Movimentos separatistas sejam europeus como nas regiões da Catalunha, Escócia, Baviera, Córsega e Criméia, ou mesmo brasileiro como “O Sul é meu país”, vão de encontro com os valores mais caros de um estado, quais sejam: indissolubilidade e indivisibilidade. Mostram-se incompatíveis com a ordem democrática de direito e, por vezes, são inspirados por desigualdades econômicas e sociais, racismo ou intolerância religiosa.
Pouco mais de um mês após sofrer forte ataque terrorista que deixou ao menos cem feridos, Barcelona voltou a ser destaque no cenário mundial em razão do processo de independência frente ao território espanhol. Esse movimento que culminou no plebiscito ocorrido no primeiro domingo de outubro deste ano, consultou mais de dois milhões de catalães que decidiram, quase unanimemente, pela independência. Tal movimento pró-separatista foi marcado por violentas manifestações e logrou fazer nove vezes mais vítimas que o atentado promovido pelo EI no mês anterior.
Um dos principais lemas levantados pela campanha divisionista lastreia-se na ideia democrática de sufrágio, ou seja, votar a legítima aspiração social do povo, algo hodiernamente consolidado. Referido direito, fruto da primeira dimensão dos direitos fundamentais é marcado, entre outros, pelo absenteísmo estatal e encontra-se presente em qualquer constituiçãocontemporânea que se diga democrática. Com argumentos pautados nos alicerces mais sólidos dos direitos fundamentais, qual seja: a representação popular direta, a legitimidade da causa catalã parece algo irrefutável e digno de apoio universal incondicionado.
Infelizmente a realidade não é bem assim! Cabe lembrar, aos mais apressados, que referendos e manifestações “populares” também já foram utilizados pelas piores ditaduras mundiais.
Ocupantes nazistas na Áustria fizeram com que a anexação ao Terceiro Reich fosse ratificada por essa via. Neste caso o “sim” aparecia na cédula em tamanho bem superior ao “não”, resultando em 99,73% a favor. Já o Franquismo, por sua vez, procurou se legitimar da mesma maneira, sem liberdade para divergências e sem que houvesse partidos ou quaisquer direitos democráticos, resultando em 95% a favor.
Alerta a tais distorções a Comissão de Veneza, que monitora os referendos no continente europeu, tomou o cuidado de afirmar que um referendo como o catalão tem de ser promovido em um regime democrático e se ater ao marco constitucional. “Realizar um referendo inconstitucional vai de encontro a todos os padrões europeus”, definiu o Conselho Europeu ao se pronunciar o movimento pró-separatista da Crimeia. Essa mesma Comissão alertou, no caso catalão, que qualquer referendo teria de ser pactuado com o Governo Espanhol e ser “levado a cabo dentro do pleno respeito à Constituição”, o que não aconteceu, pois a lei catalã do referendo (suspensa pelo Tribunal Constitucional) se colocou acima e à margem da Constituição Nacional.
Ao lado da comissão de Veneza, a doutrina majoritária e a jurisprudência do Tribunal Constitucional Espanhol excetuam da possibilidade de submeter a referendo todas as questões que contradigam a unidade nacional e a integridade territorial citadas no artigo 2º daquela magna carta. Referendos contrários a normas constitucionais similares, como aconteceu no caso da separação da Crimeia, foram radicalmente desautorizados também pelo Conselho Europeu e pela Assembleia Geral da ONU.
Por seu turno movimentos separatistas Brasileiros tendem a incorrer em entraves constitucionais semelhantes. A Constituição Federal define que a República é “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”. Já, no artigo 60, determina aquelas questões não passíveis de alteração por emenda, a primeira delas “a forma federativa de Estado”. Como cláusula pétrea, em tese, sua modificação só poderia ocorrer com o advento de uma nova Assembleia Constituinte, não podendo ser superada, nem mesmo através de consulta popular, como o referendo, conforme ensina o professor de direito constitucional, doutor Paulo Schier.
Dircêo Torrecilhas Ramos, constitucionalista, também explica: “Só uma nova constituição pode prever a separação do sul. Essa mudança teria que ser ou com uma constituinte ou com uma revolução jurídica, que seria mudar a constituição contra a constituição”, algo, no mínimo, incipiente. Schier complementa que se, em um caso extremo, o movimento decretasse a independência à revelia das instituições brasileiras, o Estado brasileiro poderia fazer uma intervenção federal, prevista no artigo 34 da Constituiçãopara “manter a integridade nacional”.
De mais a mais vemos que a fragilidade das bases pró-separatistas não param nas barreiras constitucionais e estatais. Ao propagarem soluções mágicas como vantagens do desmembramento territorial, os movimentos separatistas, criam uma realidade própria e ignoram suas as bases econômicas, sociais, culturais e religiosas. Como se problemas estruturais do sistema vigente se resumissem em características regionais. Observa-se nos dias atuais uma difusão destes movimentos, não só os que almejam transformar o Sul em território autônomo; mas outros que querem o mesmo para o Nordeste brasileiro; outros galgam a divisão do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e assim por diante. A lista é imensa. A influência externa é depositária de toda a culpa pelos problemas estruturais, como se a separação regional fosse capaz de resolver questões como o desemprego, corrupção, marginalização, violência, saúde, entre outras mazelas sociais. De forma maniqueísta e preconceituosa, criam o “nós” e o “eles”. Tentam construir a ilusão da superioridade regional, como se o mal estivesse sempre diante das fronteiras. A separação passa a ser vendida como solução para todos os problemas estruturais.
Por todo o exposto, percebe-se que movimentos separatistas não só são incompatíveis com a ordem democrática de direito e valores básicos do estado, mas, por vezes, inspiram desigualdade, xenofobia e intolerância. Certamente, o convívio social e democrático no qual sejam respeitadas as diferenças, observados os mais diversos pontos de vista e convívio harmônicos entre raças e nacionalidades são os maiores desafios das sociedades contemporâneas como observou Benjamin Franklin, entretanto isso não faz da secessão uma saída, apenas uma fuga.