O direito elementar de informação é um importante instrumento de equilíbrio entre as partes na relação de consumo, viabilizando ao consumidor o direito de escolha consciente dos produtos ou serviços apresentados no mercado
1. Considerações acerca da origem constitucional da proteção ao consumidor e do Código de Defesa do Consumidor
Do mandamento constitucional expresso decorre a proteção do consumidor nas relações de consumo, uma vez que o legislador constituinte de 1988 estabeleceu a sua defesa ao status de norma de direito fundamental e, ao mesmo tempo, a princípio geral da ordem econômica. Vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. (...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)
V - defesa do consumidor. (grifo nosso)
Nessa óptica, aparece no ordenamento jurídico, por determinação da ordem constante do art. 48[1] do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11/09/90. Assim, não restam dúvidas de que o pressuposto de validade da defesa do consumidor é a Constituição Federal de 1988[2].
Em relação ao Código de Defesa do Consumidor, Rizzatto Nunes chama atenção para dizer que a “Lei n. 8.078 é norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas especiais anteriores que com ela colidirem”[3].
Certo é que, a preponderância dos princípios sobre as normas não é uma característica exclusiva do direito do consumidor. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, quando trouxe como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), determinou a todo o ordenamento jurídico uma reflexão no sentido de que não é suficiente apenas atender as normas, mas, sim, observá-las e, sobretudo, garantir a efetivação dos direitos fundamentais. Dessa forma, “a aplicação e a interpretação de todo o ordenamento jurídico devem passar necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição[4]”.
2. Relação de consumo e sujeitos de acordo com o CDC
De forma preliminar ao estudo principal deste artigo, é necessário que se faça uma breve apresentação da visão geral sobre a relação de consumo, ou seja, qual a relação tutelada pela norma de consumo e quais os seus sujeitos.
Em poucas linhas, uma das características mais marcantes que diferencia a tutela consumerista é a presunção legal[5] de vulnerabilidade do consumidor. Assim sendo, o objetivo principal das regras de proteção ao consumidor é dar equilíbrio a relação de consumo, qual seja, aquela mantida entre o consumidor e o fornecedor[6].
Nesse diapasão, cabe à hipótese a transcrição do Acórdão n. 476.428/SC, onde a ministra Relatora Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, mostra, de forma extremamente didática, a definição de relação de consumo:
Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto.
- A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro.
- Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.
- São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas.
- Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. [7]
Destarte, pode-se afirmar, por exemplo, que ao passo que o direito civil trata, em tese, de relações jurídicas consolidadas entre sujeitos formalmente iguais, o Código de Defesa do Consumidor se preocupa em tutelar relações em que uma das partes é tida, presumidamente, como legalmente vulnerável, porque, como dito, busca o equilíbrio, seja, jurídico, fático, técnico ou informacional, entre ambos[8].
No que diz respeito aos sujeitos da relação de consumo – consumidor e fornecedor –, apresentaremos apenas as definições trazidas pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, posto que este não é o objeto principal deste artigo[9]:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
A despeito disso, parece-nos oportuno salientar, embora pouco percebível na doutrina, a teoria desenvolvida por Leonardo Bessa, a qual haveria a figura do “fornecedor equiparado”, considerando aquele terceiro intermediário na relação de consumo principal, mas que se apresenta diretamente ao consumidor, como se fornecedor de fato fosse. O autor cita como exemplo, entre outros, o funcionário do serviço de proteção de crédito que comunica ao consumidor o registro de seu nome no banco de dados de maus pagadores[10].
3. O princípio da informação – Instrumento de equilíbrio entre os sujeitos da relação de consumo
A informação, não apenas no Direito, é essencial para se chegar a uma relação perfeita e legítima entre seres humanos, pois anula acordos feitos às escuras, sem o esclarecimento das devidas regras do jogo.
No Código de Defesa do Consumidor, o direito de informação está positivado no inciso III do art. 6º, tido como direito básico do consumidor. In verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
É certo que por várias vezes o Código faz referência a tal direito[11], contudo, o objetivo deste estudo é discutir, mesmo resumidamente, aspectos gerais do princípio da informação.
Como dito anteriormente, a relação de consumo é vista, sobretudo, pelo desiquilíbrio existente entre o consumidor, parte presumidamente mais frágil, e o fornecedor. Nesse tanto, Bruno Mirage[12], ao citar a professora Cláudia Lima Marques, afirma que a tal fragilidade se mostra sob quatro espécies: a) vulnerabilidade técnica; b) vulnerabilidade jurídica; c) vulnerabilidade fática; e d) vulnerabilidade informacional.
Em relação a vulnerabilidade informacional, vale ressaltar, que não é só a ausência de informação que fragiliza o consumidor, mas, também, o fato de que ela é “abundante, manipulada, controlada e, quando fornecida, nos mais das vezes, desnecessária”[13].
Observado isto, a doutrina, de outra forma, realça o importante papel da informação na relação consumerista. Vejamos:
Observa-se, também, que, de certa maneira, essas novas leis intervencionistas de função social vão ocasionar um renascimento da defesa da liberdade de contratar, da liberdade de escolha do parceiro contratual, através do novo dever de informação imposto ao fornecedor, para que o consumidor possa escolher o parceiro que melhor lhe convier, como, por exemplo, a informação em relação à presença de transgênicos nos alimentos. É o nascimento de um forte direito à informação. [14]
Nessa mesma linha, João Batista de Almeida ensina que:
Há estreita relação com o direito à segurança, pois, se o consumidor tem o direito de consumir produtos e serviços eficientes e seguros, é intuitivo que deve ser ele informado adequadamente acerca do consumo dos produtos e serviços, notadamente no que se refere à especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade e preço, bem como riscos que apresentam. [15]
Dessa forma, é correto afirmar que a informação tem o valoroso papel de prevenir que o consumidor, considerando o seu déficit informacional, se aventure no mercado de consumo, sem, no entanto, ter a exata dimensão e especificação das características do produto ou serviço que almeja adquirir ou contratar.
4. Conclusão
Diante de todo o exposto, conclui-se que o direito fundamental de informação é um importante instrumento de equilíbrio entre as partes na relação de consumo, viabilizando ao consumidor o direito de escolha consciente dos produtos ou serviços apresentados no mercado, na proporção em que anula, em tese, a sua vulnerabilidade informacional.
Ademais, a informação se torna um papel de alta relevância na concretização dos objetivos traçados pela Política Nacional de Relações Consumo (art. 4º, CDC), porque concretiza a transparência no mercado de consumo, assegurando, em última análise, o atendimento das necessidades dos consumidores.