Que o Feminicídio é o último e mais gravoso estágio da violência contra a mulher, já sabemos. O que precisamos nos atentar para buscar uma possível mudança são os seus aspectos em nossa sociedade, bem como toda trajetória desse crime, visando seus primórdios, entendendo como surge e se consuma, fazendo-se necessário contextualizar os conceitos desse crime.
Podemos, inicialmente, destacarmos que o feminicídio não se trata de um crime novo dentro da sociedade, mesmo sendo tipificado em nosso ordenamento jurídico muito recentemente, em 2015. As mulheres morrem pelos motivos elencados no tipo penal, de todas as formas e durante todo percurso do tempo até os dias atuais.
Para começarmos a entender de onde surge a ideia de trazermos uma lei específica para tipificar esse crime em nosso ordenamento, temos que reconhecer a nossa sociedade como um todo e entender sua cronologia, admitindo seu modo patriarcal e reconhecendo os seus aspectos ao longo da história.
Trazendo a tona o conceito de uma sociedade patriarcal, lemos a seguir Stela Nazareth Meneguel e Ana Paula Portella (2017), que destacam:
''O assassinato de mulheres é habitual no regime patriarcal, no qual elas estão submetidas ao controle dos homens, quer sejam maridos, familiares ou desconhecidos. As causas destes crimes não se devem a condições patológicas dos ofensores, mas ao desejo de posse das mulheres, em muitas situações culpabilizadas por não cumprirem os papéis de gênero designados pela cultura. As violências contra as mulheres compreendem um amplo leque de agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial que ocorrem em um continuum que pode culminar com a morte por homicídio, fato que tem sido denominado de femicídio ou feminicídio. No seminário internacional realizado em 2005, Feminicídio, Política e Direito, Diana Russel considerou adequada a tradução do inglês “femicide” para o espanhol “femicídio”, para evitar a feminização da palavra homicídio. Porém, autores como Marcela Lagarde diferenciam femicídio, ou assassinato de mulheres, de feminicídio, ou assassinato de mulheres pautado em gênero em contextos de negligência do Estado em relação a estas mortes, configurando crime de lesa humanidade (MENEGHEL; PORTELLA, 2017)''
Patriarcado é comumente usado para mostrar como a opressão e a desigualdade de gênero não são ocorrências esporádicas ou excepcionais. Ao contrário, são questões que atravessam toda a sociedade, fundamentalmente reproduzidas através de mecanismos que não podem ser explicados no nível individual.
Entendemos assim, que o papel social atribuído ao homem ao longo do tempo em nossa sociedade é de dominação sobre a figura feminina, objetificando a mulher como algo passível de posse, seja do pai ou de um marido, e reconheçamos que sempre, enquanto sociedade, tivemos essa ideia incrustada de subordinação do feminino, o que vem causando nas últimas décadas grande argumentação contra padrões patriarcais reproduzidos automático e historicamente.
Para Matos e Paradis (2014) o patriarcado é uma forma de organização social, onde as mulheres são subordinadas aos homens e os jovens são subordinados aos homens mais velhos.
Analisando o lado histórico, entendemos que essa percepção da subordinação da mulher nasce junto com ela, normalmente dentro do lar, na instrução de aceitar a todo e qualquer custo o que o homem, dito ‘chefe da família’ (o que sabemos que mudou consideravelmente nos últimos tempos) lhe impor, e supostamente em um futuro, vindo a aceitar as mesmas condições de seu marido. Essas normas e valores tem base na cultura ao longo do tempo, ao analisarmos todos os aspectos, assim como ao casar-se, há algumas décadas, uma mulher deixava de ser propriedade de seu pai e passava a ser propriedade de seu então marido, não podendo optar ou responsabilizar-se por seus atos individuais.
Com a percepção ao longo dos anos, das relações de subordinação não saudáveis, nasce a obrigação do Estado em proteger essas mulheres, através de normas jurídicas mais severas. E cabe á sociedade como um todo desconstruir ideias históricas que permeamos sem perceber, á todo instante.
É claro que é responsabilidade do Judiciário assegurar o acesso das mulheres em situação de violência à justiça, nos termos da Lei Maria da Penha, mas é responsabilidade de toda uma sociedade o futuro que será construído ou descontruído no ponto de vista patriarcal.