UMA BREVE ANÁLISE: LIBERDADE ACADÊMICA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Adriana Pereira Dantas Carvalho*
Francisco Resende de Albuquerque**
Thiago de Souza Campos***
* Professora de Direito na Faculdade de Direito de Garanhuns da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns – FDG/AESGA.
** Professor na Unidade Acadêmica de Garanhuns da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UAG/UFRPE.
*** Estudante do Curso de Direito na Faculdade de Direito de Garanhuns –FDG/AESGA.
Resumo: O presente trabalho abordará a Liberdade Acadêmica e a Liberdade de Expressão, que são princípios jurídicos normalmente compreendidos como sinônimos no ordenamento jurídico brasileiro, mas que emanaram em contextos históricos distintos, embora decorrentes de necessidades humanas convergentes, apresentando, como se buscará demonstrar, naturezas jurídicas, abrangências e aplicações que não se confundem, embora estejam intrinsicamente relacionadas. Para tanto será utilizado o método de pesquisa exploratório, com o intuito de proporcionar maior familiaridade com a problemática, empregando-se o procedimento de pesquisa bibliográfico, com o levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meio escritos e eletrônicos. E para melhor compreensão do tema, abordar-se-á, o direito à educação, a concepção de educação pelo Estado e a liberdades acadêmica e de expressão.
Palavras-Chave: Educação, Direitos Individuais, Direitos Sociais, Liberdade Acadêmica, Liberdade de Expressão.
1.INTRODUÇÃO
A concepção da “Liberdade de Expressão” como direito surgiu na Grécia, em decorrência da vigorosa consciência política dos cidadãos gregos que sentiram a necessidade de fazer parte da vida política da polis, pois viam no Estado a sua razão de existir. Mais tarde, após as Revoluções Americana e Francesa, a Liberdade de Expressão foi um dos primeiros direitos a ser positivado, em seguida qualificado como de primeira geração, vez que pretendia fixar uma autonomia da pessoa humana e impor abstenções aos governantes (MENDES, 2007). No Brasil, a Liberdade de Expressão esteve positivado desde a Constituição Imperial de 1824, passando por períodos de supressão, mitigação e restabelecimento até a promulgação, em 1988, da atual Carta Magna, que após décadas de restrições devido a ditadura militar, naturalmente, adotou especial preocupação com o instituto, classificando-o no Art. 5º como direito fundamental individual (BRASIL, 1998).
A Liberdade Acadêmica tem origem na docência Universitária ministrada na Idade Média. O termo acadêmico (grego – akademia) foi usado para dar nome à escola filosófica de Platão, onde era discutido livremente o saber filosófico, e por extensão, passou-se a chamar Academia aos estabelecimentos de ensino superior de Ciências, Letras e Artes, onde a Liberdade de Cátedra, ou seja, de ensinar deveria ser respeitada (PAIM, 1979). A evolução do instituto se deu com o processo de separação entre o Estado e a Igreja, resultando na independência de conteúdos e na busca de novos métodos de se estabelecer o processo de ensino-aprendizagem, com o embate contínuo de três grandes forças: o Estado, a Igreja e a Universidade (DELIGDISCH, 2011). No âmbito das constituições brasileiras, a Liberdade Acadêmica foi reconhecida somente após a Constituição de 1934, que empregou o termo “Liberdade de Cátedra” no artigo 155, determinando: “É garantida a liberdade de cátedra”, que na realidade era restrita ao direito de ensinar. Posteriormente, as constituições de 1946 e de 1967 mantiveram este direito utilizando a mesma expressão, mas a Constituição de 1988 quando ampliou o direito à educação, abandonou a expressão Liberdade de Cátedra, preferindo apresentar no art. 206 os princípios norteadores do direito à educação.
A distinção entre a Liberdade de Expressão e Liberdade Acadêmica é tênue, porém, evidenciada quando analisadas as suas naturezas jurídicas, como se busca demonstrar neste trabalho. De antemão, a Liberdade de Expressão é um valor transcendente, um direito individual com mandamento de abstenção para o Estado, enquanto que a Liberdade Acadêmica se apresenta como um requisito essencial da atividade científica e educacional, um direito social que promove o desenvolvimento social e econômico do Estado, posto que não apenas pretende uma abstenção deste, mas exige prestações positivas do ente Soberano (BARENDT, 2010).
2.DIREITO À EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO
A “Educação” nas mais diversas concepções está umbilicalmente conectada à evolução da humanidade, com fundamentos, princípios e instituições que, assim como a radiação solar dispersa, manifestam-se em direções divergentes segundo o ramo do conhecimento humano em que se esteja debruçado, como: Filosofia da Educação, Economia da Educação, Sociologia da Educação, Antropologia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação (PLAISANCE, 2003) e Direito Educacional (SOARES, 2014). No âmbito jurídico a educação é assinalada como um direito, ou seja, como parte de um sistema de representações intelectuais que se edificam segundo princípios que lhe são próprios, constituído por um conjunto de normas de conduta que regem relações sociais garantidas pela coerção pública (BERGEL, 2006), tendo em vista a manutenção, evolução e existência da sociedade.
Nos ensinamentos de Hans Kelsen a validade do direito não decorre de um fato, mas de outra norma, consubstanciada na Constituição, norma mais elevado na estrutura hierárquica da ordem jurídica do Estado (KELSEN, 1995), do qual emanam os princípios norteadores. Neste contexto, no Brasil, os princípios norteadores do direito à educação encontram-se no Art. 206 da Constituição da República Federativa do Brasil (CR), destacando-se o princípio da Liberdade Acadêmica (inciso II), que estabelece: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, que na doutrina e jurisprudência é comumente reconhecido como desdobramento da Liberdade de Expressão, esculpido no Art. 5º, inciso IX da Carta Magna: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (BRASIL, 1988).
A Carta Magna brasileira (CR) exprime a educação como um direito fundamental com feição social (art. 6º CR),e é considerado um dos mais importantes direitos sociais por ser essencial ao exercício de outros direitos fundamentais, tutelando como objeto jurídico o ato de informar, conscientizar, reproduzir, ensinar e preparar o ser humano para o pensar social, questionar e criar (MAGALHÃES, 2008). De acordo com Alexandre de Moraes os direitos sociais são direitos fundamentais do homem caracterizados como liberdades positivas de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, e consagrados como pilares do Estado Democrático brasileiro (art. 1º, IV CR) (MORAES, 2008).
O texto constitucional (CR) não define o objeto jurídico tutelado pelo direito à educação, mas o caracteriza sob o aspecto teleológico, evidenciado no art. 205 CR: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (grifo nosso) ” (DEPUTADOS, 2009). A definição do objeto jurídico protegido pelo direito à educação encontra-se no art. 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996) (BRASIL, 1996), onde determina que a educação “abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (grifo nosso) (STEFANO, 2014). A educação também é concebida pelos estudiosos como o processo de desenvolvimento do indivíduo, abrangendo sua capacidade física, mental e moral, com vistas a integrá-lo adequadamente à sociedade (SILVA, 2009).
Os processos formativos são compreendidos como estágios evolutivos através dos quais se oportunizam, individualmente ou em equipe, experiências de aprendizagem que permitem adquirir ou melhorar conhecimentos, competências e disposições (GARCIA, 1999), mas que apresentam contornos distintos para os sujeitos do processo de ensino-aprendizagem. No âmbito estudantil o Estado brasileiro reconhece que os processos formativos visam promover o pleno desenvolvimento, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, conforme determina o Art. 205 da CR (DEPUTADOS, 2009).Convém destacar que a origem da palavra educar (latim “educare”, derivado de “educere”) diz respeito a “conduzir para fora”, ou seja, despertar no homem elementos dormentes, como verdade, justiça, cidadania, solidariedade, enquanto que a mera instrução, segundo Huberto Rohden, teria o intuito de ensinar o homem a descobrir as leis da natureza, desenvolver a inteligência do homem na esfera científica (ROHDEN, 2005), de modo que os “processos formativos” abrangeriam o educar e instruir em relações jus pedagógicas, ou seja, para além do vínculo bilateral professor-estudante.
Neste aspecto, sob uma ótica lato sensu do âmbito escolar, os processos formativos assentam-se no processo de ensino-aprendizagem com os sujeitos da relações jus pedagógica abrangendo professores, estudantes, diretores, administradores, mantenedores, supervisores de ensino, autoridades públicas, entre outros, o que torna as relações educacionais complexas, o que fica evidenciado na consolidação do Direito Educacional (MORAES, 2008), ramo jurídico com normas, princípios e institutos juspedagógicos próprios.
Na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) a Educação é reconhecida como um direito essencial, e este instrumento estabelece que “(1) Everyone has the right to education. Education shall be free, at least in the elementary and fundamental stages. Elementary education shall be compulsory. Technical and professional education shall be made generally available and higher education shall be equally accessible to all on the basis of merit”.O direito a educação também é reconhecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aprovado no Brasil pelo Decreto 678/1992, que no art. 47 determina: “Os Estados membros darão primordial importância, dentro dos seus planos de desenvolvimento, ao estímulo da educação, da ciência, da tecnologia e da cultura, orientadas no sentido do melhoramento integral da pessoa humana e como fundamento da democracia, da justiça social e do progresso”. Há também similar proteção deste direito no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), com o texto normativo trazendo igual proteção no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pacto Social), inserto no ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto 591/1992, que no art. 13 determina:
“1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. ”
Neste diapasão o direito à educação apresenta-se como um direito humano fundamental, de natureza social, também assegurado pela Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 1989), que além de promover o desenvolvimento individual consubstancia-se como um instrumento para assegurar a paz e a estabilidade entre países. Deste modo, os princípios constitucionais norteadores do direito à educação, destacando-se a Liberdade Acadêmica, estariam abrangidos por um sistema legal de proteção internacional aos sujeitos participantes dos processos formativos inerentes ao processo de ensino-aprendizagem.
Incialmente conclui-se que direito à educação, direito fundamental social, no ordenamento pátrio tutela os “processos formativos”, centrados nos processos de ensino-aprendizagem, que abrangem, além da relação professor-estudante, os demais sujeitos das relações juspedagógicas. O objeto deste direito apresenta-se como um instrumento de desenvolvimento da personalidade humana, de respeito aos direitos humanos e de exercício de liberdades fundamentais. A educação apresenta-se como a pedra filosofal de um Estado verdadeiramente democrático, onde o ser humano torna-se livre em sua completude, momento do qual se pode falar em dignidade da pessoal humana. Desta forma, o princípio da Liberdade Acadêmica surge como fundamento norteador das atividades legiferantes e jurisdicional no âmbito educacional, orientadas pelos fins utilitaristas do direito à educação, e emanados pela própria Constituição de 1988.
3. LIBERDADE ACADÊMICA
Os princípios representam valores supremos para a realização humana, com fundamento ético, moral ou religioso que transportados para o sistema jurídico expressa múltiplas funções, seja para a formulação dogmática de conceitos, como normas jurídicas ou postulados teóricos para proposições relativas ao direito (BERGEL, 2006). Os princípios jurídicos pertencem ao conceito de norma jurídica, e manifestam um conteúdo deôntico, diferenciando-se das regras jurídicas por não serem mandamentos definitivos, ou seja, podem ser superados em razão de outros princípios, apresentando-se como normas que obrigam na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas no caso concreto, e por isso, também denominados mandamentos de otimização (FERNANDES, 2013).
O princípio da Liberdade Acadêmica manifesta a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, abrangendo os indivíduos que tomam parte nas relações juspedagógicas inerentes ao processo de ensino-aprendizagem, ou seja, é um pressuposto da educação escolar e fundamento para o Estado Democrático de Direito. Esta concepção é mais ampla do que a emanada do princípio da Liberdade de Cátedra, que tutela o direito de ensinar, concebido na Constituição de 1934, e que consiste na liberdade de atuação somente do docente inserido na relação didático-pedagógica (SILVA, 2009). Este fato fica evidente no acórdão, que julgou o Recurso Ordinário TRT-PR-21276-2004-016-09-00-0(RO), e cuja ementa é transcrita abaixo:
“PROFESSOR x DISPENSA - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO - LIBERDADE DE CÁTEDRA x PROTEÇAO AO EMPREGO - FUNÇÃO PÚBLICA DELEGADA A PARTICULARES - PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO - A Constituição Federal assegura a liberdade de cátedra, princípio constitucional expresso e disposto no artigo 206, inciso II da Lei Fundamental. Neste diapasão, se a própria Lei Maior garante ao professor "liberdade de cátedra" e "valorização ao seu trabalho", bem como estabelece que a iniciativa privada deve obedecer às normas gerais da educação nacional, podemos concluir que o professor universitário faz parte de uma casta especial de trabalhadores, principalmente em razão de sua importante função social. Há portanto mecanismos jurídicos constitucionais que dão amparo à manutenção da r. sentença, inclusive albergados pela Lei Nacional de Bases e Diretrizes da Educação (Lei 9394/96, artigo 53), eis que a dispensa do professor deve sempre ser motivada . Por outro viés de argumentação o ensino é função pública exercida excepcionalmente sob delegação do Estado. Os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, dispostos no art. 37 da Constituição Federal, serão aplicados no exercício da atividade delegada, pois a educação superior constitui uma função pública, que pode ser realizada por particulares, ou seja, agentes públicos que atuam em colaboração com o poder público através de delegação. Neste escopo, há que se ter em vista a atuação sob os limites dos princípios contidos no artigo 37 da Constituição Federal. Assim, o procedimento de ruptura sob a modalidade dispensa sem justa causa não pode prevalecer, havendo pois necessidade de motivação do ato da dispensa, bem como a preservação do direito à ampla defesa e contraditório.”
Convêm chamar atenção para o fato da jurisprudência e doutrina nacionais abordarem a Liberdade de Expressão, Liberdade Acadêmica e Liberdade de Cátedra como institutos que apresentam a mesma natureza jurídica, mas que a obra “Memória Jurisprudencial: Ministro Hahnemann Guimarães”, de autoria de Marcos Aurélio Pereira Valadão, eleva o caráter distintivo:
“Nota-se que a “liberdade de cátedra” assumiu relevo na decisão, por força de ser preceito constitucional expresso e por se apartar da própria “liberdade de expressão” como garantia geral. Vale destacar que o preceito foi repetido na Carta de 1967, porém afastado pela Emenda 1 de 1969 (Constituição de 1969), e não foi repetido, com as mesmas letras (e sua força histórica), nem na festejada Constituição cidadã de 1988. O regime implantado em 1964 acirrou-se, especialmente a partir de 1967, chegando a ocorrer uma “revolução dentro da revolução” em 1968. Nessa fase, universidades foram ocupadas, e professores banidos, provocando uma queda de qualidade nas escolas superiores brasileiras. Sob o pretexto de se combater a expansão das ideologias de “esquerda”, eliminou-se, na prática, a liberdade de cátedra”.
Na ordem jurídica brasileira a pacificação de conflitos educacionais sob o qual incidiriam o princípio da Liberdade Acadêmica tem, comumente, sido abordada sob o enfoque da Liberdade de Expressão Científica, conforme constatado na obra “A Constituição e o Supremo”, publicada em 2011, que não traz referência a julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) com o título “Liberdade Acadêmica”. Esta constatação é reforçada na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 3510/DF que aborda a Lei de Biossegurança, e que traz e restrições a estudos pesquisas nacionais inseridas em relações juspedagógicas.
“O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICAÇÃO DESSA LIBERDADE. O termo “ciência”, enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas” (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen Lúcia). ”
No âmbito internacional a Liberdade Acadêmica é conceituada na “Recomendação relativa à Condição do Pessoal Docente do Ensino Superior”, adotada na Conferência Geralda ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), reunida em Paris de 21 de outubro a 12 de novembro de 1997, com o documento reconhecido e empregado pelo Conselho Nacional de Educação no Parecer CNE/CP 8/2012, que dispões sobre as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (MEC, 2012):
“27.The maintaining of the above international standards should be upheld in the interest of higher education internationally and within the country. To do so, the principle of academic freedom should be scrupulously observed. Higher education teaching personnel are entitled to the maintaining of academic freedom, that is to say, the right, without constriction by prescribed doctrine, to freedom of teaching and discussion, freedom in carrying out research and disseminating and publishing the results thereof, freedom to express freely their opinion about the institution or system in which they work, freedom from institutional censorship and freedom to participate in professional or representative academic bodies. All higher education teaching personnel should have the right to fulfil their functions without discrimination of any kind and without fear of repression by the state or any other source. Higher education teaching personnel can effectively do justice to this principle if the environment in which they operate is conducive, which requires a democratic atmosphere; hence the challenge for all of developing a democratic society”. (grifo nosso)
Apesar da “Recomendação relativa à Condição do Pessoal Docente do Ensino Superior” adotada na Conferência Geral da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)fazer referência à Educação Superior, restringindo a liberdade acadêmica aos docentes universitários, a imposição de princípios educacionais comuns constitucionais na Carta Magna brasileira faz irradiar a Liberdade Acadêmica na completude do sistema de ensino nacional, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), uma vez que tal restrição implicaria em uma discriminação aos indivíduos inseridos nos processos formativos dos indivíduos, intrínsecos ao processo de ensino-aprendizagem e presentes nas relações juspedagógicas.
Convém destacar que, apesar de estudiosos descreverem o princípio da autonomia universitária como pressuposto da liberdade acadêmica, data venia, éneste princípio, com as limitações teleológicas constitucionais inerentes ao ensino,que são edificados os fundamentos para o estabelecimento da garantia constitucional de autonomia às instituições universitárias no Brasil (art. 207 CR), conforme ratificado pela explanação da “LeagueofEuropeanResearchUniversities” no artigo “AcademicFreedom as a Fundamental Right (2011). A jurisprudência já apresenta o entendimento de que os princípios da Autonomia Universitária e da Liberdade de Cátedra são distintos, conforme observa-se no acórdão do Tribunal Regional Federal da 5º Região:
“APELAÇÃO CÍVEL 549041-PB
EMENTA: ADMINISTRATIVO. PÓS-GRADUAÇÃO. DESLIGAMENTO DE PROGRAMA DE MESTRADO. NÃO PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE DISSERTAÇÃO. ASPECTOS ACADÊMICOS INSUFICIENTES PARA CONCLUSÃO SATISFATÓRIA DO TRABALHO FINAL. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DIDÁTICO-CIENTÍFICA.
1. Apelação interposta em face da sentença que denegou a segurança que visava revogar o ato que impediu a Apelante de apresentar sua dissertação de mestrado, bem como que lhe fosse assegurado o direito a ter novo professor/orientador e designação de nova data para apresentação de sua dissertação. 2. Ausência de comprovação de qualquer ato ou intenção da professora orientadora em prejudicar a Impetrante. A avaliação pelo professor/orientador em relação à qualidade da prova/trabalho/dissertação do aluno está resguardado pela autonomia didático-científica conferida pela Constituição Federal às Universidades brasileiras, bem como pelo direito à liberdade de cátedra também de índole constitucional garantido aos docentes, tornam induvidosa a improcedência do pedido da autora”.
De acordo com Aroldo Rodrigues a Liberdade Acadêmica é um dos valores mais fortemente arraigados entre os homens e mulheres de ciências, artes e letras, e é materializado no direito de ter opinião, discordar, filiar-se a uma posição filosófica, apoiar-se em uma determinada teoria e o dever de apresentar aos alunos vários pontos-de-vista [...].” (PAIM, 1979). De acordo com Olinto A. Pegoraroa liberdade acadêmica organiza-se em liberdade coletiva como justaposição de liberdades individuais, controladas por leis e autoridades hierárquicas. A liberdade individual limitar-se-ia ao sujeito, com o direito terminando onde começa o do outro, enquanto que a liberdade coletiva organizar-se-ia como justaposição de liberdades individuais, com delimitação no âmbito social, nos objetivos de manutenção social (PAIM, 1979).
Segundo Balakrishnam Rajagopal a Liberdade Acadêmica deve ser concebida como um direito humano, até porque a educação tem igual natureza, de maneira que não dependa de um sistema legal nacional de proteção, mas de dispositivos internacionais, com ações transnacionais que legitimariam a proteção aos agentes educacionais (RAJAGOPAL, 2003), concepção também defendida por Maria Tereza Uille Gomes na obra “Direito Humano à Educação e Políticas Públicas” (GOMES, 2011). Para Valério de Oliveira Mazzuoli a expressão Direitos Humanos é intrinsecamente ligada ao direito internacional público, prevista na ordem jurídica externa a dos Estados (MAZZUOLI, 2014), e em cujos instrumentos jurídicos básicos a educação é tutelada, impondo garantias aos sujeitos inseridos no processo de ensino-aprendizagem lato sensu, a ser amparados pela Liberdade Acadêmica.
4. LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A Liberdade de Expressão encontra-se manifesta no Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, especificamente no rol dos direitos e garantias individuais, que buscam proteger cada indivíduo isoladamente contra a ingerência indevida do Estado e estabelecer igualdade jurídica para os cidadãos (MAGALHÃES, 2008). Segundo Paulo Gonet Branco a Liberdade de Expressão é “um direito fundamental que tutela toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou qualquer pessoa, desde que não seja violenta ou colida com outros princípios constitucionais”. Este direito apresente-se como corolário da dignidade humana, instrumento necessário para a manutenção do sistema democrático e está ligada a característica de sociabilidade, indispensável ao ser humano (MENDES, 2007). Neste contexto, a Liberdade de Expressão, diferentemente da Liberdade Acadêmica, não tutela a educação como o produto de processos formativos no âmbito do processo ensino-aprendizagem.
Importante julgado que abordou a Liberdade de Expressão encontra-se na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 130/DF em face da Lei 5.250/1967, que regula a liberdade de pensamento e de manifestação, e cujo acórdão declarou não ter sido esta lei recepcionada pela ordem constitucional de 1988 por ferir princípios constitucionais. Destaca-se também o voto do Ministro do Egrégio Tribunal Celso de Mello no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187, em que ressalta a Liberdade de Expressão:
“Nesse contexto, a questionada (e tão reprimida) “Macha da Maconha” é bem a evidência de como se interconexionam as liberdades constitucionais de reunião (direito-meio) e de manifestação do pensamento (direito-fim ou, na expressão de Pedro Lessa, “direito-escopo”), além do direito de petição, todos eles igualmente merecedores do amparo do Estado, cujas autoridades – longe de transgredirem tais prerrogativas fundamentais – deveriam protegê-las, revelando tolerância e respeito por aqueles que, congregando-se em espaços públicos, pacificamente, sem armas, apenas pretendem, Senhor Presidente, valendo-se, legitimamente, do direito à livre expressão de suas ideias e opiniões, transmitir, mediante concreto exercício do direito de petição, mensagem de abolicionismo penal quanto à vigente incriminação do uso de drogas ilícitas”.
Em julgado recente da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4815 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), chama atenção o fato das biografias terem sido analisadas sob a ótica do direito individual, ou seja, não inseridas no contexto do processo de ensino-aprendizagem, o que as elevaria ao patamar de direito social. O acórdão do STF declara a inexigência de autorização prévia dos biografados para a publicação de biografias, e o fundamento deste entendimento encontra-se na Liberdade de Expressão, evidenciado na conclusão do voto da Ministra relatora Carmen Lúcia:
“Conclusão pelo exposto, julgo procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para,
a) em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas);
b) reafirmar o direito à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, nos termos do inc. X do art. 5º da Constituição da República, cuja transgressão haverá de se reparar mediante indenização”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos determina, no artigo XIX, que “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Este direito encontra-se tutela do também no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Pacto Civil), promulgado pelo Decreto 592/1992, que no art. 19 determina:
“1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”.
Na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto 678/1992, a liberdade de expressão é estabelecida:
“1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou,
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas”. (grifo nosso)
De acordo com José Luiz Quadros de Magalhães são diversas as formas de expressão de pensamento que vão constituir as liberdades derivadas do direito individual de se expressar livremente, de modo que a liberdade de expressão compreenderia: liberdade de palavra e de prestar informações, liberdade de imprensa, liberdade de ciência, liberdade de expressão artística, liberdade de culto, sigilo de correspondência de comunicações telegráficas e telefônicas, e o autor inclui neste rol a liberdade de ensino (MAGALHÃES, 2008). Para André Ramos Tavares a Liberdade de Expressão tem como elemento ensejador a intenção de conceder ao homem a prerrogativa de ser soberano sobre si mesmo, de ser autônomo, essencial à realização pessoal e à expressão da personalidade individual (TAVARES, 2012).
5. CONCLUSÃO
A Doutrina e a Jurisprudência pátria não fazem distinção entre Liberdade Acadêmica e Liberdade de Expressão, muito embora sejam institutos distintos, com origens diferentes, natureza jurídica diversa, com finalidades e fundamentos próprios. A Liberdade Acadêmica é um direito fundamental social de segunda geração, que foi evoluindo e se especificando ao longo dos anos até assumir também as feições de um direito de terceira geração, tendo em vista, notadamente, seu caráter coletivo, uma vez que é fundamento da educação. E desta forma abrangeria todos os indivíduos que tomam parte nas relações juspedagócicas inerentes ao processo de ensino-aprendizagem, visando a concretização dos fins constitucionais do direito à educação. Entretanto, no sistema jurídico pátrio inexiste garantias infraconstitucionais para os sujeitos da relação juspedagógicas efetivarem a liberdade acadêmica, mas o direito a educação, reconhecido como direito humano fundamental, assegura aos atores do processo de ensino-aprendizagem um sistema normativo internacional de proteção, com limitações estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil.
A Liberdade Acadêmica não se confunde com a Liberdade de Expressão, contudo, revela-se como um corolário mais amplo desta, e essencialmente como um desdobramento e mecanismo construtor da dignidade humana, pois privar um cidadão da educação é uma afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República, esculpido no art. 1º, III da Carta Cidadã. Dificilmente alguém pode ter acesso a um emprego digno, ao exercício da liberdade de expressão ou de participação, se não se tem educação. A Liberdade de Expressão busca coibir abusos do Estado, propiciando um ambiente sem censura, pluralista, capaz de estimular o desenvolvimento social, político, cultural, onde as pessoas sintam-se livres para propagar suas ideias e opiniões, enquanto que a Liberdade Acadêmica visa tutelar objetivos mais específicos, a construção de ideias, a pesquisa científica, a descoberta de novas verdades e métodos científicos, o senso de independência intelectual e cultural e o desenvolvimento do progresso social (BARENDT, 2010), por conseguinte é forte instrumento para assegurar a perseguição dos objetivos fundamentais da República, prescritos no art. 3º da Lei Maior.