo STF e STJ.

POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA BAGATELA NO CRIME DE DESCAMINHO:

Como cediço, recentemente, o Código Penal brasileiro foi alterado, entre outras leis, pela Lei 13.008/14, que modificou mais especificamente a redação do art 334. Antes dessa lei, existia neste dispositivo a caracterização do crime de ¨Descaminho e do Contrabando¨.

Assim, até a publicação da Lei 13.008, o art 334 do Código Penal era uma norma penal que tinha abrangência múltipla, o que alguns doutrinadores chamam de dispositivo penal de conteúdo variado ou norma de ação múltipla, haja vista que havia duas condutas tipificadas no mesmo artigo, onde a prática de qualquer uma delas era suficiente para caracterizar o crime.

Em outras palavras, antes da Lei 13.008 não havia diferença de tipificação, tampouco de pena, entre Contrabando e Descaminho. Porém, a partir desta lei, houve uma separação, onde o crime de Descaminho continuou tipificado no art 334 e o delito de Contrabando passou a estar tipificado no art 334-A, inclusive com penas distintas. Hoje, a pena máxima para o crime de Descaminho é de 4 (quatro) anos, ao passo que a pena máxima para o delito de Contrabando é de 5 (cinco) anos.

Embora o reconhecimento do que é Descaminho e Contrabando continua sendo o mesmo. Tecnicamente, Descaminho é iludir, sonegar, total ou parcialmente, tributo aduaneiro devido pela importação, exportação ou comercialização de mercadorias; Exemplo: José vai a Miami, compra 10 iphones e na volta ao Brasil não declara nada. Já o Contrabando é caracterizado pelo fato de o indivíduo entrar ou sair do território brasileiro (importar ou exportar) com mercadorias proibidas, restritas ou controladas; Exemplo: Zé vai ao Paraguai, compra uma placa para montagem de máquinas caça-níqueis e a traz ao Brasil.

Contudo, questiona-se ser possível a aplicação da Insignificância no crime Descaminho ou no crime de Contrabando. O posicionamento amplamente consolidado, tanto no STF quanto no STJ, é o de que NÃO se admite a Insignificância no crime de Contrabando.

Neste sentido, vide o julgado do STJ, no AgRg no AREsp 302161/PR, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, p. 15.09.2014: [...] A importação não autorizada de cigarros constitui o crime de contrabando, insuscetível de aplicação do princípio da insignificância. [...]

Por outro lado, prevalece ser cabível a Insignificância para o crime de Descaminho.

Neste sentido, temos o julgado do STF, 122286/PR, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, 12.09.2014: [...] A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. [...]

No primeiro semestre de 2014, existia uma divergência entre o STJ e o STF no que diz respeito ao valor referencial para a arguição de insignificância no crime de Descaminho. O STF entendia que, se o valor do tributo sonegado ficasse a quem de R$20mil, dever-se-ia ser reconhecido como insignificante, ao passo que o STJ entendia que este referencial seria de R$10mil. No entanto, no 2º semestre deste ano, esta divergência deixou de existir, visto que em agosto o STJ unificou o entendimento com o STF, logo, o referencial para ambos é de R$20mil.

Pergunta-se o porquê de o STF entender essa referência como sendo de R$20mil: Ocorre que, em 2012, o Ministério da Fazenda prolatou duas Portarias (75/2012 e 130/2012), que foram recepcionadas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, e, a partir daí, a União não mais ajuíza ações fiscais de cobranças de valores consolidados inferiores a R$20mil.

Hoje, com base nas Portarias 75 e 130 de 2012, temos dois grandes valores referências:

a) Valor mínimo para inscrição da dívida ativa da União: R$1mil.

b) Valor mínimo para o ajuizamento de ações fiscais de cobrança pela União: R$20mil.

Portanto, se a parte mais interessada, que é a União, não vai atrás para ajuizar ações fiscais de cobrança de valores a quem de R$20mil, é porque ela reconhece que estes valores são insignificantes, e, consequentemente, se são insignificantes para o âmbito tributário da União, eles devem, seguindo a lógica o STF, serem insignificantes também para a caracterização de crimes, uma vez o direito penal ser a ultima ratio. Por esta razão, o STF e o STJ pacificaram o entendimento de que se trata do valor referencial para arguição de insignificância para o crime de Descaminho (não serve para o crime de Contrabando).

Em suma, não será possível a bagatela no crime de Contrabando, ao passo em que pode haver bagatela no crime de Descaminho, sendo que, para tanto, o patamar referencial em ambas as casas (STF e STJ) será de R$20mil.

POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA BAGATELA NO CASO DE REINCIDÊNCIA:

Até o primeiro semestre de 2014, o condenado reincidente não poderia ter um segundo delito reconhecido em seu favor pelo princípio da insignificância. Entendia-se que reconhecer a insignificância a um reincidente seria instigar a prática de pequenos crimes.

No entanto, este entendimento foi parcialmente alterado. A partir do Informativo 756, do STF, passamos a entender ser possível o reconhecimento da insignificância ao condenado reincidente, desde que, na espécie, a reincidência não tenha se processado pelo mesmo crime; Exemplo: João foi condenado em sentença irrecorrível pelo crime de estelionato. Hoje, voltou a delinquir, praticando o crime de dano. Pergunta-se: Seria possível, em tese, o reconhecimento da insignificância para ele? A resposta é positiva, vez que, de acordo com o entendimento trazido no Informativo 756 do STF, embora João seja reincidente, a reincidência não se processou pelo mesmo delito.

Neste sentido, tem-se o julgado do STF, no HC 114723/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 26.8.2014: [...] A 2ª Turma concedeu “habeas corpus” para restabelecer sentença de primeiro grau, na parte em que reconhecera a aplicação do princípio da insignificância e absolvera o ora paciente da imputação de furto (CP, art. 155). Na espécie, ele fora condenado pela subtração de um engradado com 23 garrafas de cerveja e 6 de refrigerante — todos vazios, avaliados em R$ 16,00 —, haja vista que o tribunal de justiça local afastara a incidência do princípio da bagatela em virtude de anterior condenação, com trânsito em julgado, pela prática de lesão corporal (CP, art. 129). A Turma, de início, reafirmou a jurisprudência do STF na matéria para consignar que a averiguação do princípio da insignificância dependeria de um juízo de tipicidade conglobante. Considerou, então, que seria inegável a presença, no caso, dos requisitos para aplicação do referido postulado: mínima ofensividade da conduta; ausência de periculosidade social da ação; reduzida reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica. Afirmou, ademais, que, considerada a teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal (a exemplo da lesão corporal) não poderia ser valorada como fator impeditivo à aplicação do princípio da insignificância, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia. [...]

Ou seja, segundo o STF, o agente, no crime anterior, praticou lesão corporal, e no atual, praticou furto, ora, como se trata de crimes diversos, aplicar-se-á o princípio da insignificância.

Para o Geovane Moraes, a reincidência, ainda que genérica, e a reiteração delitiva, deveriam ser obstáculos, elementos impeditivos ao postulado da insignificância, porém esta ideia não prospera.

A CRIMINALIDADE DA BAGATELA EM SEDE DE CRIME FUNCIONAL CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

Trata-se de entendimento consolidado, tanto no STF quanto no STJ, a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância em sede de crimes funcionais.

Os crimes funcionais, em regra, vêm tipificados nos arts 312/326 do Código Penal. O art 327 não tipifica crime, apenas apresenta o conceito de funcionário público para fins de direito penal. Diz-se em regra, pois há crimes funcionais fora do Código Penal, tais como na Lei 8137/90 (Lei dos crimes contra ordem tributária nas relações de consumo), que em seu art 3º prevê crimes funcionais contra a ordem tributária; e no DL 201/67 (Crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores) etc. Assim, em regra, os crimes funcionais, estejam previstos no Código Penal ou em legislação extravagante, admitem o reconhecimento da criminalidade da bagatela/princípio da insignificância.

Existem alguns doutrinadores que entendem que o funcionário público que comete crime contra a administração pública está ofendendo a moralidade administrativa, princípio basilar da administração pública, razão pela qual não poderia se beneficiar com a aplicação da bagatela. No entanto, o STF, desde 2012, vem se posicionando no sentido de que é perfeitamente possível a aplicação da bagatela em crimes funcionais (claro que, se presentes os quartro vetores).

Neste sentido, tem-se o julgado do STF, no HC 112388/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, p. 14.09.2012: AÇÃO PENAL. Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em 13 reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.

INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES AMBIENTAIS:

Segundo o STJ, é perfeitamente possível o reconhecimento da insignificância em sede de crimes ambientais.

Neste sentido, tem-se o julgado do STJ, no AgRg no REsp 1263800/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, p. 21.08.2014: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 34 DA LEI 9.605/1998. PESCA EM PERÍODO PROIBIDO. ATIPICIDADE MATERIAL. AUSÊNCIA DE EFETIVA LESÃO AO BEM PROTEGIDO PELA NORMA. IRRELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO.

NÃO SE APLICARÁ O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA:

*Em crimes propriamente militares;

HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. PECULATO-FURTO. CRIME MILITAR. MUNIÇÕES DE USO RESTRITO DAS FORÇAS ARMADAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA QUE PERMITE AO ACUSADO O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. (STF, HC 108168/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, p. 03.09.2014)

*Em crimes eleitorais;

Recurso especial. Crime eleitoral. Art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Reprovabilidade acentuada da conduta. Comportamento que afronta o direito dos cidadãos às eleições livres. Recurso provido. [...] (TSE, REspe 1188716 - Pendências/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha. p. 13/06/2011)

*E, finalmente, não se aplicará a criminalidade da bagatela para os usuários de drogas.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. POSSE DE DROGA PARA USO PRÓPRIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APLICAÇÃO DA MEDIDA EDUCATIVA DE 4 MESES DE PROGRAMA OU CURSO EDUCATIVO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PLEITO DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 28 DA LEI N.º 11.343/06. INVIABILIDADE. AI NO RESP N.º 1.135.354/PB. (STJ, RHC 43693/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, p. 02.09.2014)

  • Direito penal
  • Princípio da insignificância
  • Criminalidade da bagatela

Referências

Informações extraídas do 3º fórum temático do CERS, palestrado pelo doutrinador/professor penalista Geovane Moraes.


Ap Advocacia

Advogado - Porto Velho, RO


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