A POSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DOS DIREITOS DO NASCITURO, DO FILHO ADOTIVO E DA PROLE EVENTUAL AO FILHO CONSANGUÍNEO NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA


16/12/2013 às 08h57
Por Eudes Saturnino

EUDES SATURNINO DANTAS

DIOGO DE PAULA MARINHO OLIVEIRA SALES

JORDDANO HENRIQUE OLIVEIRA FONSECA

LUDIMILA LACERDA OLIVEIRA

RAFAEL FERREIRA DE ARAUJO

08 DE SETEMBRO DE 2009

Projeto de pesquisa apresentado ao curso de graduação em Direito, do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO (ILES/ULBRA), como requisito parcial para avaliação do 6º período, turma B, orientado pela professora Ana Paula Lazarino.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, o Direito Civil Brasileiro tem sofrido drásticas mudanças, no que tange a possibilidade de inclusão e igualdade de direitos do nascituro, dos filhos adotivos e da prole eventual no direito sucessório. Os vínculos socioafetivos cada vez mais intensos proporcionados pela adoção e a concepção desta relação provoca os mesmos laços, efeitos, afetos e responsabilidades que a filiação biológica, bem como as evoluções científicas na medicina que torna cada vez mais acessível aos casais que buscam técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro e a inseminação artificial, têm provocado uma série de discussões e controvérsias entre tribunais e doutrinadores acerca dos direitos e deveres patrimoniais e civis atribuídos aos filhos.

O presente projeto de pesquisa, cujo tema é a possibilidade de equiparação dos direitos do nascituro, do filho adotivo e da prole eventual ao filho consangüíneo na sucessão testamentária, vem na esteira em que foi facultado ao profissional do direito interpretar e estudar dispendiosamente sobre assuntos tão atuais e desamparados pela legislação questionar: ao nascituro, ao adotivo e à prole eventual se estenderiam os mesmo direitos atribuídos ao filho consangüíneo na sucessão testamentária?

A relevância deste estudo justifica-se no contexto social onde sempre que for exigida inovação em um determinado sistema, o inédito se fará presente, pois sem dúvida, essa transposição social, jurídica e científica tem ocasionado perplexidade e dúvidas nas relações jurídicas familiares, interferindo, por conseqüência, no conceito de ser humano, de personalidade jurídica e nas relações de parentesco designadas há séculos. Os reflexos trazidos por essa nova realidade científica no campo da reprodução humana, têm despendido dos profissionais de direito, bem como dos doutrinadores e intérpretes desta ciência, a aplicação da legislação comparada e uma maior compreensão e interdisciplinaridade com outras ciências correlatas como a sociologia, a biologia, a medicina e a psicologia.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, in verbis: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, revogou o art. 1.614 do Código Civil de 1916 que fazia distinção de direitos hereditários entre os irmãos bilaterais e unilaterais.

O Código Civil brasileiro, ao tratar da vocação hereditária, dispõe em seu art. 1.798 que: “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, eliminando de um modo geral, o nascido da habilitação à suceder, cuja concepção tenha sido posterior. Portanto, entende-se que somente os nascituros e os filhos nascidos são corroborados à sucessão, deixando expressamente de fora os concepturos, ou seja, aqueles que ainda não foram concebidos, tendo em vista que os embriões gerados in vitro, não ostentam a condição de nascituro enquanto não for implantado no ventre materno.

De modo controvertido, o art. 1.597, inciso IV do CC, admite que os filhos havidos a qualquer tempo, decorrentes de concepção artificial homóloga, presumem-se concebidos da constância do casamento. Destarte, a criança gerada através da inseminação artificial, mesmo tendo falecido o pai, tem direito à presunção da filiação.

Neste diapasão, se o corpo legislativo permite que filhos ainda não concebidos de terceiros, indicados em testamento, sejam chamados a suceder, presume-se que a permissão para a habilitação de sua própria prole eventual para suceder por testamento, seja também amparada por este diploma legal. No entanto, Giselda Hironaka delimita que o testador somente poderá fazê-lo por via reflexa, “basta que indique a doadora do óvulo, se testador, ou o doador do espermatozóide, se testadora”.

Conquanto, há uma questão relevante no que atine à fixação do prazo para que a prole eventual, tanto na adoção, quanto na inseminação artificial post mortem, possa estar apta a suceder, uma vez que o fato da possibilidade destas serem feitas a qualquer tempo, pois no caso da fecundação assistida o sêmen ficar crioconservado por décadas, ocasionaria ao ordenamento jurídico e à sucessão prejuízos, no que tange a espera de um prole indefinida.

Destarte, a perspectiva da exclusão de direitos gerados ao nascituro, ao adotivo e à prole eventual viola os princípios da igualdade, da dignidade humana, do melhor interesse da criança, porquanto a lição de Emmanuel Kant: “dignidade é tudo aquilo que não tem preço, seja pecuniário seja estimativo, ou seja, o que é inestimável, indisponível”. O reconhecimento de amplos direitos à criança nascida ou não, por fecundação póstuma ou não, respeita a Constituição Federal à medida que o legislador se preocupou com a dignidade das pessoas e a proteção da família, o que importa a 1ª parte do art. 226, § 8º da Carta Magna: “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram”.

Nessa direção, o objetivo geral do estudo é analisar a equiparação dos direitos de sucessão do nascituro, do adotivo e da prole eventual no direito brasileiro com o filho consangüíneo. E, de forma a atingir essa meta, há que se cumprirem, especificamente, algumas etapas como: verificar de forma precisa os direitos do nascituro, do filho adotivo e da prole eventual na sucessão; discutir as divergências doutrinas existentes na matéria e buscar a possibilidade legal de isonomia das partes ao direito do consangüíneo na sucessão testamentária.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Registre-se que o Código Civil, em seu art. 2º, prevê que a pessoa adquire personalidade civil desde seu nascimento com vida, posto que põe a salvo os direitos do nascituro, a partir de sua concepção.

Sustem Eugênio Carlos Callioli que:

“O nascituro é também um ser humano individual, pois, ainda prescindindo-se da evidência científica experimental, fica óbvio, por exclusão que o Direito não prestaria esta consideração a seres do chamado reino animal, vegetal ou mineral. Do ponto de vista jurídico não seria correto entender que entre pessoas e não pessoas, existe o vazio ou o salto que medeia entre o ser e o não ser.”

Em dissensão, Damásio de Jesus apresenta que a vida humana, seja ela independente ou não, é objeto da tutela jurisdicional do Estado, não importando para o direito às condições permanentes, transitórias ou mesmo momentâneas da pessoa, para que tenha a proteção da norma penal. Tanto faz a idade, a cor, o sexo, o fato de a vida ser extra ou intra uterina. Não importa se a pessoa está sóbria ou embriagada, basta à condição de ser humano, para que se tenha direito à proteção do Estado.

Contudo, não pode negar ao concepturo o tratamento análogo ao nascituro, caracterizando-o como coisa, ao passo que biologicamento falando há vida humana em potencial, sendo assim, cabe ao legislador garantir-lhe o direito à vida e a integridade física, mesmo que esta seja a partir de determinado estágio.

Entretanto, doutrina Eduardo de Oliveira Leite que:

“Quanto à criança concebida por inseminação post mortem, ou seja, criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos, pela utilização de sêmen congelado, é situação anômala, quer no plano do estabelecimento da filiação, quer no do direito das sucessões. Nesta hipótese a criança não herdará de seu pai porque não estava concebida no momento da abertura da sucessão.”

E conclui que a “solução favorável à criança ocorreria se houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto de inseminação post mortem”, uma vez que no entender deste douto doutrinador, a inseminação post mortem não se justifica porque não há mais o casal, e poderia acarretar perturbações psicológicas graves em relação à criança e à mãe, finalizando com o desaprovamento desta prática.

Note-se que apesar do célere avanço tecnológico da medicina, no tocante a fecundação artificial, a legislação brasileira não prevê a inseminação post mortem, como incide em outros países.

Nessa acepção, expressa Guilherme Calmon:

“(...) é possível que o sêmen, o embrião, e também o óvulo – quanto a tese, as experiências cientificas são mais recentes – possam ser criopreservados, ou seja, armazenados através de técnicas próprias de resfriamento e congelamento, o que possibilita, desse modo, que mesmo após a morte da pessoa seu material fecundante possa ser utilizado, em tese, na reprodução medicamente assistida”.

O art. 1.799, inciso I, do Código Civil permite ao testador, contemplar o nundum conceptus, ente humano ainda não concebido, por testamento, podendo o embrião ser inserido no ventre materno após sua morte, atentando ao prazo previsto pelo art. 1.800, § 4º, do diploma civil.

Relativo aos efeitos da sucessão decorrentes da inseminação póstuma, José Luiz Gavião de Almeida expõe:

“E reconhecendo o legislador efeitos pessoais ao concepturo (relação de filiação), não se justifica o plurido de afastar os efeitos patrimoniais, especialmente o hereditário. Essa sistemática é reminescência do antigo tratamento dado aos filhos, que eram diferenciados conforme a chancela que lhes era aposta no nascimento. Nem todos os ilegítimos ficavam sem direitos sucessórios. Mas os privados desse direito também não nascia relação de filiação. Agora, quando a lei garante o vínculo, não se jsutifica privar o infante de legitimação para recolher a herança. Isso mais se justifica quando o testamentário tem aptidão para ser herdeiro.”

O Princípio da Equiparação de Todos os Filhos esculpido pela Constituição sujeita tratamento igualitário relativo à filiação, uma vez que filhos, independentemente da origem dos laços que os unem aos seus pais, se biológica ou simplesmente afetiva.

Nesta seara, ressalta Paulo Lobo:

“Não se permite que a interpretação das normas relativas à filiação possa revelar qualquer resíduo de desigualdade de tratamento aos filhos, independentemente de sua origem, desaparecendo os efeitos jurídicos diferenciados nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, entre irmãos e no que concerne aos laços de parentesco”.

Por oportuno, a recepção da Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1.990, a qual dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 41, § 2º, ratificou a norma constitucional de isonomia dilatando-a ao filho adotivo, constando:

“Art.. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

(...)

§ 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descedentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação hereditária”.

Ainda, no tocante à adoção tem-se resguardado o direito de prosseguir no processo de adoção, caso vier a falecer o adotante, mesmo antes da sentença prolatada, conforme prevê e dá possibilidade de deferimento o § 5º, do art. 42, do ECA, in verbis: “a adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença”.

Nesse sentido, Carlos Eduardo Pachi entende que “dentro de critérios de facilitação da adoção, a norma prevê a possibilidade de continuação do processo de adoção mesmo quando o adotante ou adotantes venham a falecer. Exige-se, no entanto, que haja inequívoca manifestação de vontade”.

CONCLUSÃO

A pesquisa científica em comento pretendeu compreender a possibilidade de equiparação dos direitos do nascituro, do filho adotivo e da prole eventual ao filho consanguíneo na sucessão testamentária.

Diante da moderna tendência de constitucionalizar o Direito Civil, esta pesquisa aborda o instituto da adoção em face da Constituição Federal e do Código Civil no que concerne à igualdade dos filhos e ao princípio da dignidade da pessoa humana

Sendo assim conclui-se com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, in verbis: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, revogou o art. 1.614 do Código Civil de 1916 que fazia distinção de direitos hereditários entre os irmãos bilaterais e unilaterais.

Após longo período de tratamento diferenciado entre os filhos legítimos e ilegítimos, ou seja, aqueles havidos ou não do casamento, a hodierna norma constitucional equiparou a situação dos filhos bilaterais, unilaterais e adotivos, reconhecendo a todos como filhos legítimos, repudiando quaisquer designações discriminatórias.

Assim, verificou-se que a Constituição Federal, ao dispor do princípio da igualdade entre os filhos, o Código Civil, que trata do instituto da adoção, merecendo destaque o princípio do melhor interesse do adotando e o Estatuto da Criança e do Adolescente trazem subsídios para que se configure esta possibilidade.

  • DIREITOS DO NASCITURO
  • FILHO ADOTIVO
  • PROLE EVENTUAL
  • FILHO CONSANGUÍNEO
  • SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Referências

ALMEIDA, José Luiz Gavião. Código Civil Comentado: Direito das Sucessões, Sucessão em geral e Sucessão legítima. Vol. 18, p. 104, 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

CALLIOLI, Eugênio Carlos. Aspectos da Fecundação Artificial in vitro. Rio de Janeiro: Revista de Direito Civil, n° 44, abril/junho, 1988.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais, p. 732. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil – parte especial: do direito das sucessões. Vol. 20, p. 96, 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

JESUS, Damásio. Direito Penal. Vol. 1, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. De Paulo Quintela, p. 77, 1ª ed. Lisboa: Ed. 70, 1986.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil: do direito das sucessões. Vol. 21, p. 110, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

_____. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos e jurídicos, p.154-155. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil Comentado: Direito de Família, Relações de Parentesco e Direito Patrimonial. Coordenado por Álvaro Vilaça Azevedo, vol. 16, p. 40, 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Manual de Metodologia Cientifica (Conceitos e normas para trabalhos acadêmicos) – ILES/ULBRA ITUMBIARA

PACHI, Carlos Eduardo. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. Coordenado por Munir Cury, p. 164. São Paulo: Malheiros, 2003.


Eudes Saturnino

Bacharel em Direito - Itumbiara, GO


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