ASPECTOS RELEVANTES DA PROVA NO PROCESSO PENAL


03/12/2014 às 18h32
Por Ap Advocacia

ASPECTOS RELEVANTES DA PROVA NO PROCESSO PENAL

NOÇÕES BÁSICAS

CONCEITO DE “PROVA”: A doutrina costuma dizer que prova é tudo aquilo destinado a formar o convencimento do julgador, demonstrando fatos e, excepcionalmente, demonstrando o direito.

Sabemos que, em regra, o direito não precisa ser provado, vez que este será conhecido pelo julgador (iura novit curia). Trata-se de uma observação legislativa, porém relativa, vez que nem sempre deverá ser seguida. Nossa doutrina costuma se valer de uma disposição expressa do Código de Processo Civil (CPC), que como cediço, é aplicado subsidiariamente ao CPP, onde ¨deve ser provado o direito municipal, estadual e estrangeiro. Sendo assim, em regra, no direito penal, o direito não precisa ser provado, excetuando-se o direito municipal, estadual e estrangeiro.

Imagina-se o pedido de extradição – um dos requisitos para se ter a extradição é a chamada ¨dupla tipificação¨, ou seja, o fato pelo qual se pede a extradição deve ser crime no Brasil e no exterior – O STF não está obrigado a conhecer a legislação estrangeira, assim, esta deverá ser provada. De igual sorte, o direito municipal e o estadual também deveriam ser provados, salvo se no local e federação respectiva o juiz exercer jurisdição, caso em que também deverá conhecê-los.

Portanto, a grande regra é que devem ser provados os fatos. A doutrina exclui alguns fatos de serem provados, tais como: o fato irrelevante; o fato inútil, que nada incluirá para o deslinde de feito criminal; o fato notório etc. No processo civil, também não dependerão de provas os fatos incontroversos. No processo penal, diferentemente, o fato incontroverso deverá ser provado, isso porque, embora a doutrina diga que não há hierarquia entre provas no direito processual penal brasileiro, a confissão possui um grande limitador, haja vista que ela, diante da ideia de indisponibilidade do direito de liberdade, não pode servir, por si só, para embasar uma condenação.

SISTEMAS DE VALORAÇÃO DA PROVA

Estes nada mais são do que formas de valorar a prova, de emitir juízo de valor em relação a prova, ou seja, são critérios utilizados pelo ordenamento jurídico para que o juiz diga qual é o peso de cada prova. São 3 (três) os sistemas de valoração da prova.

I) SISTEMA DA CERTEZA MORAL DO JULGADOR:

Este também é chamado de Sistema do Convencimento Íntimo do Juiz. Nesse sistema, tem-se a hipótese em que o juiz valora a prova livremente, sem nem sequer fundamentar suas decisões, decidindo da forma que melhor lhe aprouver.

Nesse sistema, o que vale mais? Fica a critério do juiz.

II) SISTEMA DA PROVA LEGAL/TARIFADA:

Este também já fora chamado de Sistema de Certeza Moral do Legislador.

Este sistema diz exatamente o oposto do primeiro, onde o juiz não terá margem alguma de liberdade, estando vinculado ao que dispõe a lei. É a lei quem diz qual será a prova que vale mais.

Nesse sistema, o que vale mais? Por este sistema, temos a confissão como a ¨rainha¨ das provas. Por essa ideia é que surge a expressão de que testemunha única é testemunha inválida.

Ou seja, são ideias de provas tarifadas, sendo a lei dizendo qual o peso de cada prova.

Percebe-se que este segundo sistema vai sobrepujar o primeiro sistema em determinado momento histórico, numa revolução no que concerne a valoração da prova.

Entre o primeiro e o segundo sistema, eclode a Revolução francesa de 1789. Antes desta, tínhamos o antigo regime, em que o rei podia tudo, sendo o juiz, nesta época, um mero delegatário de poder do monarca. Assim, explica-se o porquê de o juiz valorar sem precisar fundamentar, ora, se o rei podia tudo, e delegava uma parcela de seu poder ao juiz dentro da sua esfera de competência, este também poderia tudo. Daí surge a famosa frase de Montesquieu: ¨o juiz é a mera boca da lei¨. Este é o momento da escola da exegese, que queria limitar ao máximo a liberdade judicial, defendendo a não discricionariedade do juiz. É por isso que a prova era tarifada.

III) SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JULGADOR:

Este também é chamado de Sistema da Persuasão Racional. Trata-se do sistema imensamente aceito na maioria dos países.

Por este sistema, o juiz valora a prova livremente, porém, é obrigado a fundamentar suas decisões (CF/88, art 5º e art 93, IX).

Portanto, este é o sistema que vigora entre nós, no entanto, há exceções, isso pois, em algum momento, nosso ordenamento jurídico acolhe o primeiro sistema, qual seja, o Sistema da Certeza Moral do Julgador/Convencimento Íntimo do Juiz, sendo possível, em excepcional caso, o julgador decidir livremente sem fundamentar, ficando na verdade, proibido de o fazer – trata-se do julgamento do Conselho de sentença, no Tribunal do Júri.

A fundamentação do Conselho de sentença quebraria o sigilo das votações, razão pela qual não só decidirá livremente, como está vedado de fundamentar. Neste caso, o jurado é o julgador e julga sem fundamentar – é portanto, o resquício do Sistema da Certeza Moral do Julgador.

E, da mesma forma temos também, excepcionalmente, um resquício do Sistema da Prova Legal ou Tarifada, trazido no art. 155, parágrafo único do Código de Processo Penal (CPP) – quando se diz que as questões de Estado devem ser provadas com as limitações que nós temos na legislação civil, ou seja, questão de Estado se prova da forma como se prova na legislação civil, qual seja, documentalmente. Daí, naturalmente, se tem a redação da Súmula74 do STJ exigindo esta prova para a demonstração da menoridade para a imputabilidade penal.

PROVA ILÍCITA

Primeiramente, a doutrina costuma diferenciar prova ilícita de prova ilegítima, onde a primeira seria a prova produzida mediante a violação a uma norma de direito material, ao passo que a prova ilegítima seria produzida mediante a violação de uma norma de direito processual.

Então, por exemplo, uma confissão mediante tortura seria uma prova ilícita, vez que tortura é crime tipificado na Lei 9455/97, em seu art. 1º, ou seja, houve violação a uma norma de direito material. Por outro lado, se obteve a prova invertendo-se a ordem da oitiva de testemunhas, configurar-se-á uma prova ilegítima, haja vista tivera violação a uma norma procedimental.

Trata-se de uma classificação importantíssima, trazida por quase todos os doutrinadores do direito penal, entretanto, não fora acolhida pela nossa legislação. Se acaso vier numa prova de concurso esta classificação, a remetendo que está de acordo com o CPP, estaria a afirmativa incorreta, uma vez que o CPP não a diferencia, tratando tudo como sendo prova ilícita.

Ou seja, segundo a redação do art. 157 do CPP, prova ilícita é aquela produzida em desconformidade com a Constituição e as leis da República, não importando saber se a norma é de direito material ou processual.

Sendo assim, a distinção de prova ilícita e prova ilegítima é muito importante sob o aspecto doutrinário, porém é irrelevante sob o aspecto legislativo.

Apesar de o CPP, ao tratar da prova ilícita em seu art. 157, dizer que esta não será possível de ocorrer e, como se sabe, a CF proibir as provas obtidas por meios ilícitos, o STF diz ser possível, haja vista que não há poderes absolutos, se admitindo a prova gerida por meios ilícitos, desde que seja pro reo (a favor da defesa, do réu), ou seja, uma prova ilícita poderia ser utilizada para uma absolvição, mas não para uma condenação.

Trata-se, porém, de um tema controverso na doutrina, existindo autores sufragando a ideia de que deveria ser possível também a prova ilícita pro societate (a favor da acusação), vez que, na medida que o STF invoca o Princípio da proporcionalidade para admitir a prova ilícita, não haveria proporcionalidade de mão única, sendo aferível no caso concreto, quando em alguns casos, o interesse coletivo talvez se sobreponha ao interesse individual.

O STF tem se mantido reclacitrante em relação a isso, apreciando um caso emblemático de um pedófilo que abusava sexualmente de crianças, praticando o crime de estupro de vulneráveis (CP, art. 17-A), onde uma pessoa, desconfiando das condutas suspeitas do agente, invadiu sua residência e obteve a prova documental dos crimes (fotos) – prova cabal do cometimento do crime. O sujeito que obteve as provas passou a extorquir o pedófilo, e isso durou algum tempo até que o criminoso parou de dar-lhe dinheiro, razão pela qual fora delatado. O STF, ao não reconhecer a possibilidade da prova ilícita pro societate, anula esta condenação – e o faz por entender que, mesmo com todo o aparato de polícia e MP, altamente organizados, o Estado não conseguiu lograr êxito em produzir uma prova sem violação às leis da República.

Esta prova ilícita, porém, tem sido admitida como notitia criminis, mas não tem sido admitida como meio de prova propriamente dita.

Em doutrina, há quem pondere este exemplo dado acima, especificamente, sustentando que neste caso do pedófilo, poderia ser utilizada a prova ilícita, pois ela não teria sido produzida por agentes do Estado. Ou seja, o que não se admite para esta parcela da doutrina, é a utilização da prova ilícita produzida pelo Estado – pois neste caso, se nega o Estado de Direito, ou seja, seria o Estado negando o direito aprovado por ele mesmo.

TEORIA DA CONTAMINAÇÃO DO ENTENDIMENTO

Por esta teoria, o juiz que tem contato com a prova ilícita não pode mais julgar o caso, visto que perderia a parcialidade para o julgamento.

O nosso código adotou a Teoria da Contaminação do Entendimento?

Não. O art. 157 do CPP nos diz que, o juiz quando tem contato com a prova ilícita deverá determinar o desentranhamento da prova, e após a preclusão, ele determina a sua inutilização (aguarda-se a preclusão pois pode ser que o MP recorra e o Tribunal decida que se trata de uma prova lícita, tendo que esta ser recolocada nos autos do processo) – portanto, o CPP não determina que o juiz que teve contato com a prova ilícita se afaste do processo.

Isso porque entendeu-se que essa contaminação do entendimento violava o Sistema da Persuasão Racional ou Livre Convencimento, ou seja, se o juiz é livre para valorar a prova, então não precisará se afastar do processo. Ou seja, basta ele valorar a prova no sentido de ela ser ilícita e desentranhá-la, inutilizando-a para o seu convencimento.

TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORES ENVENENADA

Por esta teoria, a prova que deriva da prova ilícita será contaminada por tal ilicitude. Esta teoria somente passou a estar expressa em nosso ordenamento em 2008, através da Lei 11.690/08. No entanto, antes mesmo de ser positivada, esta teoria já se encontrava consagrada na jurisprudência do STF (desde 1996).

No primeiro precedente, em 1995, o Supremo rechaçou esta teoria, prevalecendo a tese da não aplicação dessa teoria, por entender que a Constituição proibia as provas não admitidas em lei, ou seja, as provas que fossem obtidas por meios ilícitos, mas a Carta Maior não tinha falado das provas derivadas, assim, não se aplicaria. No ano seguinte, em 1996, o Plenário do STF acolheu esta teoria por uma votação acirrada de 6 votos a 5.

Foram acolhidas pelo CPP, duas exceções a esta Teoria da Árvore envenenada, quais sejam, a Teoria da Fonte Absolutamente Independente, da qual a prova se oriunda de uma fonte absolutamente independente, e por isso não será contaminada, e a outra exceção se trata da Teoria da Descoberta Inevitável, de acordo com a qual a prova ilícita seria descoberta de qualquer maneira, de forma inevitável.

Enquanto que na Teoria da Descoberta Inevitável a prova continua a ser ilícita e não pode ser utilizada (a não ser que em benefício do réu), as provas derivadas da prova ilícita é que não serão contaminadas – isso porque a descoberta dessas provas, ainda que não derivassem da prova ilícita, seriam descobertas da mesma forma.

  • Processo Penal
  • Prova

Referências

Informações extraídas do 7º fórum temático de Ciências Criminais, realizados pelo CERS e palestrado pelo professor Fábio Roque.


Ap Advocacia

Advogado - Porto Velho, RO


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