AGENTE INFILTRADO NAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
INTRODUÇÃO
Trata-se de um dos meios extraordinários de investigação, endossado pela Lei 12.850/13.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS LEIS DE COMBATE A ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
I) LEI 9.034/95:
Esta lei, de acordo com seu art. 1º, viera para definir e regular os meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.
Portanto, esta lei anunciou meios de prova na investigação, para servir ao combate de organizações criminosas e outras associações ilícitas.
Foi muito criticada por vários fatores, sendo dois deles os principais alvos: por não definir o conceito de organização criminosa e por anunciar meios extraordinários de investigação, como o agente infiltrado, e não explicar em que consistia tal infiltração de agentes. Ou seja, não definia o seu objeto (organização criminosa), bem como os meios de provas que seriam utilizados na investigação.
II) LEI 12694/12:
Veio para suceder a Lei 9.034/95, definindo organização criminosa e dispondo sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas.
Assim, ao conceituar organização criminosa, neste ponto, sanou a falha da Lei 9.034, e além disso, trouxe uma novidade, qual seja, a criação do julgamento por órgão colegiado em primeiro grau, quando se tratar de crimes praticados por organizações criminosas.
No entanto, esta lei não reproduziu os meios extraordinários de investigação, que continuaram anunciados, porém indefinidos na Lei 9.034, ou seja, a Lei 12.694/12 não a revogou, portanto, ambas as leis conviviam.
Tendo em vista essa complicação em trabalhar ambas as leis, o legislador, em 2013, resolve a situação ao editar a Lei 12.850.
III) LEI 12850/13:
Esta revogou a Lei 9.034/95, redefinindo em seu art. 1º, o que vem a ser organização criminosa (revogando nessa parte, a Lei 12.694/12). Além disso, esta nova lei dispôs sobre a investigação criminal, as infrações penais correlatas, o procedimento criminal a ser aplicado, bem como os meios de obtenção da prova.
A Lei 12.850 não somente anuncia, como também explica os meios extraordinários de obtenção de prova, revogando expressamente a Lei 9.034/95.
A Lei 12.850/13 convive com a Lei 12.694/12, que prevê o julgamento colegiado em primeiro grau. Sendo assim, hoje, o operador do direito, quando for trabalhar com organização criminosa, o fará mediante estas duas leis.
DEFINIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Como dito, tal definição veio com a Lei 12.850/13, que a trouxe em seu art. 1º, §1º.
Art. 1º. § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
MEIOS (EXTRAORDINÁRIOS) DE OBTENÇÃO DE PROVA
O Estado, para investigar esta organização criminosa se valerá de meios extraordinários de prova, os quais foram trazidos pela Lei 12.850, em seu art. 3º.
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada;
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III - ação controlada;
IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;
V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;
VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;
VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.
Como visto, dentre os meios extraordinários de prova trazidos pela Lei 12.850/13, encontramos no inciso VII do art. 3º a infiltração, por policiais, em atividade de investigação, que é apenas mais um, uma vez que esta lei anuncia que, além dos meios ordinários de prova trazidos pelo CPP (Código de Processo Penal), temos oito meios extraordinários de prova.
Como visto, não são meios naturais/ordinários de obtenção de prova, trata-se de meios invasivos, que acabam por vezes violando direitos fundamentais, visto que não se trata de investigar qualquer crime, mas sim o crime de organização criminosa. O Estado apenas será capaz de minorar a existência de organizações criminosas valendo-se de meios extraordinários.
Ou seja, um agente infiltrado não será usado para todo e qualquer crime por exemplo – trata-se de um expediente extraordinário para uma situação também extraordinária, tal qual uma organização criminosa.
DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES
A Lei 12.850 tratou deste meio extraordinário de prova em seu art. 10.
Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.
Na lição de Denílson Feitoza, “infiltração é a introdução de agente público, dissimuladamente quanto à finalidade investigativa (provas e informações) e/ou operacional (“dado negado” ou de difícil acesso) em quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa ou, ainda, em determinadas hipóteses (como crimes de drogas), no âmbito social, profissional ou criminoso do suposto autor de crime, a fim de obter provas que possibilitem, eficazmente, prevenir, detectar, reprimir ou, enfim, combater a atividade criminosa deles”.
Vale dizer que a figura do agente infiltrado não nasceu com a Lei 12.850 de 2013, vez que já existia antes. A Lei 9.034/95 trazia que o agente infiltrado poderia ser um meio de obtenção de prova, citando a infiltração de agentes de polícia ou inteligência, no entanto, explicava tal instituto.
A Lei de drogas (Lei 11.343/06), fala do agente infiltrado em seu art. 53, I, porém, comete o mesmo erro da lei supracitada, ou seja, também conceitua o instituto.
Já com a Lei 12.850/13, além se ter a previsão, finalmente se tem a explicação do instituto da infiltração de agente, prevendo, na verdade, o estatuto jurídico do agente infiltrado.
De acordo com a Lei 12.850/13, quem pode trabalhar como agente infiltrado?
O seu art. 10, no início do seu texto traz: ¨Art. 10. A infiltração de agentes de polícia...¨, ou seja, diferentemente da Lei 9.034, já revogada, o agente infiltrado somente poderá ser agente de polícia, não mais abrangendo agente de inteligência (Ex.: agentes da ABIN). E, entende-se como agentes de polícia, os agentes da polícia civil e federal.
Não será, decerto, todo e qualquer policial que revelará aptidão para a tarefa, cujas peculiaridades dos métodos a serem utilizados e o engajamento com pessoas de alta periculosidade, exigirá do agente especialíssimo preparo, sob pena de comprometer o sucesso da missão e, pior, de pagar com a própria vida em virtude de sua incapacidade.
Para Flávio Cardoso Pereira, são caracteres básicos desse agente: “perfil físico compatível com as dificuldades da operação, inteligência aguçada, aptidão específica para determinadas missões, equilíbrio emocional vez que poderá ficar distante do âmbito familiar por tempo indeterminado, sintonia cultural e étnica compatível com a organização a ser infiltrada etc.”.
O texto do §1º do art. 10 traz que na hipótese de o delegado de polícia representar na infiltração de agentes, o juiz competente, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público. Assim, este texto deixa claro que a infiltração não pode ser decretada de ofício pelo juiz, respeitando o sistema acusatório.
Na fase da investigação, o juiz está cada vez mais limitado em seus atos de ofício, não podendo, por exemplo, decretar temporária de ofício; decretar preventiva de ofício (Lei 12.403/11); determinar infiltração de agentes de ofício etc. Nestes casos, portanto, o juiz dependerá sempre de provocação, que se dará, ou por representação da autoridade, ouvindo-se o MP, ou a requerimento do próprio MP.
Na hipótese de representação pelo delegado, como dito, o juiz antes de decidir, ouve o MP, e, para o caso de requerimento do MP, o juiz antes de decidir, ouvirá o delegado.
O delegado deverá representar pois não tem capacidade postulatória, assim, uma vez que o juiz indefere o seu pedido, não haverá recurso. Em contrapartida, quanto ao MP, este deve requerer, vez que é parte, ou seja, tem capacidade postulatória, assim, indeferido o seu pedido pelo juiz, poderá recorrer.
O §2º do art. 10 traz que será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
Repara-se que o legislador não exigiu a presença de indícios da autoria para o deferimento da medida, bastando tão somente indícios da infração.
No art. 11 desta lei tem-se que no requerimento deverá o pedido mencionar os nomes ou apelidos dos membros da organização criminosa, se possível – ou seja, não é indispensável os indícios da autoria, bastando os indícios da infração penal.
Esta infiltração, se determinada pelo juiz, presentes indícios de uma organização criminosa e não podendo ser produzida eficazmente por outras provas, por quanto tempo perdurará? O §3º do art. 10 nos traz que ela será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações se comprovada a necessidade.
Esse prazo de seis meses nada mais é do que um parâmetro inicial, nada impedindo que prorrogações ocorram na mesma proporção.
O §4º traz que, findo prazo inicial de seis meses, tem-se um relatório explicando como está correndo a infiltração, trazendo, por exemplo, quais provas já produzidas. Esse relatório será apresentado ao juiz competente, que cientificará o MP imediatamente.
Esta exigência processual de comunicação à autoridade judiciária dos atos praticados ao abrigo de autorização tem subjacente duas imposições:
a) A primeira será dirigida a entidade policial, no sentido de vinculá-la aos precisos termos da autorização concedida. Ou seja, com esse relatório, o juiz e o MP vão se inteirar de absolutamente tudo o que está sendo praticado e concluir se o agente infiltrado está obedecendo aos termos da autorização.
b) A segunda imposição está dirigida a autoridade judiciária, qual seja, a obrigação legal de aferir a conformidade da ação com a autorização.
Ou seja, o relatório não será somente importante para o delegado e o agente infiltrado se limitarem aos termos da autorização, mas também para o juiz conferir se isso está acontecendo.
O §5º do art. 10 ainda traz que o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o MP poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração no curso do inquérito policial. Assim, por maior sigilo que deva guardar essa espécie de diligência, em razão dos perigos que a cercam, é preciso que um mínimo controle se realize quanto à atividade do agente infiltrado. Esse controle se dará por meio de relatório circunstanciado, como prevê o dispositivo.
O delegado, ao representar uma infiltração de agentes, além dos indícios de infração penal, o que mais deverá observar? Reza o art. 11 que, o requerimento do MP ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão:
a) a demonstração da necessidade da medida;
b) o alcance das tarefas dos agentes;
c) e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.
OBSERVAÇÃO: conforme dito anteriormente, os indícios da autoria são dispensáveis.
O mais difícil talvez se encontre no alcance das tarefas dos agentes vez que fica difícil de o delegado, na representação, e o MP, no requerimento, já querer trabalhar limites nas ações do agente infiltrado – isso porque, a partir do momento em que se infiltra numa organização criminosa, seus atos dentro de uma proporcionalidade e razoabilidade, terão destinos imprevisíveis. Não se trata de, obviamente, dar uma ¨carta branca¨ ao agente, no entanto, não se pode estabelecer-lhe tarefas rígidas. Tudo será novidade e tudo poderá ser surpreendente.
Desta feita, um tanto mais complexa, na prática, será a demonstração do “alcance das tarefas dos agentes” a se infiltrarem. De pronto se observa que, no mais das vezes, não se tem a exata noção da real abrangência da organização criminosa. É tamanha a rede de tentáculos, tantas as ramificações nessa espécie de criminalidade, que o autor do pedido encontrará dificuldade em aponta a investigação a ser desenvolvida pelo policial.
Assim, nesse tanto a doutrina diz que a representação ou o requerimento poderão ser um pouco mais genéricos, não necessitando de tamanha precisão.
Conforme o art. 12 dessa lei, o pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado. O § 2º deste dispositivo ainda traz que os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do MP, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente.
Ou seja, haverá dois momentos, o momento da investigação e o da denúncia. Enquanto se está na fase da investigação, há o sigilo, assim, a defesa não tem qualquer participação na produção de prova, vez que os autos da infiltração nem pertencem ao inquérito, estando apartados. Terminado o inquérito, o MP oferecerá a denúncia juntando a infiltração, onde a defesa passa a ter acesso ao relatório e a todos os documentos da infiltração, assegurado a preservação da identidade do agente infiltrado.
Sendo assim, a defesa não poderá arrolar o agente infiltrado para servir de testemunha?
Para tanto, haverá duas correntes. A primeira diz que o sigilo da identidade do agente, para sua própria segurança, será absoluto. Uma segunda corrente traz que, se demonstrada a necessidade, e, considerando o princípio constitucional da ampla defesa, o agente infiltrado poderá ser arrolado como testemunha.
O art. 12, §3º traz que, em havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada. Esta sustação pode se dar mediante requisição do MP ou pelo delegado de polícia. No caso de o MP requisitar a sustação, ele deverá dar ciência à autoridade judicial, e para o caso de ser delegado, além de dar ciência à autoridade judicial, também dará ao MP. Sendo assim, para sustar a operação não será necessária uma autorização judicial, bastando dar ciência.
O art. 13 entende que o agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.
Assim, parece claro que até mesmo a prática de crime lhe é permitida, posto que, somente assim, se explica o teor do parágrafo único deste dispositivo, que não pune a conduta do agente infiltrado “quando inexigível conduta diversa”.
Em resumo, o agente infiltrado em organização criminosa poderá até praticar crimes se necessário e inerente a infiltração (se inexigível conduta diversa), no entanto, responderá pelos excessos.
Antes da Lei 12.850/13, discutia-se qual o fundamento do agente infiltrado não responder por crimes do âmbito da infiltração, quando não houvesse excesso. A doutrina, portanto, divergia a respeito da natureza jurídica da exclusão da responsabilidade penal do agente infiltrado:
1ª) Uma primeira corrente dizia tratar-se de causa de exclusão de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa;
2ª) Uma segunda corrente dizia que ele não respondia pelo crime vez que age acobertado por uma escusa absolutória, na medida em que, por razões de política criminal, não é razoável nem lógico admitir a sua responsabilidade penal;
3ª) Uma terceira doutrina dizia tratar-se de causa excludente da ilicitude, vez que o agente infiltrado atua no estrito cumprimento do dever legal;
4ª) Para um quarto entendimento, seria o caso de atipicidade penal da conduta do agente infiltrado, seja por ausência de dolo, seja porque a conduta do agente infiltrado consistiu numa atividade de risco juridicamente permitida, portanto, sem relevância penal.
A Lei 12.850/13 adotou a primeira corrente, assim, para ela, os fatos previstos como crimes praticados pelo agente infiltrado são típicos e ilícitos, porém, não culpáveis, estando, portanto, diante de uma inexibilidade de conduta diversa.
Ademais, trata-se da melhor corrente – Explicando: quando se diz que os fatos praticados pelo agente infiltrado, em não havendo excessos, serão típicos, ilícitos, mas não culpáveis, somente ele não responde pelos crimes, ou seja, os demais membros da organização, que o induziram, o instigaram e o auxiliaram, responderão pelos crimes.
O nosso legislador percebeu que, ao se punir um partícipe, leva-se em conta a Teoria da Acessoriedade Limitada ou Média (só se pode punir o partícipe se a conduta do autor principal for típica e ilícita). Caso o legislador tivesse adotado a teoria da qual não haveria dolo ou de que o agente agiu em estrito cumprimento do dever legal, não se poderia punir o agente infiltrado tampouco os agentes que o induziram na prática o crime.
DIREITOS DO AGENTE INFILTRADO
Por fim, o art. 14 desta lei traz os direitos do agente infiltrado, quais sejam:
a) recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;
b) ter sua identidade alterada, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;
c) ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário; e
d) não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.