Como reza o Artigo 37, II, da Constituição Federal: "a investidura em cargo público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei". Então, a Administração Pública está obrigada a promover concurso público, que tem por desiderato escolher os candidatos mais bem preparados para desenvolver as atribuiçõess da função. Este certame deve ser composto por provas, ou provas e títulos, que tenham pertinência com as funções do cargo, ou seja, que possuam alguma redação com a natureza e a complexidade das atribuições a serem exercidas no dia a dia pelos servidores públicos no referido cargo. Ressalta ainda que todas estas exigências devem constar expressamente nas leis que regulam o cargo e a carreira.
Mesmo com toda essa proteção constitucional, não é incomum encontrar, em concursos públicos, exigências que constam em editais e que estão amparadas em leis, mas absolutamente inconstitucionais, porquanto não guardam qualquer pertinência com a execução prática das obrigações do referido cargo.
Teste de Aptidão Física
Um bom exemplo dessa realidade é a ilegal insistência da Administração Pública em exigir Teste de Aptidão Física (TAF) nos concursos públicos para preenchimento dos cargos da área de saúde. Por exemplo, médicos, enfermeiros, odontólogos, farmacêuticos, dentre outros, principalmente quando vinculados às áreas de segurança pública e forças armadas. Por certo, há que se levar em consideração que as atribuições referentes a esses cargos não comportam nenhum tipo de exigência física especial, tendo em vista que o ocupante irá exercer exclusivamente as mesmas atividades que o pleiteante exerce com maestria atividades no seu dia a dia, ou seja, apenas atos pertinentes à área da saúde. Diante dessa realidade, promove-se a seguinte indagação: por qual razão lógica devem estes candidatos aos cargos da saúde apresentar aptidão física especial, sendo que as atividades que irão exercer, caso aprovados, serão exclusivamente atividades na área da saúde? A resposta a essa indagação só pode ser esta: nenhuma.
Em razão de tantas discussões acerca de exigências ilegais em concursos públicos, o STF editou a Súmula 683, que tem a seguinte redação: "o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição da República, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido". Ainda que esta súmula expressamente verse sobre idade dos candidatos, o enunciado acima transcrito pode e deve ser aplicado em casos relacionados à área da saúde, tendo em vista que o Teste de Aptidão Física é uma exigência injustificada, pois o vigor físico foge ao objetivo da administração de selecionar os melhores candidatos para exercerem funções na área de saúde.
Posição
O STF possui posicionamento consolidado sobre a ilegalidade das exigências do concurso público que não possuem qualquer relação com as atribuições do cargo. Como exemplo, suscita o julgado (AI-AgR 720.259), de 22 de fevereiro de 2011, que teve como relator o ministro Ayres Britto. Nesse julgado a Corte Máxima entende que: "o limite de idade como critério para ingressso no serviço público apenas se legitima quando estritamente relacionado à natureza e às atribuições inerentes ao cargo público a ser provido". Continua dizendo que: "as atribuições a ser [sic] desempenhadas não são propriamente aquelas típicas do serviço militar, pois cuida-se de vaga relacionada à área de saúde [cargo de médico, em diversas especialidades], reclamando formação específica para o seu desempenho". E finaliza impondo que: "não seria razoável ou proporcional a discriminação etária [28 anos]" para ocupar cargo público na área de segurança pública. Deste modo, no entender do Pretório Excelso, as exigências de um determinado certame só são legais quando intimamente vinculadas às imputações do cargo.
Princípios
Seguindo esta mesma linha de pensamento e tratando especificamente sobre os cargos públicos da área da saúde, nos órgãos da segurança pública, suscita outro julgado da Suprema Corte in casu, o número 278.127/MA, de 26 de setembro de 2000, que com a proficiência costumeira do ministro Marco Aurélio veio a assentar:
"afigura-se ilegal, passível de exame pelo Judiciário, a exigência editalícia do teste de esforço físico, com caráter eliminatório, a candidato a cargo [médico legista], que, pela sua própria natureza, pode ser exercido até por um deficiente físico que tenha recebido licença do Conselho de Medicina para exercer a profissão".
Continua ensinando que: "coaduna-se com a razoabilidade e a glosa da exigência de esforço físico em concurso voltado a preencher cargo de médico. A atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica específica. Além dos princípios explícitos, a Carta da República abrange também os implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso concreto".
Considerações
A conclusão de todo o raciocínio desenvolvido é simples: a execução das atribuições dos cargos da área de saúde, mesmo quando vinculados aos órgãos de segurança pública, não guarda qualquer pertinência com a mantença de um preparo físico especial. Muito pelo contrário, uma vez que estes cargos possuem atividades puramente intelectuais, as mesmas que os candidatos exercem no dia a dia de suas profissões, sejam eles médicos, sejam eles farmacêuticos, dentistas, dentre outros tantos da saúde. Sendo assim, mostra-se absolutamente ilegal e desarrazoado exigir, dos candidatos aos cargos da área de saúde, capacidade física invejável, pelo simples motivo de que esse critério não é capaz de selecionar os melhores interessados.