Em nosso sistema processual penal, o inquérito policial ainda constitui a principal peça de investigação das infrações penais. Muito embora seja ele dispensável, isto é, se o titular da ação já tiver os elementos necessários à sua propositura, pode prescindir de sua instauração. O fato é que, dificilmente, esses elementos surgem sem a atuação policial. O inquérito, apesar de sua importância, não perde a natureza de peça informativa, que tem por única finalidade a apuração do fato criminoso, colhendo elementos para subsidiar a propositura da ação penal; daí ser inquisitivo, não acolhe o contraditório, nem outros princípios processuais penais. Sua finalidade restou firmada na nova redação do Artigo 155 do Código de Processo Penal, que prevê que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova colhida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão com base exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares., não repetíveis e antecipadas.
Sigilo
Diante de sua destinação, perfeitamente compreensível que ostente o inquérito policial a característica de ser sigiloso, pois seria absolutamente infrutífera a investigação exposta ao público, de modo que se pudesse concluir quais os passos seguintes da atividade policial. Por essa razão, o Artigo 20 do Código de Processo Penal traz a seguinte redação: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. Nota-se, então, que o sigilo não é absoluto, mas restrito às hipóteses em que seja necessária a investigação não revelada, sob pena de não se colher os elementos almejados, ou, quando o interesse social estiver presente, para preservar a intimidade de alguém em investigação de um crime sexual, por exemplo. O problema surge quando se indaga a respeito do acesso ao inquérito policial por aquele que é o sujeito das investigações – o próprio investigado-. Deve-se permitir o livre acesso? Ou o interesse público na repressão ao crime deve prevalecer nesta fase? As respostas vêm sendo trazidas ao longo do tempo. Primeiramente, cumpre trazer à tona a regra contida no Artigo 7º, XIV, da Lei nº 8.096/94.
Cotidiano
Como se sabe, contudo, a norma em foco não dirimiu as dificuldades encontradas no dia a dia profissional da advocacia. Em inúmeras ocasiões, o acesso aos autos pelo advogado do investigado continuou sendo negado por autoridades policiais e judiciárias, sob a alegação de ser necessário preservar o sigilo, garantindo o bom andamento das investigações. A negativa de vista se fazia mais presente quando, nos autos, tivesse sido determinada a restrição a alguma garantia individual, como quebra de sigilo das comunicações, sigilo financeiro e sigilo de dados. A questão chegou aos Tribunais Superiores e tanto o STJ, como o STF começaram a decidir no sentido de se permitir o acesso aos autos de inquérito pelo advogado do investigado (vide caso Daniel Dantas HC 95.009/SP, Relator Ministro Eros Grau), mas acesso esse que já tinha sido produzido no curso das investigações, podendo se manter em sigilo alguma medida em andamento, como uma interceptação telefônica, por exemplo. Assim, se o advogado comparecesse à delegacia de polícia, ou requeresse vista dos autos ao magistrado e estivesse em curso uma interceptação telefônica autorizada pelo juiz, esta seria mantida em sigilo.
Como as dificuldades ainda persistem, foi formulada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Proposta de Súmula Vinculante I-6, junto ao Supremo Tribunal Federal. Tendo sido sugerida por diversas modificações da redação originalmente proposta pelo Conselho, o Pleno da Corte Suprema, por maioria de votos, acolheu a proposta e aprovou a Súmula Vinculante nº 14, com a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Observações
Pode-se perceber que o STF adotou a mesma linha que vinha sendo seguida nas decisões reiteradas da própria Corte e também do STJ, ou seja, permitir acesso irrestrito pelo advogado do investigado que já estão documentados nos autos de inquérito. Dessa forma, não há que se falar em impedir referido acesso, se uma interceptação telefônica já foi concluída e as conversas captadas estão devidamente encartadas nos autos, o mesmo valendo para qualquer outra medida restritiva das garantias individuais. De outro lado, se tal medida ainda está em andamento, natural que se mantenha em sigilo, pois o acesso a ele impediria a realização ou a continuidade da diligência.
Considerações
Ainda há quem se oponha (como a Associação Nacional dos Procuradores da República), conforme notícia veiculada em seu site, porém, é inegável que a Súmula traz grande avanço não só no fortalecimento das prerrogativas do advogado, mas também na busca do equilíbrio entre o direito de defesa sujeito de investigação criminal e o interesse público na repressão do crime.