A Cobertura Securitária do suicídio e a interpretação extensiva do artigo 798 do Código Civil – O entendimento do Superior Tribunal de Justiça


18/08/2015 às 17h02
Por Faria Cendão e Maia Advogados

O Código Civil de 2002 inovou a questão do suicídio no seguro ao trazer a seguinte redação no caput do artigo 798: “O beneficiário perde o direito ao capital segurado quando se suicida nos dois primeiros anos da vigência contratual, ou de sua recondução”.

A primeira vista é fácil notar que o legislador buscou adotar um critério objetivo para acabar com a longa discussão que existia acerca do pagamento da indenização nos casos de suicídio do segurado.

Contudo, surge outra interpretação para o referido artigo no sentido de que, em que pese estar definido um prazo de 2 (dois) anos, deve prevalecer a presunção de boa-fé nas relações contratuais.

Nesta perspectiva, a seguradora somente poderia se eximir do pagamento da importância segurada, nos casos de suicídio, quando comprovada a premeditação, ou seja, quando comprovada a má-fé do segurado e a consequente fraude ao seguro, conforme entendimento extraído do Código anterior e adotado majoritariamente pelos tribunais até então.

Apesar da grande discussão que se tinha durante a vigência do Código Civil de 1916, o entendimento consolidado previa o pagamento independente da carência, desde que não tivesse ocorrido premeditação, nos termos da Súmula nº. 105 do STF de 1963.

No mesmo sentido era pacificada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, quanto ao dever de indenizar os beneficiários de seguro de vida nos casos de suicídio não premeditado, conforme Súmula nº. 61 do STJ de 1992, a qual estabelece que o seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

Para o Superior Tribunal de Justiça, somente a comprovação da premeditação pelas companhias seguradoras poderia eximi-las do pagamento do capital segurado. (Recurso Especial n° 242.329-PR / Recurso Especial n° 164.254-SP)

Com o advento do Código Civil de 2002 renasce a discussão baseada na redação do Artigo 798, que taxou um prazo pelo qual a indenização não seria devida em caso de suicídio do segurado.

O artigo 798 do Código Civil de 2002 visa acabar com a subjetividade da redação de 1916 impondo um período determinado de vigência durante o qual não seria devida indenização independente de premeditação, uma carência legal em consonância com o artigo 797.

Nota-se que o critério utilizado pelo legislador foi um critério objetivo e temporal, pelo que não haveria que se falar em premeditação para recusa de pagamento, uma vez que o caput do aludido dispositivo é claro ao considerar indevido o pagamento para “evento suicídio” ocorrido no prazo estipulado de dois anos. Tal critério busca o equilíbrio da relação contratual do seguro e previne a incidência de fraudes cuja comprovação é de grande dificuldade.

Nessa mesma linha, observamos a decisão do STJ no julgamento do Recurso Especial n° 1.076.942 – PR, que proveu o Recurso da Seguradora:

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO. PRAZO DECARÊNCIA. CLÁUSULA DE INCONTESTABILIDADE. ARTIGO 798 DO CÓDIGO CIVIL. PREMEDITAÇÃO. COBERTURA DEVIDA. 1. Com o advento do Código Civil de 2002, artigo 798, ficou derrogado o entendimento jurisprudencial corroborado pelo enunciado da Súmula n. 61 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro”. 2. O legislador estabeleceu critério objetivo acerca da cláusula de incontestabilidade, de forma que a seguradora fica isenta do pagamento de indenização se, nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro, ocorrer morte por suicídio, não importando se premeditado ou não. 3. Recurso especial provido. (STJ , Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 12/04/2011, T4 – QUARTA TURMA) (G.n.)

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça também vem consolidando o entendimento de condenar as seguradoras ao pagamento do benefício proveniente de suicídios ocorridos dentro do prazo de 2 (dois) anos definido pelo Código.

Ora, o texto legal é claro ao dizer que “O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato”. Então por que temos visto decisões que vão contra ao que dispõe o Código Civil?

Ocorre que ainda permanece o entendimento de outrora quanto à necessidade de premeditação para que sejam as companhias seguradoras eximidas do pagamento da indenização, ou seja, independentemente do prazo estabelecido, sempre que não for comprovada a premeditação, o beneficiário terá direito ao recebimento do capital estipulado.

De acordo com esse entendimento doutrinário e jurisprudencial, deve-se adotar uma interpretação extensiva do Artigo 798, não devendo, portanto, ser feita uma interpretação literal do texto legal. Com base nesta interpretação, devemos olhar não só o que o legislador disse, e sim, o que pretendia dizer.

Outrossim, sustenta-se que não se pode abandonar o entendimento anterior e o teor das Sumulas n° 105 do STF e enunciado n° 61 do STJ, que só eximem o pagamento da indenização securitária em caso de suicídio premeditado. Vejamos:

Súmula nº 61 do STJ

O SEGURO DE VIDA COBRE O SUICIDIO NÃO PREMEDITADO.

Súmula n°. 105 do STF

SALVO SE TIVER HAVIDO PREMEDITAÇÃO, O SUICÍDIO DO SEGURADO NO PERÍODO CONTRATUAL DE CARÊNCIA NÃO EXIME O SEGURADOR DO PAGAMENTO DO SEGURO.

Ademais, para o ministro Luis Felipe Salomão, em julgado do STJ (AgRg nº. 1.244.022-RS), “o artigo 798 do CC/02 não entra em confronto com as súmulas, mas as complementa, fixando um período de carência no qual, em caso de premeditação do suicídio, a cláusula de não indenizar é válida”.

O ministro busca ainda fundamentos no próprio Código Civil de 2002 ao dizer que a boa fé se presume e a má fé deve sempre ser comprovada, ou seja, o artigo 798 deve ser interpretado em conjunto com os artigos 113 e 422 do mesmo diploma legal, que institui a boa fé como princípio dos negócios jurídicos.

De acordo com esta corrente, a espera pelo prazo de 2 (dois) anos, que exime o pagamento da indenização, geraria uma presunção de má-fé por parte do segurado, caso o evento viesse a ocorrer e o pagamento viesse a ser negado, ou seja, a comprovação da premeditação deverá ser feita pela companhia seguradora, uma vez que prevalecerá a regra da boa-fé.

Dentro desta abordagem, torna se indispensável a referência ao Recurso Especial n° 1.188.091, julgado em 2011, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que deu provimento ao recurso em face de uma seguradora para condená-la ao pagamento de indenização oriunda de suicídio ocorrido no prazo legal e impôs o ônus da prova para esta. Vejamos:

DIRIETO CIVIL. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO. ART. 798 DO CC/02.INTERPRETAÇÃO LITERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE BOA FÉ DOSEGURADO. PROVA DA PREMEDITAÇÃO. NECESSIDADE. 1. As regras relativas aos contratos de seguro devem ser interpretadas sempre com base nos princípios da boa-fé e da lealdade contratual. Essa premissa é extremamente importante para a hipótese de indenização securitária decorrente de suicídio, pois dela extrai-se que a presunção de boa fé deverá também prevalecer sobre a exegese literal do art. 798 do CC/02. 2. O biênio previsto no art. 798 do CC/02 tem como objetivo evitar infindáveis discussões judiciais a respeito da premeditação do suicídio do segurado, geralmente ocorrido anos após a celebração do contrato de seguro. À luz desse novo dispositivo legal, ultrapassado o prazo de 02 anos, presumir-se-á que o suicídio não foi premeditado, mas o contrário não ocorre: se o ato foi cometido antes desse período, haverá a necessidade de prova, pela seguradora, da premeditação. 3. É desrazoável admitir que, na edição do art. 798 do CC/02, o legislador, em detrimento do beneficiário de boa-fé, tenha deliberadamente suprimido o critério subjetivo para aferição da premeditação do suicídio. O período de 02 anos contido na norma não deve ser examinado isoladamente, mas em conformidade com as demais circunstâncias que envolveram sua elaboração, pois seu objetivo certamente não foi substituir a prova da premeditação do suicídio pelo mero transcurso de um lapso temporal. 4. O planejamento do ato suicida, para fins de fraude contra o seguro, nunca poderá ser presumido. Aplica-se à espécie o princípio segundo o qual a boa-fé é sempre pressuposta, enquanto a má-fé deve ser comprovada. 5. Há de se distinguir a premeditação que diz respeito ao ato do suicídio daquela que se refere ao ato de contratar o seguro com a finalidade única de favorecer o beneficiário que receberá o capital segurado. Somente a última hipótese permite a exclusão da cobertura contratada, pois configura a má-fé contratual. 6. Recurso especial provido. (STJ , Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/04/2011, T3 – TERCEIRA TURMA) (G.n.)

Este é o entendimento que vem adotando o Superior Tribunal de Justiça, conforme julgados: EDcl no AREsp 225671 / RS, AgRg no AREsp 334221 / SC, AgRg no AREsp 425013 / RS e REsp 968307 / SP.

Sem ter esgotado o assunto, é fácil perceber que, em que pese o Código Civil de 2002 ter buscado acabar com antiga discussão ao estabelecer uma carência, ainda não é pacífica a necessidade de comprovação da premeditação para fins de pagamento da importância segurada.

Ao contrário das recentes decisões do STJ, deve prevalecer o entendimento de que o disposto no Artigo 798 estabelece, com um critério objetivo, um prazo razoável tanto para a seguradora quanto para o segurado.

A estipulação de “carência” busca uma prevenção temporária contra práticas fraudulentas que visam beneficiar terceiros pelo pagamento de benefícios, as quais fragilizam a relação contratual e as questões relacionadas ao risco e precificação inerentes ao contrato de seguro.

Por outro lado, após o término deste prazo, que em termos de seguro de vida é curto, não há o que se discutir acerca do pagamento da indenização securitária por suicídio, salvo casos excepcionais.

A premeditação é um fator subjetivo e na maioria das vezes não há como ser comprovada, seja pela ausência de conhecimento acerca do que realmente desejava o segurado no ato do suicídio, seja pela grande dificuldade das seguradoras em ter acesso a documentos e demais provas que possam corroborar na comprovação do suicídio premeditado.

Não podemos interpretar extensivamente um artigo que adota um critério objetivo, ignorando o prazo do Código Civil, uma vez que está expressa a vontade do legislador em fixar um período legal de carência.

Da mesma forma, não se pode exigir das companhias seguradoras o ônus pela comprovação da premeditação somente com base na presunção de boa-fé e com fundamentos em dispositivos anacrônicos. Assim sendo, estaríamos diante da consagração da chamada “prova diabólica”, em detrimento ao texto objetivo da lei.

*******ATUALIZAÇÃO – 15/04/2015********

A 2ª seção do STJ decidiu, por sete votos a um, que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida. A maioria dos ministros entendeu que o dispositivo do CC que trata do tema traz critério temporal objetivo, que não dá margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. (Resp 1.334.005)

Esse posicionamento pode ser um marco de uma nova tendência do STJ, no sentido de aplicar o prazo legal previsto no artigo 798 do Código Civil, ou seja, afirmar a carência legal e a ausência de cobertura durante este período.

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Referências

Artigo escrito por: Dr. Fabio Cendão (Sócio do escritório Faria, Cendão & Maia Advogados)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Toria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos efeitos da tutela. 6ª ed. Bahia: Editora Jus PODIVM, 2011. v. 2.

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CASES, José Maria Trepat. Código Civil comentado. Coord. De Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. v. VIII.

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SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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Jurisprudência. Disponíveis em . Acesso em 19 set. 2011.

http://m.migalhas.com.br/quentes/218996/suicidio-nos-dois-primeiros-anos-do-contrato-nao-da-direito-a


Faria Cendão e Maia Advogados

Advogado - Rio de Janeiro, RJ


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