Com o Mercado Imobiliário no Brasil tendo disparado nos últimos anos, a tão sonhada “casa própria” tem se tornado cada vez mais uma realidade para diversas pessoas, graças ao fator determinante das facilidades em conseguir financiamento, aliado com a alta gama de construtoras lançando projetos de venda de imóveis na planta.
Contudo, o aumento da demanda pela casa própria, impulsionado pelos incentivos sociais e legais na construção civil nos últimos anos, fez com que os atrasos nas conclusões das obras estejam cada vez mais frequentes no segmento residencial. Segundo informações da Associação Brasileira do Consumidor houve um aumento de 65% no atraso das entregas de novos edifícios desde 2010. Não raras vezes as construtoras se defendem alegando a falta de mão de obra qualificada e da disponibilidade de material, como, também, escusam-se na burocracia do Poder Público para obtenção do “habite-se”.
Em que pese os argumentos das construtoras, os nossos Tribunais já sedimentaram o entendimento de que o atraso na entrega pelos fatores acima elencados não podem ser considerados fortuitos externos[i], ou seja, algo que exclua a responsabilidade do construtor (artigo 393 do Código Civil), mas são, em regra, riscos da atividade desenvolvida, que não atenuam a culpa pela demora na entrega das chaves.
De qualquer modo, é certo que muitas empresas não conseguem concluir as obras no cronograma acordado inicial de compra, mesmo valendo-se, de maneira padronizada, de uma carência suplementar de 180 dias além do prazo, geralmente convencionado através de cláusula do contrato arquétipo de questionada legalidade face ao nosso Código de Defesa do Consumidor.
O atraso na entrega do imóvel, que por vezes chega a durar por mais de 12 meses, traz diversos transtornos para a vida dos compradores, e que possibilita a propositura de demanda judicial em razão dos transtornos sofridos. Imaginemos que tais compradores sejam um casal de noivos, que compraram o imóvel na planta e planejaram seu casamento, e sua vida, em torno do prazo de entrega previsto em contrato, o qual não foi respeitado por abuso da construtora, que a seu bel prazer, e por motivos não previstos em contrato, atrasaram a entrega do imóvel. São claros os transtornos vividos por este casal, que não pode se mudar para o imóvel comprado em razão do atraso na entrega do imóvel. Além de que muitas vezes estes consumidores acabam tendo que locar um outro imóvel para moradia, em razão do atraso na entrega da sua tão sonhada casa própria.
A jurisprudência tem sido pacífica no sentido de que em casos de atraso na entrega do imóvel, o comprador pode pleitear, além do Dano Moral sofrido, o pagamento de Lucros Cessantes, pelo fato de que o comprador se viu impossibilitado de locar tal imóvel durante o período do atraso. Cabe destacar que não há a necessidade de se provar que o comprador iria de fato locar o imóvel, sendo que o lucro cessante decorre da impossibilidade de alugar ou não o imóvel comprado. Esta simples impossibilidade, que decorreu tão somente do atraso das obras, já é fato configurador do lucro cessante.
Conforme elucidado anteriormente, é da praxe dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta, a presença da chamada" Cláusula de Carência ", que normalmente é de 180 dias. Sendo assim, além do prazo contratual, a construtora possui, por contrato, um prazo adicional de 180 dias para entregar a obra. A entrega do imóvel que ocorrer após o prazo estipulado em contrato, porém, dentro do prazo da cláusula de carência, tem sido considerada por alguns juízes como correta, ou seja, não fica evidenciado o atraso na obra. Entretanto, se tal entrega for feita após os 180 dias previstos na cláusula de carência, aí então estará configurado o atraso na obra, o que possibilita o comprador de rescindir o contrato por culpa da construtora.
Ademais, o atraso na obra faz com que o valor do empreendimento continue sendo atualizado pelo índice INCC, o que acarreta em problemas financeiros para os consumidores, haja vista que o valor do imóvel aumenta, e por consequência, a dívida aumenta, fazendo com que o consumidor que precise de financiamento tenha que arcar com um valor maior.
A nosso ver, se torna bastante abusiva a Cláusula de Carência estipulada pelas construtoras, ante a desvantagem entre consumidor e vendedor, posto que embora haja um benefício para a construtora em poder atrasar a entrega do imóvel em até 180 dias, não há, de contrapartida, nenhum benefício contratual para o consumidor. Além disso, não há um prazo específico em lei que considere 180 dias como um período razoável ou não.
Ademais, falta de mão de obra, problemas climáticos, etc, não pode ser utilizado como fundamento para o atraso na entrega do imóvel, haja vista que tais situações não configuram caso fortuito ou força maior, mas sim o risco do negócio, que sempre deverá ser suportado pela empresa, no caso, as construtoras.
Sendo assim, não há nenhum dispositivo que determine o prazo de 180 dias para atraso das construtoras como um prazo legal, o que configura, desta forma, uma desvantagem para o consumidor.
Ademais, verifique-se que não há, por exemplo, tolerância quanto as construtoras para o atraso no pagamento das parcelas do empreendimento adquirido, o que demonstra uma desvantagem exagerada para o consumidor, caracterizando, então, a abusividade na cláusula de carência estipulada no contrato de compra e venda, conforme inteligência do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, a saber:
Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Logo, entendemos que a cláusula de carência é uma cláusula abusiva, e que, portanto, deve ser considerada nula. Assim, eventual atraso na obra teria prazo inicial a ser contado da data de entrega prevista no contrato, ignorando a cláusula de carência ali prevista.
Neste sentido, temos que o consumidor que tiver atraso na entrega do seu imóvel que foi adquirido na planta poderá pleitear, por vias judiciais, uma indenização por lucros cessantes. Esta indenização por lucros cessantes visa compensar os meses em atraso do imóvel, sendo que este, durante o período do atraso, poderia estar sendo locado ou utilizado como fonte de renda.
Neste sentido, podemos citar:
Ante o exposto, julgo o pleito inicial PROCEDENTE, para, nos termos dos pedidos iniciais de fls. 40-41, condenar a ré ao pagamento da indenização por danos materiais a título de lucros cessantes no valor equivalente ao valor mensal da locação do imóvel até a data em que o imóvel foi entregue, qual seja o mês de abril de 2011, tomando-se por base o valor atual do imóvel no montante de R$ 260.000,00, com a aplicação do índice de mercado para a obtenção dos valores locatícios de 0,8 por cento, fixando o valor de tal unidade em R$ 2.080,00 (fls. 40, item c), deferindo-se também o postulado em fls. 40, item “c.1”. A ré é condenada ao valor requerido nos itens d e e de fls. 41, bem como o valor a título de reparação por danos morais no montante de R$ 27.250,00 (item f de fls. 41), em razão da gravidade e extensão dos danos causados, atualizado com juros legais de um por cento desde a data em que o imóvel deveria ter sido entegue na data do contrato (súmula 54 do C. STJ) e com correção monetária na forma legal, desde a data do presente arbitramento, à luz da súmula 362 do C. STJ. Condeno, por conseguinte, a parte ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em quinze por cento sobre o valor da causa, devidamente atualizado na forma legal, em vista da extensão e gravidade dos danos causados. P. R. I. São Paulo, 15 de agosto de 2012. MÁRIO CHIUVITE JÚNIOR Juiz de Direito
Importante lembrar que não há a necessidade do consumidor em comprovar a intenção de locar seu imóvel futuramente. O simples atraso na entrega do seu empreendimento é fator determinante para que estejam caracterizados os lucros cessantes, sendo que este consumidor deve ser reparado por isso.
Esta indenização a ser pleiteada terá como base o valor atualizado do imóvel, e será conferida no importe de 0,8% por mês de atraso. Sendo assim, ao imaginarmos um imóvel no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), que tenha atrasado sua entrega em 12 meses, haverá o pagamento de lucros cessantes de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por mês atraso.
Isto configura o pagamento total de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais) de indenização por lucros cessantes.
Este é um direito líquido e certo do consumidor, haja vista que o atraso na entrega do imóvel se deu por culpa exclusiva da construtora, devendo arcar, dessa forma, com os encargos financeiros decorrentes desse atraso. Então, resta demonstrado que o atraso na entrega do imóvel tem sido um prática bastante comuns com as construtoras brasileiras, que deve ser responsabilizada por este atraso, e assumir as consequências financeiras deste atraso.
Logo, os consumidores que sofrerem tais abusos por parte das construtoras, deverão procurar advogados especializados no assunto, pois os danos decorrentes pelo atraso na entrega do imóvel são patentes, podendo o promitente comprador se valer das regras do artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor para exigir o cumprimento forçado da obrigação, pedir a rescisão do contrato ou exigir um imóvel equivalente.
Recapitulando, quando não existe intenção do promitente comprador em rescindir o contrato, o que é bastante frequente nos casos de atrasos não superior a dois anos, poderá ser reivindicado no Judiciário medidas reparatórias pelo descumprimento do prazo, como as seguintes:
1. O CONGELAMENTO DO SALDO DEVEDOR:
O saldo devedor existente, a ser verificado no resumo do contrato de promessa de compra e venda, deverá ser congelado de imediato através de liminar requerida em ação indenizatória. Algumas vezes os Tribunais Estaduais vêm entendendo que como a correção evita apenas a perda monetária da moeda e não afere renda não é possível o total congelamento, mas sua substituição pelo índice oficial de inflação, com percentual inferior ao obtido no INCC.
O exceptio non adimplenti contractus (exceção do contrato não cumprido), regra contida no artigo 476 do Código Civil também servirá como fundamento para impedir a cobrança ou o financiamento forçado pela construtora do saldo devedor que deveria ser quitado apenas na entrega das chaves, artifício utilizado pelas construtoras que estão com déficit de receita sob tal obra.
2. DANOS PATRIMONIAIS
a. Lucros Cessantes
O dano material, também chamado patrimonial, é aquele que afeta os bens economicamente apreciáveis que integram o patrimônio da pessoa, devendo o praticante do ato ilícito, descumpridor da avença, deverá indenizar o autor pelos prejuízos causados, aplicando-se a regra geral do inadimplemento culpável.
Na composição do dano, o Direito considera que o patrimônio da pessoa lesada pode ser atingido de modo positivo (damnum emergens) ou de modo negativo (lucrum cessans). No primeiro sentido, compreende-se a efetiva e imediata diminuição que o patrimônio experimenta em razão do ato ilícito, no segundo, o lucro que era esperável obter-se e que deixou de acrescer ao patrimônio.
O Judiciário, em geral, acata o pedido de ressarcimento pelos lucros não obtidos pelo atraso na entrega do imóvel, independentemente da finalidade da compra do bem, uma vez que o comprador deixou de auferir renda através de aluguel da unidade caso estivesse disponibilizada. Esse cálculo pode ser feito pela aplicação em favor do comprador da cláusula penal de permanência, que incide sobre 0,8% a 1% do valor do imóvel atualizado em caso de rescisão e manutenção da posse pelo adquirente a cada mês ou, em outros casos, pela comprovação documental dos anúncios de alugueis em unidades análogas ao do comprador. Essa indenização incidirá a partir de 30 dias do prazo final de entrega até a data da entrega de chaves.
Já há, inclusive, entendimento no STJ de que o atraso injustificado na entrega da obra gera direito aos adquirentes de receberem indenização, equivalentes ao valor do aluguel do imóvel em atraso, até a conclusão definitiva da obra, sem necessidade de prova do prejuízo[ii].
Além disso, em alternativa ao pedido de reparação de perda de lucro, pode-se pedir a correção de 1% sobre o valor de tudo que já foi pago no contrato, também como forma de compensar aporte de dinheiro sem qualquer retorno pelas parcelas pagas antes da entrega da obra. Todavia, em 2010 o STJ reconheceu a possibilidade de cumular a multa contratual com a indenização pelos lucros cessantes[iii].
b. Danos Emergentes
A título de danos emergentes o promitente comprador também poderá reivindicar os valores gastos com as despesas de moradia, nos casos em que a compra do referido bem tinha finalidade de primeira habitação própria, devendo a construtora ressarcir os gastos com moradia pelo período que ultrapassar o prazo máximo da obra definido no contrato originário.
A multa de 2% sobre todo o valor do contrato poderá ser, à pedido do comprador, revertido em seu favor, nos casos em que ela conste como cláusula penal compensatória no contrato originário, em especial na parte que trata da rescisão contratual por inadimplemento.
3. DANOS MORAIS
Os danos extrapatrimoniais ou morais também devem integrar a pretensão do promitente comprador nas ações reparatórias movidas face à construtora ou vendedora, sendo inquestionável que os sentimentos de estresse, desgaste e incerteza vivenciados pelo comprador encontram guarida no nosso ordenamento jurídico, eis que são sentimentos que fogem ao “mero aborrecimento cotidiano”, ademais, nos casos em que vê o seu “sonho da casa própria” postergado pela ineficiência da construtora por duradouros meses, muita das vezes, fato que eleva ainda mais o dano moral experimentado, forçando-o a realizar mudanças íntimas no seu planejamento pessoal e familiar.