Em Linhas Gerais são três os seus canônes primordiais: a neutralidade, a independência e a imparcialidade
A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao conflito.
A independência é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei --- mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.
A imparcialidade é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes.
De que vale declarar, a Constituição, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para se chegar ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica “devassa”. Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir.
De que vale a Constituição dizer que "é inviolável o sigilo da correspondência" (art. 5º, XII) se ela, mesmo eliminada ou “deletada”, é neles encontrada? E a apreensão de toda a sorte de coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com os quais seriam eventualmente enfrentados os tempos amargos que se seguem a sua prisão.
A garantia constitucional da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV) para nada vale quando esses excessos tornam-se rotineiros. O controle difuso da constitucionalidade da prisão cautelar deverá ser desenvolvido perquirindo-se necessidade e indispensabilidade da medida. A primeira indagação a ser feita no curso desse controle há de ser a seguinte: em que e no que o corpo do suspeito é necessário à investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII), o que faz com que a resposta à inquirição investigatória consubstancie uma faculdade. Ora, não se prende alguém para que exerça uma faculdade. Sendo a privação da liberdade a mais grave das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de evitá-la. Se a investigação reclama a oitiva do suspeito, que a tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas, respondendo-as o suspeito se quiser, sem necessidade de prisão.
Tampouco se pode acolher a prisão para impedir que provas sejam destruídas sem que o suspeito tenha dado qualquer motivo para que se afirme essa possibilidade. Na dicção do Ministro Celso de Mello para tanto é necessário “base empírica idônea” Pior ainda é o argumento da agilização da investigação. Pois antes de ser ágil, é preciso que ela seja legal e necessária, inexistindo qualquer outra via para seu curso.
Deveras, a cada direito que se alega, o juiz responderá que esse direito existe, sim, mas não é absoluto, porquanto não se aplica ao caso. E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer, de súditos, cidadãos. Diante do inquisidor não temos qualquer direito, ou melhor, temos sim vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum deles é reconhecível na oportunidade que deveria nos acudir.
Primeiro, essa gazua, despencando sobre todos a “necessária atividade persecutória do Estado”, a “supremacia do interesse público sobre o individual”. Essa premissa que se pretende prevaleça no direito administrativo -não obstante mesmo sujeita a debate impertinente- não tem lugar em matéria penal e processual penal. O STF ensina (HC 80.263, relator Ministro Ilmar Galvão) que a interpretação sistemática da Constituição “leva a conclusão de que a lei maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar”. Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal: em caso de conflito de preceitos, prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta a sua supressão. A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie.