ASPECTOS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA


16/09/2017 às 14h53
Por Daniel Ramos da Silva

ASPECTOS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA

 

Daniel Ramos da Silva

Graduado em direito pela Universidade Cândido Mendes. Advogado. Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes/Curso Fórum.

RESUMO

O motivo pelo qual este trabalho foi idealizado se baseia na apresentação de uma das principais modalidades contratuais em voga no direito atual, qual seja, o contrato de compra e venda. Não visa de forma alguma esgotar a discussão acerca do tema, mas tão somente situar e apresentar ao leitor ao instituto, bem como as situações afetas a esta modalidade de contrato em linhas gerais.

 

Palavras Chave: Compra e Venda. Contrato. Pactos adjetos. Direito Civil. Contrato Social. Vontade. Negócio Jurídico.

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Da Compra e Venda; 2. Pactos Adjetos à Compra e Venda; 3. Conclusão; 4. Referências Bibliográficas.

 

Introdução

 

Os contratos sempre tiveram lugar no mundo dos homens. Mesmo no tempo das cavernas, sempre esteve presente a contratação de intenções para o desenrolar da vida, haja vista a divisão de tarefas entre os homens e mulheres.

Amplo o campo de estudo das teorias contratualistas. Seu precursor, Thomas Hobbes[1], escreve o brilhante “Leviatã” e inaugura o termo “contrato social”, o qual seria um acordo de vontades entre os homens.

Justamente por este ideário se entende que o contrato sempre esteve presente nas relações humanas. O contrato nada mais é do que um acordo de vontades entre as partes envolvidas. Parte deste pacto volitivo advém as obrigações decorrentes, a quais repousam as maiores celeumas existentes no judiciário, pois os direitos são gozados, mas os deveres encontram resistência nos devedores para serem adimplidos.

A forma escrita dos contratos é a que denota mais segurança no mundo jurídico, mas de forma alguma se deve relegar espaço aos contratos verbais. Ora, se da vontade, meio imaterial e abstrato, surgem os contratos, desconsiderar a força da palavra empenhada não parece razoável, pois, inclusive, é dela que se extraem os termos dos contratos escritos.

A vontade como energia motriz deste sistema goza de autonomia. Pela autonomia da vontade pode-se criar, modificar e extinguir relações jurídicas. Esta autonomia se consubstancia na máxima de que o homem pode contratar tudo que não se encontra proibido por lei.

A partir desta máxima do direito, temos que os indivíduos encontram no mundo espaço e lugar para criar obrigações entre si. Autorregulam suas atividades e relações por meio da pactuação de seus interesses

Há de se fazer menção à existência dos interesses contrapostos na contratação de vontades entre os homens. Em regra, todo contrato há acordo de prestações mútuas entre os agentes, ou seja, exigem-se de parte a parte obrigações. A exemplo fácil se observa na compra e venda de um lado a entrega de determinado bem e de outro a paga de dado valor.

A este evento se pode dar o nome de sinalagma, pois há a exigência da prestação recíproca de obrigações. Cada parte tem seus interesses alimentados. Um individuo deseja a transferência de seu bem mediante um valor, outro individuo deseja adquirir o bem e para isso se dispõe a pagar determinado valor. Com a adimplência das obrigações recíprocas contrapostas, pois claramente opostas entre si, o negocio jurídico se aperfeiçoa.

O consagrado doutrinador Orlando Gomes[2] afirma que o “negócio jurídico é o instrumento próprio de circulação dos direitos, isto é, de modificação intencional das relações jurídicas”.

 

1.    DA COMPRA E VENDA

 

A compra e venda é a aquisição/alienação do domínio em troca de um preço. Justamente o que dispõe o código civil em seu art. 481: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

Vejam com atenção: “um dos contratantes se obriga a transferir o domínio”. Embora a causa do contrato seja a alienação/aquisição do domínio (propriedade) em troca do preço, o contrato de compra e venda, por si só, não é o meio suficiente para a transferência da propriedade. E essa é uma das coisas que mais costumam chocar os leigos. Eles não entendem como que uma pessoa que celebrou um contrato de compra e venda e inclusive já pagou o preço ainda não é a proprietária da coisa.

Isto ocorre porque a transferência da propriedade em nosso sistema depende da tradição ou do registro, havendo clara distinção entre o ato do contrato e o ato da transmissão da propriedade.

Essa distinção ainda é um resquício dos costumes romanos que não admitiam que o contrato (consenso) apenas, produzisse efeitos. Eles precisavam de uma solenidade (v. mancipatio) para que aquele acordo de vontades pudesse interferir no mundo material, econômico, cotidiano. Eles precisavam “ver” o acordo; precisavam de algo palpável para admitir os feitos. Daí os rituais da “mancipatio” (pesar na balança — libriprens) e depois da “traditio”. Com a evolução do conceito de contrato, passou-se a admitir que o acordo de vontades, por si só, produzisse efeitos, isto é, gerasse obrigações para as partes. Mas também só isso, ainda não se admitindo que pudesse gerar a transferência da propriedade.

O contrato de compra e venda então teria o condão de atribuir a obrigação da transferência de propriedade, aperfeiçoando-se pela tradição ou registro, a depender do caso em concreto. Por tal motivo que Orlando Gomes[3] afirma que:

“Compra e venda é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir a propriedade de uma coisa à outra, recebendo em contraprestação determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente”.

            Do exposto acima temos que a tradição tem vez quando a coisa em litígio necessita do mero ato de entrega ao novo proprietário, em regra ocorre com relação a coisas móveis. Já o registro tem seu lugar nos negócios em que para transferência da titularidade há dependência de registro propriamente dito, como nos casos dos imóveis, onde o domínio se materializa com a devida averbação no registro de imóveis do novo proprietário e não somente com a entrega de chaves.

Nesta senda, se observa que o contrato de compra e venda é caracterizado pela bilateralidade, pois imprescindível o acordo de vontades em que cada uma das partes se obriga em direitos e deveres equivalentes.

Sinalagmático, haja vista as vontades serem contrapostas. Há deveres de mútuo cumprimento das obrigações decorrentes de contratos bilaterais, cujo desrespeito dá ensejo à rescisão contratual.

Oneroso por conta da valoração da coisa a ser vendida e da contrapartida dever ser compatível, sob risco de ser considerado simulação, pois o preço, ou contrapartida, não poderá ser irrisório ou vil.

O contrato é comutativo, pois as prestações são certas e determinadas. Isto porque o vendedor sabe que irá receber o preço que atende aos seus interesses, e o comprador, que lhe será transferida a propriedade do bem que desejava adquirir.

Passando aos elementos do contrato de compra e venda, figuram a coisa, o preço e o consenso.

A coisa é a obrigação de dar do vendedor. Normalmente ela é material, mas pode ser abstrata, como a propriedade intelectual. Em regra a coisa é contemporânea ao pacto, mas há vez de compra e venda de coisa futura na ocasião da ocorrência de contrato aleatório. Deve-se atentar também que a coisa deve ser útil e rara. Entenda-se isto no sentido de que não poderá ser alvo deste pacto coisas abundantes, como a água do mar ou o ar que se respira, folhas comuns e correntes de uma árvore, as quais seriam inúteis, nem coisas inalienáveis, como bens públicos.

O preço é a obrigação de dar do comprador. Geralmente em dinheiro, mas há oportunidade de uso de títulos de credito, como o cheque. O preço deve ser equivalente e consensual entre as partes. Atente-se que como dito alhures, o preço não poderá ser vil ou irrisório.

O consenso é elemento de todo contrato. O acordo de vontades é alma dos negócios jurídicos. A partir dele se chega à coisa, preço, forma de pagamento e tudo mais afeto à avença.

 

2. PACTOS ADJETOS À COMPRA E VENDA

 

A retrovenda é cláusula pela qual o vendedor, em acordo com o comprador, fica com o direito de, em até três anos, recomprar o imóvel vendido, devolvendo o preço e todas as despesas feitas pelo comprador. Não se aplica a móveis, só a imóveis.

A retrovenda é de iniciativa do vendedor e torna inexistente a venda originária, reconduzindo os contratantes à situação anterior ao contrato. Não será necessário novo contrato de compra e venda, e nem novo pagamento de imposto de transmissão se o vendedor exercer seu poder. É direito potestativo do vendedor exercer a retrovenda, de modo que o comprador não pode se opor.

A cláusula de retrovenda é registrada em Cartório de Imóveis, de modo que se torna pública e vale contra todos, assim se um terceiro adquirir tal imóvel fica sujeito também  à retrovenda. A retrovenda se extingue pelo seu exercício, pela decadência do prazo de três anos, pela destruição do imóvel (ex: incêndio, desmoronamento) ou pela renúncia do vendedor a esta cláusula.

            A venda a contento é cláusula que, se inserida pelas partes, permite desfazer o contrato se o comprador não gostar da coisa adquirida, similar ao efeito do direito de arrependimento inserto nos contratos consumeristas nas compras feitas fora do estabelecimento do vendedor. O comprador não precisa dar os motivos caso não queira ficar com o bem, sendo direito potestativo do comprador exercer esta cláusula, e o vendedor não pode discutir ou impugnar essa manifestação.

Há duas espécies, na primeira, chamada suspensiva, o comprador não paga o preço e adquire a coisa por empréstimo. Se gostar paga o preço e adquire a coisa, se não gostar devolve sem dar explicações, ao que preceitua o art. 510 do CC/02. Se a coisa perecer enquanto o comprador experimenta, o prejuízo será do vendedor.

No art 509 do CC/02 temos a venda ad gustum (degustação) aplicável a gêneros alimentícios.  Tanto na venda a contento do art. 509 como na venda sujeita a prova do art. 510, o comprador figura como comodatário.

Na segunda hipótese de venda a contento, na espécie chamada resolutiva, o comprador paga o preço e adquire a coisa como dono, se não se satisfizer devolve a coisa, desfaz a compra e exige o dinheiro de volta. Caso a coisa venha a perecer durante a prova o prejuízo aqui será do comprador. Se as partes não estipularem prazo para a prova do bem, o vendedor deverá intimar o comprador para se manifestar sobre tal para que se desonere quanto a esta cláusula.

            O contrato de compra e venda pode também conter cláusula de preferência ou preempção, donde o comprador se obriga a notificar o ora vendedor que pretende alienar a coisa adquirida para que este exerça a preferência na recompra, atendido o preço oferecido pelo terceiro. Isto atendido o prazo máximo de vigência de 180 dias para coisas móveis e de 2 anos para imóveis.

            Atente que se o comprador não notificar o vendedor da possibilidade de venda o bem, este poderá intimar aquele para exercer seu direito, que é personalíssimo. Em vendendo efetivamente a coisa a terceiro sem respeitar o vendedor, estará sujeito o comprador a ressarcimento em perdas e danos e o terceiro adquirente em solidariedade, caso comprovada má fé.

            Na venda de coisa móvel poderá ser estipulado cláusula de reserva de domínio. Nesta situação o vendedor resguarda para si a propriedade da coisa até o preço integral seja quitado. Tem lugar então em avenças a prazo.

            A coisa deverá ser suscetível de clara individualização e ser registrada no domicilio do comprador para ter eficácia em face de terceiros. O comprador responde pelos riscos da coisa desde o momento da entrega. Em caso de inadimplemento, o vendedor deverá pôr em mora o comprador protestando o titulo, por via judicial ou outro meio eficaz.

            Nesta senda o vendedor poderá mover ação para cobrança de débitos ou recuperar a coisa. Nesta hipótese poderá reter os valores já pagos para garantir a depreciação da coisa e possíveis perdas e danos.

                       

3- CONCLUSÃO

 

Diante de todo o exposto podemos perceber enfaticamente que o contrato aqui apresentado tem especificidades bastantes para tornar o estudo complexo.

Como visto o contrato de compra e venda tem profundidade bem maior do que a mera paga do preço e entrega do bem. Há requisitos, elementos e cláusulas que o podem tornar bem mais robusto que a mera troca de coisa por dinheiro.

Aqui, humildemente, apresentou-se algumas considerações acerca deste contrato. Linhas gerais foram traçadas, de maneira alguma com o escopo de esgotar o tema, o qual é amplo e repleto de controvérsias.

Ao contrato de compra e venda, há de se salientar, que lhe cabem ainda pertinência, alem dos pactos adjetos, as avenças de promessa e compromisso de compra e venda, não tratados aqui pela delimitação imposta ao estudo e produção do presente artigo.

Sendo assim, o contrato de compra e venda emerge como uma fonte de estudo de inestimável valor para o operador do direito, haja vista a sociedade de consumo que se vive hodiernamente. Nesta realidade, o operador deverá possuir o conhecimento que lhe possibilitará tratar a questão com a qualidade que possa exigir a situação concreta.

  • compra e venda
  • contrato
  • pactos adjetos
  • direito civil
  • contrato social
  • vontade
  • negócio jurídico

Referências

GOMES, Orlando. Contratos. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

 

AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7ª. ed., Rio de Janeiro: Renovar: 2008.

 

DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 32ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v.3.

 

BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Acessado no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm em 19/10/2016.


Daniel Ramos da Silva

Advogado - Rio de Janeiro, RJ


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