As próximas linhas trarão a Ação de Improbidade Administrativa, ação de natureza civil cujo esteio maior é a moralização do atuar administrativo, sendo seu ápice prático a condenação do agente ímprobo às penalidades previstas em lei. Oportunamente, passo à representação dos pontos de convergência e semelhanças entre direito condenatório penal e as ações de improbidade.
I- Contraditório Prévio
Sob o aspecto procedimental, a semelhança entre ações penais e a ação sob análise configura-se na possibilidade da chamada "defesa prévia" e na posterior possibilidade de o juízo não receber a petição inicial sem efetivação da citação para contestar. Na esteira desse raciocínio, assinalou o Ministro Luiz Fux "[...] Este juízo de admissibilidade amplíssimo e substancial da petição inicial em contraditório, destarte, estrema ação de improbidade administrativa de qualquer outra ação que segue o rito comum, assemelhando-se ao que o Código de Processo Penal reserva, por exemplo, para o processo dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos [CPP, arts. 516-517] [...]'. REsp. 841.421/MA, rel. mim. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 22/5/2007, DJ. 4/10/2007, p. 182).
Diante dessa proximidade procedimental com a esfera penal, indaga-se oportunamente sobre o critério para o recebimento da petição inicial nas ações de improbidade.
II- A Necessidade de Justa Causa
A ação de improbidade possui, fase de contraditório prévio, pela qual o réu se defende antes mesmo de sua citação para contestar, a fim de que o juiz analise o fumus bonis iuris em receber ou não a petição inicial para processamento e julgamento. Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça ressaltou ser necessária a justa causa para o recebimento da petição inicial e o processamento da ação de improbidade. Com essa razão, ponderou o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: "A petição inicial na ação de improbidade administrativa deve conter elementos que comprovem a existência de indícios de ato ímprobo, bem como de sua autoria. Além das condições genéricas da ação, as ações sancionatórias exigem a presença da justa causa. Para que essas ações possam ser recebidas pelo magistrado, deve-se verificar a presença de elementos sólidos que permitam a constatação da tipicidade da conduta e da acusação". (Informativo 506-STJ, REsp. 932.351-RJ. 4/10/2012).
Dessa forma é imprescindível a existência de indícios verossímeis de autoria e materialidade, a fim de que a petição inicial da ação de improbidade tenha seu regular processamento.
III- A Proporcionalidade das Penas e o Ressarcimento de Danos ao Erário
Ao se falar em punição de ato de improbição, não se deve esquecer o princípio da individualização da pena, tipicamente penal, o qual torna razoável e proporcional ao caso concreto a penalidade aplicada. Neste sentido ditou o hoje Ministro do Supremo Teori Zavascki: "[...] Na r. ação de improbidade administrativa, a exemplo do que ocorre no processo penal, é indispensável a individualização da pena, com indicação dos fundamentos de sua aplicação (REsp. 885.836).
Entretanto, o dever de individualizar a pena, tornando-a proporcional e razoável ao caso concreto, não limita, de forma alguma, o dever de ressarcir danos causados ao erários, pois: "As Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que, caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, senão uma consequência imediata e necessária do ato combatido, razão pela qual não se pode excluí-lo, a pretexto de cumprimento do paradigma da proporcionalidade das penas estampado no Artigo 12 da lei nº 8.492/92. A esse respeito, REsp. 664.440/MG, rel. min. José Delgado. EDcl nos EDcl no REsp 1159147/MG, rel. min. Mauro Campbell Marques).
Destarte, o ressarcimento de dano eo erário submete-se à noção de reparação integral do patrimônio público, enquanto as demais penalidades propriamente ditas se circunscrevem à estrita noção de proporcionalidade do binômio delito-pena.
IV- Matérias de Defesa
Outro ponto aqui pertinente é a possibilidade de os advogados alegarem matérias de defesa típicas do direito sancionador, que poderão ser acolhidas pelo Judiciário. O STJ, por exemplo, acolheu a alegação de estado de necessidade no seguinte caso "[...] 3. O estado de necessidade não é instituto inerente apenas ao Direito Penal; ao contrário, tem-se aí conceito ligado a todo o Direito Sancionador -inclusive nos ramos cível e administrativo. [...] 10. Em tais hipóteses, esta Corte Superior, em reiterados precedentes, vem afastando a caracterização da improbidade administrativa por considerar configurado o estado de necessidade não disponha de previsão expressa na legislação administrativa. [...]" REsp. 1123876/DF, rel. min. Mauro Campbell Marques). Dentro das matérias passíveis de alegação à defesa, pode-se perquerir o elemento subjetivo do agente ímprobo, matéria do cotidiano penal, encontarndo habitat receptivo no âmbito da ação de improbidade, concluindo o Tribunal da Cidadania, por exemplo, que "[...] A jurisprudência do STJ dispensa o dolo específico para a configuração de improbidade por atentado aos princípios administrativos [EREsp. 654.721/MT, rel. min. Eliana Calmon). Com efeito, ainda é preciso trazer a lume que a jurisprudência superior exige dolo para a configuração das hipóteses do Artigo 9º, mas admite a figura culposa na modalidade de improbidade do artigo 10, nesse sentido, os seguintes julgados da Corte Superior: EREsp. 479.812/SP, rel. min. Teori Zavascki e AgRg, no REsp 1.122.474/PR, rel. min. Arnaldo Esteves Lima.)
V- Vedação à Analogia In Malam Partem e "Soldado da Reserva"
Confira-se:
"ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. [...] ANALOGIA IN MALAM PARTEM. IMPOSSIBILIDADE. [...] 5. Como se trata de aplicação de penalidades, é se utilizar de um princípio geral de direito, que cuida da vedação da analogia em desfavor do sancionado. No Direito Penal, ramo em que esta norma foi melhor trabalhada, distinguem-se dois subtipos de analogia: a analogia in malam partem e a analogia in bonam partem. A primeira agrava a pena em pressupostas hipóteses não abrangidas pela lei. Já a segunda utiliza-se de situações semelhantes para solucionar o caso sem agravar a pena. [...] 6. Ora, diante da lacuna da Lei de Improbidade Administrativa frente ao caso apresentado, pode-se utilizar da analogia para a determinação da pena-base de multa. No entanto, a analogia não pode ser aplicada in malam partem, porque no âmbito do Direito Administrativo Sancionador. [...] (REsp. 1.216.190/RS, rel. min. Mauro Campbell Marques).
Dessa forma viu-se a ideia de vedação do uso da analogia em desfavor do réu a ser trazida para o âmbito das ações condenatórias de natureza civil, como é a ação de improbidade. Aliás, a noção da regra "soldado de reserva" foi também importada do Direito Penal pela técnica condenatória das ações de improbidade, relacionando-se com os atos de improbidade violadores de princípios da Administração Pública.
Noutras palavras, a ação de improbidade tem como referência a existência de tipo subsidiário que cede lugar a ilícito mais específico e atua pressupondo a vedação maléfica ao réu, assim como a esfera penal.
VI- Vedação à Reformatio In Pejus
Tal princípio (proibição da reforma para pior) - que, embora não seja exclusivo do processo penal, tem ali sua expressão máxima- já foi também aplicado pela Corte Superior ao argumento de que: "[...] como apenas a parte ora embargante interpôs recurso especial, está vedada a reformatio in pejus, ou seja, impossível agravar a condenação imposta pela sentença e mantida pelo acórdão [...] (EDcl nos EDcl no REsp 1.159.147/MG, rel. min. Mauro Campbell Marques).
VII- Independência das Esferas
Por fim, é preciso assinalar que, não obstante toda a similitude existente entre o universo penal e o mundo das ações condenatórias em decorrência do ato de improbidade administrativa, a independência, com exceção da I- confirmação da negativa de autoria ou da II- inexistência do fato no âmbito penal. Afirma-se isso em consonância com a jurisprudência superior: "[...] Vige a regra geral da independência das esferas cível, administrativa e penal na responsabilização por fatos ilícitos. Contudo, referida independência resta obstada em situações de inexistência do fato ou de negativa de autoria, nos termos do Artigo 935 do CC e 66 do CPP. [...]" (EDcl no REsp 1.194.009/SP, rel. min Arnaldo Esteves Lima).
Em suma, a ação de improbidade administrativa é via tutelada pelo direito sancionador, motivo pelo qual tal ação de natureza cível não é imune à principiologia e a regramentos da condenação na esfera penal. Portanto, o estudo da lei de improbidade à luz das garantias constitucionais atinentes ao direito condenatório é medida impositiva para salutar a correta aplicação do direito que respalda a moralidade administrativa brasileira.