Julgamento com perspectiva de gênero A obrigatoriedade do protocolo resolverá o estigma social incrustado no judiciário?


28/07/2023 às 10h15
Por Thais Momesso

O julgamento com perspectiva de gênero é uma abordagem fundamental para garantir a igualdade de tratamento e a justiça. Essa abordagem leva em conta as desigualdades históricas e sociais entre os gêneros e como elas podem afetar o julgamento de um caso. Como destacou a Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, em um evento sobre gênero e direito em 2018: "a perspectiva de gênero é um olhar diferenciado para as questões que envolvem as diferenças sexuais, sociais e culturais existentes na sociedade" (Agência Brasil, 2018).

 Em 17 de março de 2023 foi publicada a resolução de número 492 que trata exatamente desse tema, onde passa a exigir a obrigatoriedade da adoção do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero em todo o poder judiciário. Compreendendo que as influências do patriarcado, do machismo, do sexismo, do racismo e da homofobia perpassam todas as áreas do direito, afetando a interpretação e aplicação das leis, um grupo de trabalho designado pelo CNJ produziu este documento com o intuito de promover a formação de uma cultura jurídica que valorize a emancipação e o reconhecimento dos direitos de todos.

 A estrutura do protocolo tem como objetivo orientar a magistratura a adotar a perspectiva de gênero, a fim de superar estereótipos e preconceitos que possam influenciar os julgamentos. O documento brasileiro foi inspirado em protocolos semelhantes adotados pelo sistema judicial de países latino-americanos vizinhos, como México, Chile, Bolívia, Colômbia e Uruguai, e está dividido em três partes.

 Infelizmente, existem muitos casos em que não há julgamento com perspectiva de gênero e, consequentemente, nos deparamos com decisões injustas e discriminatórias. Abaixo, listo alguns exemplos:

  1. Em casos de violência doméstica, muitas vezes as vítimas são culpabilizadas e responsabilizadas pelo ocorrido, ignorando as dinâmicas de poder presentes em relacionamentos abusivos e reforçando estereótipos de gênero. Isso acontece porque o sistema jurídico muitas vezes não está preparado para lidar com casos de violência de gênero e não adota uma perspectiva sensível às particularidades desse tipo de violência.
  2. Em processos de divórcio, a guarda dos filhos muitas vezes é concedida automaticamente à mãe, sem considerar a capacidade e o interesse do pai em exercer a guarda compartilhada. Isso reflete uma visão estereotipada da mulher como a principal cuidadora dos filhos e ignora o papel dos pais na criação e educação dos filhos.
  3. Em casos de assédio sexual no ambiente de trabalho, muitas vezes a vítima é colocada em xeque e questionada sobre sua conduta ou vestimenta, em vez de ser tratada como a vítima de um crime. Isso reflete uma cultura de tolerância ao assédio e à violência sexual, além de estereótipos de gênero que culpabilizam as mulheres pela violência que sofrem.

 Esses são apenas alguns exemplos, mas existem muitos outros casos em que a falta de perspectiva de gênero resultou em decisões injustas e discriminatórias. É importante que o sistema jurídico esteja atento a essas questões e adote uma abordagem sensível às questões de gênero em seus julgamentos.

 Mudar a cultura jurídica e adotar uma abordagem sensível às questões de gênero no sistema de justiça é um processo complexo que envolve ações em diversos níveis. Algumas possíveis formas de promover essa mudança são:

  1. Capacitação e formação: É fundamental que os profissionais do direito, incluindo juízes, advogados e promotores, recebam capacitação e formação adequadas sobre questões de gênero, para que possam compreender as particularidades dessas questões em seus julgamentos.
  2. Sensibilização e conscientização: É importante que a sociedade em geral seja sensibilizada e conscientizada sobre questões de gênero, a fim de que haja um ambiente propício para a mudança de cultura no sistema de justiça. Campanhas de conscientização, debates e fóruns de discussão podem ajudar nesse sentido.
  3. Implementação de políticas e diretrizes: As instituições do sistema de justiça podem adotar políticas e diretrizes que orientem a adoção de uma perspectiva de gênero nos julgamentos, como é o caso do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ.
  4. Fortalecimento de redes e parcerias: O fortalecimento de redes e parcerias entre instituições governamentais e não governamentais que trabalham em prol da igualdade de gênero pode contribuir para a promoção de mudanças no sistema de justiça.

 Essas são apenas algumas das possíveis formas de promover a mudança no sistema de justiça e adotar uma abordagem sensível às questões de gênero nos julgamentos. É importante ressaltar que essa é uma mudança gradual, que exige esforços contínuos e permanentes para que se torne uma realidade em todas as instâncias do sistema de justiça.

  • Perspectiva de gênero
  • Resolução CNJ
  • Resolução CNPJ 492
  • Gênero

Thais Momesso

Advogado - Sorocaba, SP


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