A denúncia protocolizada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente da Câmara dos Deputados apresenta um componente emblemático: Cunha teria recebido propina por meio de doação da empresa Toyo Setal à igreja evangélica Assembleia de Deus. Nos últimos anos, a trajetória política do parlamentar esteve diretamente atrelada ao elemento religioso, através do qual alavancou sua carreira, sobretudo pelo programa que apresentava na rádio evangélica Melodia FM.
O artigo 5º, VIII da Constituição assegura a todos liberdade de crença religiosa e política. Por outro lado, o preâmbulo da Constituição traz uma polêmica menção a Deus que muitos consideram imprópria dentro de um Estado laico. Em verdade, por não possuir caráter normativo, o preâmbulo não deve pautar a interpretação da atividade constitucional, como ocorre eventualmente. A esmagadora maioria de cristãos que compõem a população brasileira podem e devem estar representadas no Congresso Nacional, mas são necessárias algumas ponderações.
Qualquer liderança atuante em praticamente todos os segmentos (empresarial, religioso, sindical) assume um caráter político. Em âmbito religioso, o ativismo assume entornos polêmicos na medida em que o Estado não pode e não deve conceder privilégios a entidades religiosas pelo mero exercício de sua atividade. Isso não se aplica a hipóteses de cooperação administrativa para atividades de interesse público ou social; neste caso, o ente religioso assumiria um papel relevante de atuação conjunta com o Estado para atender a um fim social. Mas, eventuais benefícios concedidos pelo Poder Público não devem se confundir com crenças ou convicções religiosas.
O discurso entoado por parlamentares da bancada da bíblia em nada beneficia aos fiéis de suas congregações. O Deus que parlamentares como Eduardo Cunha defendem no âmbito dos cultos e pregações religiosas é o mesmo Deus que defendem quando advogam pelos interesses políticos das empresas que financiaram suas campanhas eleitorais.