CORRUPÇÃO ELEITORAL E SEUS ASPECTOS PENAIS


02/11/2014 às 20h25
Por Ap Advocacia

CORRUPÇÃO ELEITORAL E SEUS ASPECTOS PENAIS

1) Os crimes eleitorais devem ser rotulados como crimes Comuns ou crimes Políticos? A repercussão prática desta questão se baseia em saber se os crimes eleitorais são considerados para fins de reincidência. Isso porque, o art 64, II do Código Penal traz que os crimes políticos não são considerados para efeito de reincidência.

Art. 64 - Para efeito de reincidência: II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Ou seja, se o agente praticou um crime comum no passado e volta a cometê-lo novamente, considerar-se-á reincidente. No entanto, se o crime pretérito for um crime político, não gerará a reincidência do crime futuro.

Os crimes eleitorais caracterizam atitudes antissociais lesivas à regra jurídica preestabelecida em proteção aos atos eleitorais, do alistamento do eleitor à diplomação do eleito. Desta feita, conclui-se que os crimes eleitorais estão vinculados ao direito penal comum. A maioria da doutrina entende que o crime eleitoral deve ajustar-se ao rol de CRIMES COMUNS, desta forma, gerará a reincidência no caso da prática de crime futuro.

2) Qual o bem jurídico tutelado nos delitos eleitorais? Ao punir crimes eleitorais, objetiva o legislador salvaguardar bens jurídicos de nova geração, integrados por objetos difusos, sem referência individual, ou seja, bens jurídicos coletivos, cujos direitos e interesses não recaem sobre uma única pessoa, mas sobre toda a coletividade. Portanto, trata-se de um bem jurídico DIFUSO.

Sabemos que o direito penal clássico busca proteger bens individuais, tais como a vida, integridade física, honra, patrimônio, dignidade sexual etc. No entanto, o direito penal, de uns tempos pra cá, têm buscado tutelar não somente bens individuais, mas bens jurídicos coletivos e difusos, tais como o meio ambiente, a ordem tributária, ordem econômica, relações de consumo etc. Este fenômeno é denominado ESPIRITUALIZAÇÃO DO BEM JURÍDICO (é o Direito Penal tutelando bens jurídicos difusos e coletivos – do qual o Direito Eleitoral faz parte, uma vez que os bens jurídicos tutelados nos crimes eleitorais não são bens jurídicos individuais, mas sim, difusos, pertencentes a toda coletividade).

Alguns criticam este fenômeno da Espiritualização, dizendo que o Direito Penal deve limitar-se à tutela de bens jurídicos individuais, de forma que os bens jurídicos difusos e coletivos deverão ficar a cargo de outros ramos do direito. Esta corrente chega a sugerir a criação de um direito próprio para punir administrativamente, porém com penas administrativas mais rigorosas, estes comportamentos que afetam o interesse difuso – sugerindo a criação do denominado ¨direito de intervenção¨, permitindo-se nestes casos de bens jurídicos difusos a incidência, não do direito penal, mas sim do direito administrativo sancionador (com penas mais rigorosas, mas não tão drásticas como a do direito penal). O Brasil não segue esta doutrina, assim, nosso direito penal, vem buscando cada vez mais tutelar bens jurídicos difusos e coletivos. Na visão do penalista Rogério Sanches, estamos corretos, pois, na medida que estes direitos difusos e coletivos não estão conseguindo ser inibidos com outros ramos do direito, faz-se necessário a intervenção do Direito Penal, ou seja, para Sanches, o meio ambiente, a ordem tributária, a ordem econômica, as relações de consumo, o direito eleitoral entre outros direitos difusos e coletivos, não estão conseguindo inibir os comportamentos humanos indesejados, e, sendo o direito penal subsidiário, este deverá atuar.

3) Crimes eleitorais admitem princípio da insignificância? Ou seja, entendendo que o Direito Penal Eleitoral vai tutelar bem jurídico difuso: a regularidade eleitoral, a cidadania, o direito ao sufrágio justo e igualitário, entre outros, um crime eleitoral seria compatível com o Princípio da Insignificância?
Como cedico, existem alguns requisitos para se aplicar o Princípio da Insignificância, tais como:
a) Mínima ofensividade da conduta do agente;
b) Nenhuma periculosidade social da ação;
c) Reduzido grau de reprovabilidade comportamento; e
d) Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Extraído estes 4 requisitos de um crime eleitoral, poderia ele ser considerado materialmente insignificância? Há decisões em alguns Tribunais Regionais Eleitorais admitindo, porém, a posição majoritária do TSE é a de que o crime eleitoral é incompatível com o Princípio da Insignificância. O TSE usa o argumento de que, qualquer infração eleitoral conspira contra o direito dos cidadãos a um pleito isento de máculas, logo, é incompatível com o princípio em tela.

Estabelecido estas observações inciais, veremos sobre a CORRUPÇÃO ELEITORAL, prevista no art 299 do Código Eleitoral.
Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena - reclusão até 4 anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Qual a pena mínima? O crime de corrupção eleitoral admite a suspensão condicional do processo? Uma vez que o art 299 apenas traz que a pena será de até 4 anos, mas não traz o mínimo. Sendo assim, nos termos do art 284 do Código Eleitoral, sempre que este não indicar o grau mínimo, a pena mínima dependerá do crime ser punido com detenção ou reclusão, assim, entende-se que:
a) Se o crime for punido com detenção: pena mínima será de 15 dias;
b) Se o crime for punido com reclusão: pena mínima será de 1 ano.

Desta forma, a pena do crime de Corrupção Eleitoral, como seu dispositivo não indica o grau mínimo, e, por ser punível com reclusão, a pena mínima será de 1 ano, podendo atingir até 4 anos, assim, se está diante de uma infração de MÉDIO potencial ofensivo, admitindo-se a suspensão condicional do processo.

OBS: O crime de Corrupção Eleitoral não se confunde com a Captação Ilícita de Sufrágio, prevista no art 41-A, Lei 9504/97. Ambos envolvem corrupção eleitoral, porém o art 299 trabalha o crime, enquanto que o art 41-A trabalha o ilícito extrapenal (ilícito civil). Enquanto a Corrupção Eleitoral (art 299, CE) é um crime que trabalha a conduta de compra de votos, alcançando também quem vende, e possui uma sanção penal de 1 a 4 anos, a Captação Ilícita de Sufrágio (art 41-A, Lei das eleições) trata-se de um ilícito civil que trabalha a conduta de compra de votos, mas também o foco é o político ou quem haja em seu nome (não alcança quem vende), possuindo uma sanção extrapenal (multa + cassação do registro ou diploma).
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da LC 64/90. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

Um político que compra votos pode sofrer a incidência de ambos os dispositivos? SIM. Mas não configuraria bis in idem? Não, visto que uma sanção é penal, enquanto que outra é civil - ou seja, o comprador de votos pode praticar corrupção ativa eleitoral, que é crime, e captação ilícita de sufrágio, que é ilícito civil. Assim, sofrerá uma pena de 1 a 4 anos, no âmbito penal, e multa e cassação do registro ou diploma, no âmbito cível.

Analisando o art 299, ele pune as condutas de ¨dar¨, ¨oferecer¨ e ¨prometer¨, e também pune ¨solicitar¨ ou ¨receber¨, ou seja, pune num só dispositivo, as 2 formas de corrupção (corrupção ativa e passiva). Portanto, diferentemente do Código Penal, onde há uma exceção pluralista à Teoria monista, o corruptor responde nas penas do art 333 e o corrupto nas penas do art 317, no Código eleitoral não, onde o art 299 trata do corruptor e do corrupto. Crítica: Alguns doutrinadores criticam este dispositivo do Código Eleitoral por punirem a corrupção passiva e ativa no mesmo dispositivo. Para esta corrente, poderia o legislador ter diferenciado o comportamento do corrupto (quem vende o voto) miserável, do ganancioso. Ou seja, já que não se admite o princípio da insignificância nos crimes eleitorais, o legislador deveria ter separado o corrupto miserável, que pratica o crime por razões de miserabilidade, dando-lhe uma pena não tão rigorosa quanto ao mesmo crime praticado pelo corrupto ganancioso.

O crime é UNILATERAL, o que significa que se pode ter só corrupção ativa ou só corrupção passiva, ou seja, um não pressupõe, necessariamente, o outro – e o art 299 deixa isso claro ao dizer ¨ainda que a proposta não seja aceita¨. Assim, não é porque se tem a corrupção ativa que terá a corrupção passiva, e vice-versa.

Corrupção Ativa (art 299, 1ª parte): *Dar, *Oferecer ou *Prometer;
Corrupção Passiva (art 299, 2ª parte): *Solicitar e *Receber.

No Código Penal, a corrupção ativa não pune o verbo ¨dar¨. No Código Eleitoral, diferentemente do Código Penal, não existe o núcleo ¨Aceitar Promessa¨, no crime de corrupção passiva. *Há doutrina dizendo que o verbo/núcleo ¨aceitar promessa¨ estaria implícito. Para Rogério Sanches, seria muito difícil se trabalhar com núcleos implícitos no direito penal, uma vez que este é norteado pelo Princípio da Legalidade.

A título de exemplo, se um político oferece dinheiro em troca de voto, mas o eleitor não aceita, tem-se apenas configurado a corrupção ativa. Do contrário, se o eleitor recebe, tem-se a corrupção ativa e passiva. De outro modo, se um um eleitor solicita vantagem para ceder seu voto, mas o político não aceita, tem-se apenas a corrupção passiva. Do contrário, se o político comprar, tem-se a corrupção ativa e passiva.

CORRUPÇÃO ATIVA ELEITORAL: pode ser praticada por qualquer pessoa, ou seja, não precisa ser, necessariamente, o candidato. Portanto, a corrupção ativa, poderá, a título de exemplo, ser praticado por uma pessoa que possui interesses em ver um candidato ser eleito. O objetivo aqui, é basicamente comprar voto ou sua abstenção.

A compra de um voto já configura o crime. A compra de mais de um voto caracteriza a pluralidade de crimes? A doutrina se divide, e, enquanto uma corrente entende que se a compra ocorrer no mesmo contexto fático, não desnatura a unidade do crime; uma segunda corrente, que por sinal é majoritária, vai entender que a compra de mais de um voto, ainda que no mesmo contexto fático, caracteriza concurso formal ou continuidade delitiva.

Há uma diferença, ainda que difícil de enxergar na prática, entre promessa de lícita de campanha e promessa que caracterize o crime de corrupção eleitoral; Exemplo: O candidato que diz ¨vote em mim que asfaltarei as ruas da cidade¨, pratica o crime de corrupção eleitoral? E o candidato que diz ¨vote em mim que asfaltarei a sua rua¨, pratica o crime de corrupção eleitoral? Na prática a promessa genérica é lícita, diferente da promessa específica, que é crime. Desta feita, conclui-se que para que ocorra o crime, a oferta deve ser dirigida a um eleitor ou grupo de eleitores, individualizado.

CORRUPÇÃO PASSIVA ELEITORAL: é praticada por quem comercializa o seu voto, ou se abstenha dele em troca de vantagem.
Este crime que só pode ser praticado por eleitor? Enquanto a minoria entende que só é praticado por eleitor; a majoritária traz que qualquer pessoa pode praticar o crime de corrupção passiva eleitoral, tanto é que o art 299 fala em ¨solicitar ou receber, para si ou para outrem¨; Exemplo: um não eleitor (estrangeiro ou alguém com seus direitos políticos suspensos) solicitando ou recebendo vantagem em nome de outrem, para que este vote ou se abstenha de votar.

Se o agente, que solicita ou recebe a vantagem para si mesmo, estiver com seus direitos políticos suspensos, tratar-se-á de Crime Impossível. Exemplo: Juan é paraguaio e solicita vantagem a um candidato, neste caso, não configura crime, pois ele não tem o direito de votar. A depender das circunstância, pode até configurar estelionato, mas nunca corrupção passiva. Neste caso, o agente deverá receber/solicitar para si mesmo, pois se solicita/recebe para outrem, está qualificado o crime de corrupção passiva (Exemplo: José está com seus direitos políticos suspensos e solicita vantagem para que sua família vote em determinado candidato).

O art 299 traz que o crime pode ser mediante ¨...dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem...¨. O que configuraria ¨qualquer outra vantagem¨? Há julgados que consideram como sendo: gastos em supermercado condicionado a obtenção de voto (TRE/SC); distribuição de medicamentos (TRE/SC); cestas alimentícias (TRE/SE); oferecimento de carona e pagamento de multa para o eleitor (TRE/GO) etc.

Distribuição de combustível como contraprestação de serviços de campanha NÃO caracteriza o crime, visto que está ausente o fim especial de obter voto; Exemplo: carreata patrocinada pelo candidato. No entanto, a depender das circunstâncias, poderá caracterizar captação ilícita de sufrágio (abuso do poder econômico).

Para finalizar, deve-se atentar para o fato de que o crime de corrupção eleitoral não precisa, necessariamente, ocorrer em época de eleição.

  • Direito Penal
  • Corrupção Eleitoral

Referências

Informações retiradas do 1º fórum temático de ciências criminais do CERS, palestrado pelo doutrinador e professor de direito penal Rogério Sanches.


Ap Advocacia

Advogado - Porto Velho, RO


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