A Cadeia de Vendas Oculta dos Bancos e a Facilitação dos Golpes


13/04/2023 às 21h08
Por Susanne Schaefer | Schaefer & Souza Advogados Associados

O Brasil possui 207,8 milhões de habitantes segundo censo prévio de 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de outra banda, em nosso país existem apenas 171 Bancos em atividade, além de outras 537 instituições como por exemplo Agencias de Investimento, Sociedades Corretoras, de Crédito Imobiliário, de Arrendamento Mercantil, e Instituições de Pagamento, espalhadas pelo Brasil.[1]

 

Pelos dados acima não é difícil perceber que o número de bancos versus o número de habitantes é muito baixo, mesmo considerando apenas a parcela apta a contratação de produtos e serviços bancários. Tal cenário impõe as Instituições Financeiras que desejam obter uma maior captação de clientes e suporte a suas atividades a necessidade de possuir uma ampla rede de atendimento, muito além das suas agências bancárias, especialmente porque manter a estrutura de uma agencia física para atendimento ao consumidor é algo caro, muito caro.

 

Com o advento da Pandemia COVID-19 aliado a criação do sistema PIX em novembro de 2020 houve o surgimento de uma nova era, aonde consumidores cada vez menos comparecem a uma agência bancária presencial e tal mudança de comportamento já foi sentida no setor, pois dados mais recentes do Banco Central mostram que atualmente existem apenas 17.348 agências bancárias no país, uma queda de 25,1% em relação ao ano de 2015.[2]

 

Mas, a diminuição do número de agências bancárias físicas não significa uma redução da rede de atendimento e captação bancária em si, isso porque, há toda uma cadeia de vendas que além das Instituições Financeiras, passa por seus correspondentes bancários que são contratados para executar atividades regulamentadas em nome do banco e recebem comissões por tais serviços prestados e essa extensão de atendimento por intermediação não é de hoje, mas com certeza se fortaleceu ao longo dos últimos anos.

 

O correspondente bancário é responsável por intermediar as relações entre as Instituições Financeiras e os clientes, facilitando o acesso aos serviços bancários como empréstimos, consórcios e financiamentos, sendo um verdadeiro facilitador no relacionamento entre cliente e banco e sua atividade é regulamentada pela Resolução nº 3.954, de 24 de fevereiro de 2011, dentre outras normativas.[3]

 

Nas empresas correspondentes, atuam os chamados agentes de crédito que são os profissionais responsáveis nos processos de atendimento e operacional para a concessão de crédito em uma correspondente bancária, essa profissão foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2009, sendo que o Banco Central tornou obrigatório inclusive que o profissional possua um certificado para intermediar a liberação de crédito.

 

Assim, os bancos a cada dia diminuem seu contato direto com seus clientes e investem mais na contratação de correspondentes que atuam perante o consumidor final de forma “terceirizada”, abrindo contas, ofertando créditos, seguros, financiamentos e outros produtos, conforme o limite de sua atuação pré-determinado no contrato entre cada banco e correspondente, sendo o banco responsável legal por suas atividades. Nesse sentido o artigo 2º da resolução 3.954/2011 do Bacen:

 

Art. 2º O correspondente atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado, à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulamentação relativa a essas transações.

 

Para as Instituições Financeiras é um ótimo modelo de expansão enxuta, pois, quando diminuem a quantidade de suas agências físicas e contratam correspondentes mediante mero comissionamento, reduzem também seus custos com estrutura, funcionários diretos, passivo trabalhista e uma série de impostos. Já para as empresas que atuam como correspondentes, há o benefício de poderem se valer da já preestabelecida credibilidade e autoridade bancária que gera confiança perante o consumidor, trazendo assim a possibilidade de bons ganhos mediante a captação de novos clientes e atendimento a carteira já conquistada pelo Banco, que a disponibiliza ao correspondente com dados dos consumidores para que busquem manter uma fidelização através da frequente oferta de novos produtos.

 

Logo tal cadeia de vendas conta, logo após o atendimento direto do banco ao consumidor, com a figura do correspondente bancário, que sendo empresa contratada formalmente pelo banco e regulamentada de acordo com as Normas do Banco Central, atua perante o consumidor como verdadeiro “intermediador bancário”, que fala em nome do banco e transmite ofertas e condições de empréstimos e financiamentos, por exemplo.

 

Porém, essa é a cadeia de vendas que está na superfície de percepção, a qual a existência é legal e admitida pelas Instituições Financeiras e pela qual os Bancos são facilmente reconhecidos como responsáveis quando ocorre uma falha na prestação de serviços, mas após o correspondente bancário, a cadeia de vendas continua e as vezes, de forma irregular.

 

O ponto é que tal continuidade não se dá sempre através de agentes de crédito que trabalham no correspondente diretamente vinculado ao banco, como seus funcionários ou por prestadores de serviços formais com substabelecimento autorizado pelo banco, mas sim através de outras empresas que prestam serviços informalmente aquele correspondente bancário, assumindo os poderes que esse recebeu do banco gerando uma verdadeira “quarteirização oculta” da atividade bancária.

 

O fato é que os correspondentes bancários também desejam expandir sua atividade do mesmo modo que os bancos e não querem precisar contratar muitos funcionários registrados ou prestadores de serviços diretos para tal finalidade mas o problema é que nem sempre esse substabelecimento é permitido.

 

Em que pese a norma legal permitir o substabelecimento da atividade do correspondente a outra empresa (vide art. 7º, § 1° da mesma norma), esse só é permitido em um único nível e somente se o contrato inicial prever essa possibilidade e as condições para sua efetivação, entre as quais a anuência da do Banco.

 

Assim, para que o correspondente possa substabelecer uma outra empresa para realizar suas atividades confiadas pelo banco, o contrato com o banco deve prever essa possibilidade e uma vez que haja tal intenção, o banco deve ser consultado para negar ou anuir, ao passo que é responsável por toda cadeia de vendas.

 

Os contratos de prestação de serviços entre as Instituições Bancárias e os Correspondentes no país em geral preveem uma vedação padrão ao substabelecimento de poderes do correspondente bancário, mas isso não tem impedido que essa quarteirização ocorra na prática.

 

Muitos correspondentes substabelecem seus poderes cedendo logins bancários e com eles, informações sigilosas de clientes e poder de inclusão de propostas na esteira bancária mesmo sem anuência formal do banco. Quando não cedem o login do sistema bancário, delegam as atividades de captação e negociação, passando então a receber destes substabelecidos a documentação para digitação de propostas de clientes que a correspondente bancária em si nunca teve contato, facilitando assim fraudes na negociação.

 

Esse substabelecimento a outras empresas menores no ramo de crédito ou até mesmo pessoas físicas para efetuar captação e atendimento e esses substabelecidos (parceiros informais perante o banco) permite que essas consigam ostentar perante o consumidor o status de correspondente bancário em função do acesso e informações sigilosas cedidas pelo correspondente direto do banco.

 

Logo, é estabelecido um elo muito fraco na cadeia de vendas, pois ao mesmo tempo que a empresa correspondente do banco deposita sua credibilidade e poderes em outra empresa, o banco, mesmo diante de todos os indícios de que parte dos contratos recebidos por determinado correspondente não foram efetivamente vendidos por ele, mas por outra empresa e agentes de crédito que desconhece, faz vista grossa visando apenas o lucro na atividade e assim, negligencia a segurança das operações bancárias vendidas ao consumidor final.

 

É neste contexto que o consumidor fica rendido.

 

Sem qualquer pretensão de generalizar toda uma classe de empresas prestadoras de serviços aos correspondentes, infelizmente algumas dessas empresas se aproveitam do acesso a esteira de vendas bancária e credibilidade que recebem perante o consumidor para prática de golpes, como por exemplo, induzir o consumidor a erro, realizando fraudes em empréstimos e tirando vantagens indevidas. Fazem isso porque pensam que estão “fora do radar”.

 

Quando uma dessas empresas (e as vezes até mesmo pessoas físicas) substabelecido(a)s pelo correspondente bancário cometem uma falha de prestação de serviços ou praticam golpe e o consumidor recorre ao banco para pedir ajuda ou até mesmo aciona a justiça, o banco por vezes acaba se apoiando covardemente em uma narrativa de que “não teria culpa pelo ocorrido” pois “a empresa que falou com o cliente não é sua correspondente”.

 

Ou seja, o banco delega poderes ao correspondente, possuindo dever de fiscalizar as atividades desse e a legitimidade das operações intermediadas (inclusive verificar se há ou não quarteirização indevida) e o correspondente delega esses poderes ao substabelecido, sendo clara a existência da cadeia de vendas, mas, quando surge uma lesão ao consumidor o banco nega sua responsabilidade, como se não possuísse o dever de assumir o risco da sua atividade (art. 927 do Código Civil) ou como se não houvesse lucrado com essa mesma amplitude da cadeia de vendas.

 

Isso tem ocorrido recorrentemente em muitos casos de fraudes bancárias, especialmente no “Golpe da Falsa Portabilidade” e “Redução de Parcelas”, nos quais a empresa que contata o consumidor promete falsas vantagens de redução de juros, conseguindo induzir o cliente a erro, formalizando contratação de um novo empréstimo em nome dele e quando o valor cai na conta do cliente o induzem a repassar ao “correspondente” para suposta finalização da operação de portabilidade/redução,  a qual no final nunca se concretiza, se apropriando a empresa do valor repassado e deixando o consumidor com mais um empréstimo no seu nome.

 

O resultado de golpes como esses é prejuízo ao consumidor, pois a vítima obtém uma nova dívida não desejada e quando descobre a fraude, como o dinheiro do empréstimo não está em seu poder para devolver ao banco, encontra resistência do mesmo no cancelamento do contrato e exclusão da parcela da fraude e essa é uma clássica situação aonde os bancos alegam a existência de duas excludentes de ilicitude, a “culpa exclusiva de terceiro” e a “culpa exclusiva da vítima”, previstas no art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Os bancos tem até mesmo alegado culpa de terceiros em casos de fraudes comprovadamente praticadas por seus correspondentes diretos, que são legalmente sua extensão perante o consumidor! um absurdo. Quando a fraude é praticada pela empresa “quarteirizada” ocultamente a situação para o consumidor é ainda pior, pois se torna mais difícil (mas não impossível) demonstrar a existência da cadeia de vendas, mesmo conseguindo a inversão do ônus da prova.

 

Quando a vítima entra com um processo judicial de anulação de um débito fruto de um golpe/fraude, os bancos nunca juntam aos autos o seu contrato de prestação de serviços com o correspondente que digitou o contrato no sistema, justamente para buscar ocultar sua responsabilidade, seja pela ação lesiva ao consumidor daquele correspondente, seja pela ação lesiva da empresa substabelecida pelo correspondente, pois o contrato demonstraria se naquele caso, houve a autorização para aquele correspondente substabelecer, o que prejudicaria a narrativa bancária de exclusão de sua culpa.

 

Mesmo havendo entendimento pacífico no STJ (Súmula 479) sobre a responsabilidade objetiva das Instituições Financeiras por fortuitos internos relativos a fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias, o objetivo dos bancos é tentar demonstrar que o fortuito nesses casos, seria externo. Mas pela ótica legal o correspondente bancário representa diretamente o banco perante o consumidor e quando esse decide delegar sua atividade, o banco através do risco da atividade e especialmente pelo seu dever de fiscalização, se mantem responsável por toda oferta feita ao consumidor final.

 

Registre-se ainda que os correspondentes diretos do banco que substabeleceram outra empresa para captação e negociação, quando incluídos no polo passivo de uma ação que contesta a validade de um empréstimo digitado por eles (mas não captado e negociado), raramente admitem a existência dessa outra empresa como sua parceira de negócios e mesmo sem juntar qualquer elemento de prova de que efetivamente negociaram com o cliente, sustentam genericamente que a operação é legítima e que não possui vícios.

 

Por todo exposto, para que se consiga um reconhecimento pelo do judiciário da existência da cadeia de vendas em casos de “quarteirização oculta” da atividade bancária, evidenciando-se assim a responsabilidade dos bancos, o advogado do consumidor vítima de fraude necessitará aplicar boa exposição lógica dos fatos que levaram a consumação da fraude ter domínio para explicitar o funcionamento do sistema de captação, negociação, digitação e averbação dos contratos de empréstimos a fim facilitar ao magistrado que forme seu convencimento acerca da inaplicabilidade dos excludentes de ilicitude arguidas pelas casas bancárias.

 

Do contrário, o consumidor que foi induzido a erro pode acabar amargando um prejuízo de forma definitiva, por conta de uma falha na cadeia de vendas que permite a atuação “oculta” de empresas mal intencionadas, que só conseguem acesso ao sistema bancário por falha dos bancos na contratação e fiscalização de seus correspondentes.

 

Não se deve deixar que uma facilidade comercial gozada pelas Instituições Bancárias seja ao mesmo tempo uma grave vulnerabilidade ao consumidor, hipossuficiente na relação de consumo e que merece ser atendido sempre de forma honesta, com clareza de informações e segurança de seus dados.

 

| Susanne Vale Diniz Schaefer |

 

Advogada Pós-graduada em Direito civil e Processo Civil pela Faculdade Legale Educacional em São Paulo. Membro da Comissão de Direito Bancário e Comissão de Defesa do Consumidor na OAB Santos-SP.

 

Agente de Crédito Bancária certificada de acordo com as normas do Banco Central, com mais de seis anos de experiência prática na área bancária especialista em crédito consignado.

 

Sócia fundadora na Schaefer e Souza Advogados Associados, com equipe focada em processos envolvendo fraudes bancárias, possuindo o escritório além de área de amplo atendimento ao consumidor, nichos de atuação na esfera do direito civil, empresarial, trabalhista e previdenciário.

 

Autora do Canal “Via do Direito” no YouTube onde se compartilham conhecimentos sobre direitos, especialmente conscientizando consumidores e ensinando como evitar e como lidar com fraudes envolvendo crédito consignado.

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  • RESOLUÇÃO 3.954/2011 BACEN
  • BANCO CENTRAL
  • DIREITO BANCÁRIO

Referências

[1] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/relacao_instituicoes_funcionamento

[2] https://www.google.com/search?q=n%C3%BAmero+de+agencias+banc%C3%A1rias+no+brasil&rlz=1C1CHZN_pt-BRBR935BR935&oq=n%C3%BAmero+de+agencias+banc%C3%A1rias+no+brasil&aqs=chrome..69i57j0i22i30.10591j0j9&sourceid=chrome&ie=UTF-8

[3] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2011/pdf/res_3954_v7_L.pdf


Susanne Schaefer | Schaefer & Souza Advogados Associados

Escritório de Advocacia - Santos, SP


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