INVESTIGAÇÃO CRIMINAL MILITAR – Instauração, Condução e Conclusão
INTRODUÇÃO:
A investigação criminal militar, do direito processual penal militar, apesar de possuir alguma similitude, não se confunde com a investigação criminal do direito processual penal comum, sendo distintas em vários pontos.
No direito processual penal comum, a investigação criminal pode ser feita pelo Ministério Público e pelos órgãos de polícia judiciária (Civil e Federal), e, como cediço, se materializará através do inquérito policial e do termo circunstanciado de ocorrência. O inquérito Policial pode ser instaurado por Portaria, quando não houver prisão em flagrante, ou via lavratura de auto de prisão em flagrante.
Já no direito processual penal militar brasileiro, como veremos, a investigação criminal militar pode se dar de quatro formas pelos órgãos de polícia judiciária castrense.
É tranquila a possibilidade investigação criminal militar pelo Ministério Público Militar no CNMP, no STJ e maioria dos Ministros do STF. Os órgãos da polícia judiciária militar são os órgãos constitucionalmente incumbidos de apurarem crimes militares. A apuração de delitos militares, da competência da Justiça Militar Federal ficará a cargo das Instituições Militares Federais, que são as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica). Já a apuração dos crimes militares da competência da Justiça Militar Estadual/Distrital, fica a cargo das Instituições Militares Estaduais e Distritais, que são as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros.
GENERALIDADES
1) Persecutio Criminis Militar (Persecução penal/criminal militar):
Trata-se da atividade estatal de apuração de delitos militares, que poderá ser Judicial ou Extrajudicial. Esta última pode se dar pela Polícia Judiciária Militar (IPM, APF, IPD, IPI), e pelo MPM, enquanto que aquela (In Judicium), por Ação Penal Militar.
Limitaremos o estudo à investigação criminal militar extrajudicial, a cargos dos órgãos de Polícia Judiciária Militar, que, como dito, se dará por quatro categorias, quais sejam: IPM, APF, IPD e IPI.
O IPM (Inquérito Policial Militar) se trata de uma investigação penal militar, visando apurar qualquer crime militar, exceto deserção e insubmissão, desde que não tenha havido prisão em flagrante.
O APF (Auto de Prisão em Flagrante), é uma espécie de investigação criminal militar para quando ocorrer prisão em flagrante, seja de militar ou civil, visando apurar qualquer crime militar, exceto deserção e insubmissão. Esta terminologia é diferente do direito processual penal comum, onde receberá o nome de Inquérito Policial, que quando não há prisão em flagrante, se dá por Portaria, mas o nome continua a ser Inquérito Policial, e, havendo prisão em flagrante, denomina-se Inquérito Policial por lavratura de auto de prisão em flagrante.
O IPD (Instrução Provisória de Deserção) se opera quando os órgãos de polícia militar visam apurar especificamente Deserção.
E, por fim, temos o IPI (Instrução Provisória de Insubmissão), que será aplicado quando a finalidade de investigação criminal militar for apurar especificamente o crime de Insubmissão.
Quando referirmos a expressão ¨inquisa¨, significará o procedimento através do qual os órgãos de polícia judiciária militar apurarão algum crime militar, e que, em um sentido amplo, serve para qualquer um destes quatro procedimentos.
Insubmissão só pode ser praticada por civil, diante das Forças Armadas, não existindo este crime perante as Instituições Militares Estaduais/Distritais, sendo assim, para estas instituições, não se aplicará a Instrução Provisória de Insubmissão (IPI), existindo somente as demais inquisas (IPM,APF e IPD).
2) Conceito e Finalidade do Inquérito Penal Militar:
Trata-se do mesmo inquérito policial do direito processual penal comum, o que muda é que no direito processual penal comum, o inquérito policial, a cargo das Polícias Civis e Federais, investiga-se os crimes comuns, e já o inquérito policial militar, a cargo das Polícias Judiciárias Militares, investigam-se os crimes militares.
3) Polícia Judiciária Militar (art 8º, CPPM):
Antes de discutirmos, veremos um trecho do artigo 8º do Código Processual Penal Militar:
“Art. 8º. Compete à Polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu cargo;
g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;”
Quanto a parte sublinhada da alínea ¨a¨, fora tranquilamente recepcionada por nossa Constituição. No entanto, quanto a parte do meio, que traz ¨... bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar...¨, gera-se uma dúvida, razão pela qual, pergunta-se: Que outros crimes, que não os militares, estariam sujeitos a jurisdição militar?
O CPPM, que nasceu como o DL 1002/69 e naquela época, em plena ditadura militar, a Justiça Militar processava e julgava não só os crimes militares, mas também, por lei especial, os chamados crimes contra a segurança nacional, tipificados na LSN (Lei de Segurança Nacional – Lei 7170/83, ainda em vigor).
Assim, à época que surgiu o CPPM, a Justiça Militar apurava não só os crimes militares, mas também os crimes contra segurança nacional, cuja denominação trazida pela CRFB/88 é de ¨crimes políticos¨. Como cediço, desde o advento de nossa Constituição, em 1988, o seu art 109, IV diz compete a Justiça Comum Federal julgar os crimes políticos (crimes contra a segurança nacional).
Desta feita, a parte do meio do inciso I do art 8º do CPPM não fora recepcionada pela CRFB/88, uma vez que, quem investiga os crimes políticos é a Polícia Federal.
Além desta, outra parte polêmica neste dispositivo diz respeito às alíneas ¨f¨ e ¨g¨, onde a junção de ambas nos traz de forma clara que, quando o oficial das Forças Armadas, da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiro Militar é encarregado de uma inquisa, estes poderão requisitar informações, exames, perícias, avaliações, documentos e o que for necessário, a qualquer autoridade policial, ou seja, não só aos órgãos militares, mas também a órgãos civis, tais como a Polícia Civil ou Federal.
4) Características do Inquérito Penal Militar:
Trata-se de um procedimento escrito (CPPM, art 22), igual ao que se vê no inquérito policial do direito processual penal comum. Há também uma sigilosidade (CPPM, art. 16; Lei 8.906/94, art. 7º, XIII e XIV; STF, HC 87.827/RJ e Súmula Vinculante 14), também igual ao que se vê no inquérito policial do direito processual penal comum. Além disso, tem-se a oficialidade (CF/88, arts. 142 e 144; CPPM, arts. 10, 11 e 15), onde somente os órgãos de polícia judiciária castrense (militar) é quem poderá apurar crimes militares.
As instituições militares trabalham o tempo todo com hierarquia e disciplina, e, conforme o §2º do art 7º, CPPM, quando um inquérito militar visa apurar um suposto crime militar, praticado supostamente por um oficial, neste caso, o encarregado da inquisa terá de ser outro oficial de posto superior ao indiciado; Exemplo: se o investigado é um capitão, o encarregado poderá ser um major, tenente-coronel, coronel ou até um general.
É possível que o encarregado seja um oficial da ativa do mesmo posto do oficial investigado? Sim, por exemplo, caso o indiciado seja um capitão de corveta (oficial da marinha), poder-se-á ser encarregado outro capitão de corveta, porém, desde que seja mais antigo. Digamos que a pessoa a ser investigada é um general do Exército (posto mais alto do Exército), e, além disso, é o mais antigo. Quem será o encarregado da investigação? Conforme reza o §5º do art 7º, CPPM, entende-se ser o Ministro da Defesa/do Exército.
Os Civis podem ser tranquilamente processados e julgados pela Justiça Militar Federal, porém, jamais poderão ser processados e julgados pela Justiça Castrense Estadual/Distrital. Assim, caso um civil cometa um crime que ofenda a justiça militar estadual, será processado e julgado pela Justiça Comum Estadual (STJ, Súmula 53).
A depender do investigado, teremos encarregados e escrivães diferentes. Por exemplo, no caso de o investigado ser um civil ou praça, o encarregado do inquérito policial militar pode ser qualquer oficial, enquanto que o escrivão poderá ser um sargento, subtenente ou suboficial.
No caso de o investigado ser um oficial, o encarregado do inquérito militar também será um oficial, porém de posto superior ou de igual posto, desde que mais antigo, enquanto que o escrivão poderá ser qualquer oficial. Ou seja, não há óbice de o escrivão ocupar um posto abaixo do oficial investigado.
Para o caso de o investigado ser um oficial de posto superior ou mais antigo que o encarregado, conforme traz o §5º do art 10, CPPM, este encarregado deverá repassar a investigação para que outro oficial, de hierarquia superior, ou igual, desde que mais antigo que o investigado, para que tome as providências necessárias; Exemplo: imagina-se que um capitão do Exército está investigando um crime militar que pensa ter sido praticado por um civil ou praça, no entanto, no meio das investigações encontra indícios de que o crime fora praticado por um major. Neste caso, o capitão não pode mais continuar a investigação, pois é contra as regras gerais de disciplina militar, tendo que passar a diligência ao comandante que a delegou, e este, por sua vez, as repassa para outro oficial de posto superior ou de posto igual, desde que mais antigo.
Em sendo se tratando de um infrator oficial-general, o §4º do art 10, CPPM reza, como dito, que o fato deverá ser comunicado ao Ministro da Defesa/chefe de Estado-Maior, que serão competentes para adotar as medidas cabíveis.
5) Dispensabilidade (CPPM, art. 28; STF, Inq. 1.957/PR):
Assim como no inquérito policial do direito processual penal comum, o inquérito militar será dispensável, e o artigo 28 do CPPM traz os três casos em que isso ocorrerá.
“Art. 28. O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público:
a) quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais;
b) nos crimes contra a honra, quando decorrerem de escrito ou publicação, cujo autor esteja identificado;
c) nos crimes previstos nos arts. 341 e 349 do Código Penal Militar.”
Como visto, bastava a existência da alínea ¨a¨, sendo as alíneas ¨b¨ e ¨c¨ dispensáveis, haja vista que o inquérito policial miliar pode ser dispensado em qualquer caso, desde que o Ministério Público Militar tenha em suas mãos a chamada justa causa em sentido estrito, que nada mais é que a prova da existência do crime mais indícios suficientes de autoria.
6) Presidência do IPM (CPPM, arts. 10 e 15) e Investigação pelo MPM (LC 75/93, art. 117, I):
Não será o MPM quem presidirá o inquérito militar, ou qualquer outra inquisa militar (APF, IPD ou IPI). Existe investigação criminal pelo MPM, que poderá ocorrer através de PIC (Procedimento de Investigação Criminal), onde quem preside e conclui é um membro do MPM.
No entanto, aqui, não estamos falando de investigação criminal pelo parquet, mas sim pelos órgãos de Polícia Judiciária Militar, e sobre a presidência de qualquer inquisa militar, que ficará a cargo de um Oficial das Forças Armadas ou Instituições Militares Estaduais/Distritais. Este oficial quem instaura, preside, conduz e conclui/relata a investigação criminal militar.
7) Vícios do IPM:
Da mesma forma que ocorre no direito processual penal comum, no militar, eventuais vícios de irregularidades ou até ilegalidades ocorridas no curso do IPM, ou de qualquer outra inquisa militar, não terá o condão de contaminar ou impedir a futura ação penal militar.
NOTITIA CRIMINIS
1) Notitia Criminis de Cognição: imediata, mediata ou coercitiva.
A notitia criminia será Imediata (ou Espontânea) quando a própria instituição militar (Marinha, Exército, Aeronáutica, Corpo de Bombeiro etc) toma conhecimento do crime militar e instaura a inquisa.
Por outro lado, será Mediata quando alguém, fora das instituições militares comunica às instituições militares a ocorrência de um crime militar. Vale dizer, nada impede que um civil comunique a autoridade militar a existência de um crime militar.
Como cediço, no direito processual penal comum, poderá haver requisição de instauração de inquérito pelo MP e pelo juiz. No direito militar, a requisição de instauração do IPM se dará pelo MPM. Já quanto a Justiça Militar, esta não poderá requisitar a instauração de IPM, ou seja, nem o juiz e nem o STM poderão requisitar a instauração de IPM.
E, por fim, temos a notitia criminis Coercitiva, que se dará quando alguém for preso em flagrante.
2) Notitia Criminis Inqualificada (“Denúncia Anônima”):
No direito processual penal comum não se permite a instauração mediata de inquérito, mas permite-se em primeiro a VPI (verificação da procedência das informações), e caso as informações da notitia inqualificada sejam, ao menos parcialmente procedentes, instaura-se o inquérito. O mesmo ocorrerá no direito processual penal militar.
INSTAURAÇÃO DO IPM
1) Situações Não-Flagranciais de IPM (Portaria):
I) Crimes de Ação Penal Militar Pública Incondicionada:
Neste caso, o IPM poderá instaurar-se ex officio ou por Requisição do MPM. Como já dito anteriormente, não pode haver instauração de IPM por requisição judicial no direito militar.
II) Crimes de Ação Penal Militar Pública Condicionada à Requisição do Governo Federal (Ministro da Justiça; Ministro da Defesa; Presidente da República – CPPM, art. 31; LOJMU, art. 95, § único):
Para tanto, há a necessidade da prévia requisição e a comunicação do fato pelo PGJM ao PGR.
No direito processual penal militar não há sequer, algum delito de ação penal militar pública condicionada à representação do ofendido. Portanto, aqui, só há ação penal militar pública incondicionada e a condicionada à requisição do governo federal.
Todavia, nada impede que ocorra no âmbito do direito militar, a famosa ação penal privada supletiva (até porque é de preceito fundamental).
2) Situações Flagranciais (APF):
Seja quem for o agente (militar ou civil), e seja qual for o delito (ressalvados deserção e insubmissão), se preso em flagrante pela prática de delito militar, não se instaura IPM, lavra-se o Auto de Prisão em Flagrante/APF (CPPM, art. 27, c/c Lei 9.099/95, art. 90-A).
Não existe, portanto, o TCO. Ou seja, se o agente (militar ou civil) cometer um delito militar, com pena até 2 anos, lavra-se o APF.
DILIGÊNCIAS POLICIAIS-MILITARES
1) Generalidades:
A maioria das diligências podem e devem ser providenciadas de ofício e discricionariamente pelo encarregado. Portanto, há certas diligências que não poderão ser providenciadas de ofício por este.
Quando se tratar de diligência requisitada pelo Juiz ou pelo parquet (CPPM, arts. 7º e 8º; LC 75/93, arts. 7º, 8º e 116), o encarregado da inquisa está obrigado a cumpri-la.
Algumas diligências estão submetidas à cláusula de reserva jurisdicional, demandando prévia autorização judicial, por exemplo: prisão preventiva; menagem; instauração de incidente de insanidade mental; busca e apreensão domiciliar; interceptações; quebras de sigilos etc.
O encarregado pode proceder a outras diligências além das previstas nos arts. 12 e 13 do CPPM.
2) Providências antes do IPM:
A autoridade militar, antes da instauração do IPM, conforme traz o art 12, CPPM, deverá, se possível: dirigir-se ao local, providenciando, se necessário, para que não haja alteração no estado ou na situação das coisas; apreender os objetos e instrumentos relacionados com o fato ocorrido; prender o infrator e colher as provas que sirvam para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias.
3) Providências durante o IPM:
Após instaurado o IPM, conforme art 13, CPPM, o encarregado deverá: tomar as medidas explicitadas acima, se estas já não tiverem sido tomadas; ouvir o ofendido, o indiciado e as testemunhas; fazer o reconhecimento das pessoas e coisas; fazer acareações; determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito ou quaisquer outros exames periciais; identificar e avaliar a coisa subtraída, destruída ou danificada; proceder a buscas e apreensões, dentre outras.
A que se refere a alínea ¨h¨ deste dispositivo, que traz que o encarregado poderá proceder a buscas e apreensões, estas dizem respeito a tão somente buscas e apreensões pessoais, já que as domiciliares estão submetidas à cláusula de reserva jurisdicional, ou seja, apenas serão permitidas com ordem judicial.
CONCLUSÃO DO IPM
I) Prazos (CPPM, arts. 20 e 675, § 1º):
No que se refere aos prazos, estes poderão ser diferentes a depender do ânimo em que se encontra o Estado. Isso porque, se em tempos de paz, se o indiciado estiver preso, o IPM deve durar no máximo 20 (vinte) dias, e se estando solto, 40 (quarenta) dias, prorrogáveis uma vez por mais 20 (vinte) dias, decisão esta que será tomada pelo próprio comandante da operação militar (CPPM, art. 20). Neste caso, outras prorrogações podem ser efetuadas, desde que por ordem judicial.
Por outro lado, se o Estado se encontrar em guerra, o prazo de conclusão do IPM será de 5 dias, prorrogáveis por mais 3 dias (CPPM, art. 675, § 1º).
II) Relatório, Solução, Avocação e Remessa do IPM (CPPM, arts. 22 e 23):
No direito processual penal comum, ao relatar o inquérito, o delegado já remete à justiça, que abre vista ao MP. Mas isso não ocorre nas quatro inquisas militares, onde o encarregado a relata e não envia diretamente à justiça militar, sendo que esta sobe ao comandante da operação, que dará sua solução, concordando ou não com o relatório, e, concordando ou não com o relatório do encarregado, o comandante remete à justiça militar, que abrirá vistas ao MPM.