COLABORAÇÃO PREMIADA
INTRODUÇÃO
A Colaboração está relacionada a uma ideia básica de traição. Porém, o Estado acaba por premiá-la. E porque o faz? Ora, desde tempos remotos, a história é rica em apontar a traição entre seres humanos; Ex.: Judas vendeu Cristo por 30 moedas; Joaquim Silvério dos Reis delatou Tiradentes, o levando a forca etc.
Com o passar dos anos, o que os ordenamentos jurídicos simplesmente acabaram por fazer é reconhecer que a traição é comum entre os seres humanos, e institucionalizar esta traição, como uma importante forma de se obter conhecimento sobre a prática do fato delituoso.
I) Origem:
A colaboração premiada tem origem no direito anglo-saxão, do qual advém a expressão ¨crown witness¨ (testemunha da coroa), que fora amplamente utilizada no combate ao crime organizado e adotada com grande êxito na Itália, em prol do desmantelamento/destruição da máfia (basta lembrar as declarações prestadas por Tommaso Buscetta ao promotor italiano Giovanni Falcone).
Portanto, a colaboração premiada surge no direito norte-americano, e com o passar dos anos vem sendo trazida para vários ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro.
II) Conceito/Natureza Jurídica:
A colaboração premiada pode ser compreendida como uma técnica especial de investigação, por meio da qual, o coator ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal, informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebido em contrapartida, determinado prêmio legal.
Em outras palavras, os Estados vão reconhecer que não adianta se valer dos meios ordinários de obtenção de prova para investigar crimes de tráficos de drogas e outros crimes praticados por organizações criminosas. Assim, somos obrigados a nos valer destas técnicas especiais de investigação/meios extraordinários de obtenção de prova.
Por meio desta técnica de investigação (colaboração premiada), num primeiro momento, o indivíduo confessa seu envolvimento na prática do crime, e na sequência fornece informações aos órgãos responsáveis pela persecução penal para atingir um dos objetivos previstos em lei (objetivos estes que podem ser diversos, tais como: *localização da vítima; *localização do produto do crime; *identificação dos demais integrantes; *desmantelamento da organização criminosa etc).
Portanto, esta é a natureza jurídica da Colaboração Premiada, qual seja, uma técnica especial de investigação (ou ainda, um meio extraordinário de obtenção de prova).
ATENÇÃO!!! É importante saber que a Colaboração Premiada se diferencia da Confissão!!!!
Ao confessar, simplesmente se admite a veracidade da imputação que recai sobre si; Ex.: respondendo a um processo por furto, durante o interrogatório o réu diz que, de fato, subtraiu coisa alheia móvel. Já a Colaboração Premiada é um algo a mais de uma simples confissão, de maneira a confissão da prática do fato delituoso não é o bastante para sua configuração, tendo também que fornecer informações suficientes a atingir um dos objetivos previstos em lei, e, em contrapartida, se recebe determinado prêmio legal.
III) Distinção entre Colaboração Premiada de Delação Premiada:
É comum na mídia aparecer o termo ¨delação¨. Percebe-se que desde o início da anotação, que, em momento algum fora escrito o termo ¨delação¨, sendo usado tão somente ¨colaboração¨. Isso porque, a própria Lei 12.850 (organizações criminosas), trabalha no sentido da ¨colaboração¨.
Segundo a melhor doutrina, a ¨colaboração¨ deve ser compreendida como o gênero, do qual a ¨delação¨ seria apenas uma de suas espécies. Quando se fala em Delação, pressupõe-se, obrigatoriamente, que haja a incriminação de comparsas (coautores/partícipes), por isso a delação também aparece denominada como ¨chamamento do correu¨.
Colaboração, portanto, é o gênero; Ex.: pode-se colaborar com o Estado, delatando o partícipe. Porém, da mesma forma, se pode colaborar com o Estado, fornecendo a localização da vítima; a localização do produto etc – ou seja, nestes casos não há, necessariamente, a delação de terceiros.
Outra diferença é que, a expressão ¨Delação¨, traz em si, a ideia de traição, e o Estado quer deixar de lado esta ideia, e por isso, prefere utilizar o termo ¨Colaboração premiada¨. Portanto, apesar de na mídia ser muito comum a expressão ¨delação¨, é mais técnico usar ¨colaboração¨.
COLABORAÇÃO PREMIADA: É o gênero. O investigado não precisa, necessariamente, identificar os demais comparsas, podendo, por exemplo, contribuir para a localização do produto do crime.
DELAÇÃO PREMIADA: É uma espécie de Colaboração Premiada (apenas uma das formas de se colaborar com o Estado). Esta pressupõe que o delator confesse a prática criminosa e incrimine os comparsas (¨Chamamento de correu¨).
Portanto, devido a carga simbólica carregada de preconceitos inerentes à delação premiada, que traz ínsita a ideia da traição, o ideal é utilizar a expressão ¨colaboração premiada¨.
IV) Ética e Moral:
Muito se discute se a Colaboração premiada é válida à luz da ética e da moral, ou seja, se seria um meio de prova moral, e, portanto, válido. Com base nisso, alguns doutrinadores com uma visão mais defensiva, se pronunciam contrariamente à Colaboração premiada. Na visão destes doutrinadores, a Colaboração premiada é incompatível com o Princípio da Solidariedade (art 3º, CF) vez que, o Estado ao premiar o ato, está, na verdade, dizendo que a adoção de um comportamento anti ético, que é a traição, pode trazer benefícios, ou seja, seria como o Estado incentivasse um comportamento imoral, sendo, portanto, incompatível com a Constituição Federal.
No entanto, atualmente, o ideal, no sentido da doutrina e jurisprudência majoritárias, é admitir a validade da Colaboração premiada. Entendem os Tribunais ser a Colaboração premiada totalmente válida sob os termos da ética e da moral. E isso porque, primeiramente, o Estado não consegue quebrar o silêncio mafioso sem a colaboração do informante. E, além disso, é no mínimo contraditório falar em ética de criminosos (Como se poderia falar em ética se a conduta do criminoso é absolutamente anti ética?!). Portanto, apesar de funcionar como modalidade de traição institucionalizada, trata-se de um instituto de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso, além de beneficiar o acusado colaborador. E, de mais a mais, é no mínimo contraditório falar em ética de criminosos.
V) Motivação do Colaborador:
Precisa-se que a colaboração seja espontânea? Ou basta que seja voluntária? Interessa para nós qual seria o motivo que levou o agente a colaborar? Desde que a colaboração seja voluntária – não necessariamente espontânea –, pouco importa o motivo que levou o acusado a colaborar (Ex: remorso, piedade, vingança, interesse no prêmio etc).
Portanto, para fins de colaboração, esta apenas deverá ser voluntária. Algo espontâneo é quando a ideia parte da própria pessoa – isso não é necessário para a Colaboração, sendo importante, apenas que ela seja voluntária (não forçada), ou seja, a ideia não necessariamente deverá partir do agente, podendo ele ser convencido por outra pessoa a colaborar com o Estado; Ex.: Se o delegado ou promotor propor a colaboração ao agente e este aceitar, esta colaboração não foi espontânea, porém, não importa, vez que foi voluntária.
VI) Direito ao silêncio:
Até que ponto a colaboração premiada é compatível com o Princípio do nemo tenetur se detegere (com o direito ao silêncio)? Segundo o Princípio do nemo tenetur se detegere, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. E, um de seus desdobramentos é o direito ao silêncio.
A Lei das organizações criminosas (Lei 12.850/13), em seu art 4º, §14º traz:
Art. 4º. §14º. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
Trata-se de um dispositivo interessante, primeiramente porque fala em renúncia ao direito ao silêncio, e, segundo, diz que o agente estaria sujeito ao compromisso de dizer a verdade.
O art 19 deste lei ainda traz:
Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.
Neste caso, teríamos uma espécie de ¨denunciação caluniosa do colaborador¨. Quando o dispositivo traz ¨ sob pretexto de colaboração com a Justiça¨, estamos diante de um crime de mão própria, isso porque só pode ser praticado pelo colaborador. O colaborador pode renunciar ao direito ao silêncio? E ele poderia responder por um crime se dizer informações falsas?
Trata-se de um tema novo, que deve chegar aos Tribunais. Segundo a visão do professor, primeiramente, ninguém nega que o indivíduo tem direito ao silêncio, previsto na CF/88 e na Convenção interamericana de direitos humanos.
No entanto, tem-se o direito ao silêncio, e não o dever, assim, desde que o indivíduo seja informado das consequências decorrentes da celebração do acordo de Colaboração premiada, é óbvio que ele poderá fazer uma opção livre por celebrar este acordo. E esta opção, vale lembrar, sempre deverá ser assistida por um defensor.
No §14º do art 4º, para Renato Brasileiro, o legislador não foi feliz ao usar o verbo ¨renunciar¨, uma vez que o direito ao silêncio é de natureza fundamental, e ao estudar os DFs, sabemos que uma característica básica deles é a irrenunciabilidade/inalienabilidade, desta forma não haveria como renunciar o direito ao silêncio.
Assim, o ideal, ao interpretar o §14º, é se entender que não se trata de ¨renúncia¨ ao direito ao silêncio, mas sim uma opção voluntária do não exercício ao direito ao silêncio.
E quanto ao crime? Pode-se responder por dizer informações falsas?
Deve-se lembrar que o Direito ao silêncio e o Princípio do nemo tenetur se detegere não têm natureza absoluta, como todo e qualquer direito fundamental (Ex.: a CF autoriza até a morte em caso de guerra declarada). Desta forma, ele pode ser usado para defender o acusado, mas não pode ser usado como uma escudo protetivo para a atividades ilícitas; Ex.: O casal Nardoni mexeu no local do crime para esconder as pistas, e por isso foram condenados também pelo crime de fraude processual – Isso não está protegido pelo nemo tenetur? Não, pois não pode se valer de um direito constitucional como um escudo protetivo para a atividades ilícitas.
Nessa linha de raciocínio, segundo a qual não é um direito absoluto, vale lembrar que o próprio Supremo e o STJ vêm entendendo que hoje, tipifica o crime de falsa identidade (art 307, CP) quando o agente presta informações falsas quanto a sua qualificação.
VII) Previsão Normativa:
Vários são os dispositivos que trazem a Colaboração Premiada em nosso ordenamento:
Art 8º, parágrafo único, Lei dos crimes hediondos (Lei 8072/90);
Art. 8º. Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Art 159, §4º, CP (extorsão mediante sequestro);
Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.
Art 25, §2º, Lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7492/86);
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado). § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
Art 16, parágrafo único, Lei dos crimes contra ordem econômico-financeira (Lei 8137/90);
Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
Art 1º, §5º, Lei de lavagem de capitais (Lei 9613/98 ) – alterado pela Lei 12683/12;
Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos, e multa. § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Arts 13 e 14, Lei de proteção às testemunhas (Lei 9807/99);
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Art 41, Lei de Drogas (Lei 11343/06);
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.
Arts 86/87, Lei 12529/11 (acordo de leniência ou acordo de prandura/doçura);
Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 a 2/3 da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e
II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.
Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do DL 2.848/40 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.
Nestes vários dispositivos, a colaboração sempre está prevista para crimes especiais, a exceção da Lei de proteção às testemunhas, que é uma lei genérica. *Em 2013, vem a Lei 12.850, que é a Lei das Organizações Criminosas, que também tratará do tema em seu art 4º.
Art. 4º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Pela redação do art 4º, temos que os objetivos NÃO são cumulativos, mas ALTERNATIVOS, ou seja, basta que o agente alcance um deles para que tenha o benefício da Colaboração premiada.
O que vale aqui, é a regra da Cumulatividade Temperada, onde, olha-se para o caso concreto e se pergunta quais as informações de que o agente tem conhecimento; Ex.: Há uma organização criminosa que vem praticando crimes de extorsão mediante sequestro, e no exato momento há uma vítima privada de sua liberdade. Imagina-se que fora pego um dos agentes e este resolve colaborar. Se ele souber de tudo, vai-se querer todas as informações, ou seja, terá de identificar os demais comparsas, informar o produto do crime (onde está o dinheiro do resgate), onde está a vítima no momento etc. Mas isso, se ele souber.
Mas numa organização criminosa, nem sempre este conhecimento é revelado a todos os seus integrantes, ou seja, pode ser que o membro da organização criminosa era apenas o motorista e somente sabe o paradeiro da vítima e não sabe das demais informações – neste caso, essa única informação sobre a localização da vítima já basta para a incidência do art 4º da Lei das Organizações Criminosas.
Portanto, deve prevalecer uma Cumulatividade Temperada, ou seja, é necessária a satisfação dos requisitos possíveis no mundo fático, quaisquer que sejam eles, a depender da natureza do delito praticado.
Olhando para o art 4º, percebe-se também que ele prevê: a) a diminuição da pena; b) perdão judicial; e c) substituição por restritiva de direitos. Qual o âmbito de aplicação desse art 4º?
Ou seja, vimos que vários são os crimes que possuem dispositivos específicos sobre a Colaboração premiada, alguns ainda muito antigos (Ex: Lei 8137/90). Assim, pergunta-se: Se tiver um crime de extorsão mediante sequestro, quando da Colaboração premiada, qual o dispositivo legal que se aplica? Seria o §4º do art 159 do CP ou o art 4º da Lei das organizações criminosas?
Trata-se de uma tema polêmico. Para o professor, o melhor raciocínio seria entender que a Lei 12850/13 terá seu âmbito de aplicação não apenas ao crime em si de organização criminosa (art 2º, Lei 12.850), mas estes benefícios legais deverão ser úteis também para os crimes praticados pela organização criminosa, ainda que haja dispositivo legal específico quanto a este delito.
Há doutrinadores que entendem que os benefícios do art 4º da Lei 12.850 seriam aplicáveis apenas ao crime de organização criminosa em si (art 2º) – seria estranho, vez que se um agente da organização resolve colaborar, o MP diz que ele fará jus aos benefícios legais, porém serão aplicáveis exclusivamente para o crime de organização criminosa, e em relação aos demais crimes praticados pelo sujeito, ele não será beneficiado – desta forma, estaria se esvaziando a eficácia do dispositivo legal, pois como que o acusado colaboraria neste caso?! Por esta razão, Renato Brasileiro entende que tais benefícios legais são aplicáveis não apenas para o crime de organização criminosa isoladamente considerado, mas também para os demais crimes praticados pela organização criminosa, ainda que haja dispositivo legal específico sobre este delito.
Ainda na Lei das organizações, tem-se no §2º a previsão de que é possível a concessão do perdão judicial, que poderá ocorrer a qualquer tempo.
E o §3º ainda prevê que o prazo para o oferecimento da denúncia e o processo relativo ao colaborador, poderão ser suspensos por até 6 meses, prorrogáveis por igual período, até o acusado cumpra todas as obrigações inerentes à colaboração premiada.
O §4º prevê que o MP poderá deixar de oferecer denúncia (mais uma exceção ao Princípio da Obrigatoriedade, que diz que o MP é sempre obrigado a oferecer denúncia) quando houver colaboração premiada, desde que presente 2 condições: a) não se trata do líder da organização criminosa; e b) que seja o 1º a prestar colaboração.
Por fim, o §5º traz que se a Colaboração for posterior a sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos. *Assim, por este §5º, temos que a Colaboração Premiada, poder-se-á se dar a qualquer momento, inclusive após a sentença (e não tão somente durante a fase investigatória).
VIII) Objetivos da Colaboração Premiada:
Vimos no art 4º que são vários, e como já dito, podem ser todos aplicados ou não, a depender do caso concreto (portanto, são objetivos ALTERNATIVOS).
São eles:
i) Identificação dos demais coautores/partícipes da organização das infrações praticadas;
ii) Revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas;
iii) Prevenção de novas infrações;
iv) Recuperação total ou parcial do produto/proveito das atividades criminosas;
v) Localização de eventual vítima com sua integridade física preservada.
IX) Eficácia Objetiva da Colaboração Premiada:
Para fins de concessão dos prêmios legais, é indispensável aferir a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas pelo colaborador.
Ou seja, de nada adianta a mera intenção do agente em colaborar com o Estado; Ex: soldados furtaram fuzis e munições do quartel. Um dos soldados resolve colaborar e diz onde eles estão escondidos, mas quando a polícia chega no local, não encontra nada, desta forma, o soldado, apesar de delator, não fará jus ao benefício, vez que sua delação não fora relevante e eficaz. Isso porque o Estado não está preocupado com o eventual arrependimento do criminoso, o que o Estado deseja é a obtenção de um daqueles resultados objetivos.
Portanto, em não havendo a eficácia objetiva da colaboração, não haverá a incidência dos prêmios legais. Vários são os julgados dos Tribunais Superiores neste sentido.
X) Prêmios Legais:
i) Diminuição da pena, que pode variar de 1/6 (menor diminuição do CP) até 2/3;
ii) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art 4º caput, Lei 12.850), ainda que ausentes os requisitos do art 44 do CP;
iii) Perdão judicial (art 4º, §2º);
iv) Sobrestamento do prazo para o oferecimento da denúncia ou suspensão do processo por até 6 meses, prorrogável por igual período, suspendendo-se o prazo prescricional (art 4º, §3º);
v) Não oferecimento da denúncia (art 4º, §4º).
vi) Possibilidade de progressão de regimes, ainda que ausentes os requisitos objetivos.
O juiz terá uma certa discricionariedade com relação a este prêmio, que, logicamente será analisada a depender do grau de colaboração do indivíduo.
Sobre a concessão do prêmio, trata-se de direito subjetivo ou mera discricionariedade do magistrado? Uma vez prestada as informações/celebrado e homologado o acordo de colaboração, se aferirmos a eficácia objetiva das informações, não há como negar que a colaboração passará a ser direito subjetivo do acusado.
Há um julgado do STJ neste sentido: ¨...ao contrário do que afirma o acórdão ora objurgado, preenchidos os requisitos da delação premiada, previstos no art 14 da Lei 9807/99, sua incidência é obrigatória...¨
A colaboração pode ser dada a qualquer criminoso? A ideia de colaboração não é beneficiar o líder da organização, sendo exatamente o contrário, vez que se oferece a colaboração ao indivíduo com menor grau de culpabilidade, isso para se chegar aos líderes dessa organização.
A Concessão dos prêmios legais, na verdade, é o resultado da somatória da ¹Eficácia objetiva das informações e da ²Análise das circunstâncias judiciais do colaborador.
Nesse sentido, tem-se o §1º do art 4º da Lei 12.850/13:
Art 4º. § 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Ex.: há um julgado do STJ que traz a não concessão do benefício a um investigador de polícia. Ou seja, não se pode pensar na colaboração premiada se se trata de um indivíduo com um alto grau de reprovabilidade da conduta delituosa, que seria exatamente o fato de ele ser policial.
XI) **Valor Probatório da Colaboração Premiada:
O indivíduo vai colaborar, e geralmente inicia a colaboração em um depoimento.
Esta declaração do colaborador, por si só, poderia fundamentar um decreto condenatório? Não!!! Sobre o assunto, há julgados antigos do STF que confirmam isso (HC 84517) que diz ¨...A chamada de corréu, ainda que formalizada em juízo, é inadmissível para lastrear a condenação...¨.
Nesse sentido, tem-se o §16 do art 4º da Lei 12.850/13:
§ 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.
Portanto, a lei deixa claro que não se pode condenar alguém, exclusivamente com base nas declarações.
Surge então, o que a doutrina chama de ¨Regra da Corroboração¨, no sentido de que não basta falar, devendo-se corroborar, confirmar, ou seja, o colaborador deverá dizer o número da conta bancária, o número de celular dos comparsas etc, gerando informações concretas, vez que uma simples declaração não seria suficiente para condenar alguém.
Regra da Corroboração: para a doutrina, não basta que o colaborador confesse a prática criminosa. Para além disso, deve indicar elementos de informação e provas capazes de confirmar suas declarações (Ex.: indicação do produto do crime, das contas bancárias, localização do produto direto ou indireto da infração penal, auxílio para a identificação de números de telefone a serem grampeados ou na realização de interceptação ambiental etc).