Resposta a acusação: Princípio da insignificância


07/06/2018 às 17h31
Por Ivonildo Reis Santos

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA xª VARA CRIMINAL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA/DF

 

PROCESSO Nº.: xxxxxxxxxxxx

 

xxxxxxxxx, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem perante Vossa Excelência, por intermédio de advogado, com base nos arts. 396 e 396-A, ambos do Código de Processo Penal, apresentar

RESPOSTA À ACUSAÇÃO

pelos fatos e fundamentos a seguir narrados.

I – DOS FATOS

No dia xx de abril de xx, por volta das xxhs, no supermercado xxxx bairro, xxxxxxxx, o denunciado, com vontade livre e consciente, tentou subtrair para si, xxxxxxxx, pertencente ao estabelecimento xxxxxx.

Segundo consta nos autos, no dia, hora e local retrocitados, o funcionário xxxx, disse para o fiscal de perdas de o supermercado observar o denunciado dentro do mercado.

O denunciado entrou no estabelecimento e se aproximou do balcão em que ficam expostas algumas bandejas de xxxxx. Logo depois, o fiscal de perdas notou que o denunciado estava com um volume dentro da calça, suspeitando do furto. Funcionários abordaram o denunciado, levando-o a uma sala reservada para revistá-lo. No momento da revista uma bandeja de xxxxx caiu das vestes do denunciado, comprovando sua tentativa do furto. Momentos depois, a policia foi acionada e o denunciado conduzido a delegacia para as providencias necessárias, estando o acusado, assim, incurso nas penas do art. 155, caput c/c art. 14, caput, Inc. II do Código Penal.

O Ministério Público ofereceu denúncia no dia xxxx, tendo sido recebida por este Juízo no dia xxx, fls.xx.

O acusado não foi localizado por diversas tentativas, sendo citado por edital, conforme fl.xxx.

Sendo assim os autos foram remetidos a este xxxx no dia xxxx, para apresentar resposta à acusação.

II – DO DIREITO

DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O crime, sob a égide do conceito analítico, constitui-se de três elementos fundamentais. A ausência de quaisquer desses institutos desconfiguram o ato delituoso, afastando de imediato a aplicabilidade do jus puniendi estatal.

A definição de crime, nada mais é do que a verificação de que a conduta se trata de fato típico, antijurídico e culpável. Diante do fato ora em análise, atenta-se para a tipicidade e sua bipartição em tipicidade formal e a tipicidade material.

A tipicidade formal, na lição de Rogério Greco, “é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal” (GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Geral. Editora Impetus. 2004. Pág. 70), e esse elemento se faz presente no caso em tela.

O mesmo não pode ser dito quanto à tipicidade material. Ao se falar em tal tipicidade, constata-se que a conduta do agente não possui relevância jurídica, o que afasta a ingerência da tutela penal, em face do princípio da intervenção mínima.

Importa asseverar que ao criar o tipo penal incriminador, o legislador exprimiu a vontade de proteger bens juridicamente relevantes para a sociedade, de maneira que fosse justificável a atividade persecutória estatal. Amparadas pelo princípio da intervenção mínima, poucas são as condutas criminalizadas, e não poderia ser de outra forma num Estado de Direito que se supõe sustentado pelos mais elevados princípios e garantias fundamentais. Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete:

“A intervenção do Direito Penal é requisitada por uma necessidade mais elevada de proteção à coletividade, o direito deve consubstanciar em um injusto mais grave e revelar uma culpabilidade mais elevada; deve ser uma infração que merece sanção penal.O desvalor do resultado, o desvalor da ação e a reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um ‘exemplo insuportável’, que seria um mau precedente se o Estado não o reprimisse.” (Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal – 22ª. Ed. – São Paulo: Atlas, 2005.)

Ao selecionar os bens a serem protegidos pelo direito penal, seria impossível ao legislador antever todas as possíveis situações fáticas. Imperativo então a existência de um mecanismo próprio ao juízo para verificar a relevância social do fato concreto mesmo que formalmente criminoso.

Do acima exposto, conclui-se a importância fundamental da tipicidade material como um dos elementos formadores do tipo penal incriminador. A espécie em questão cumpre função complementar a do legislador, explicitando no caso concreto a vontade deste em limitar a atuação do Direito Penal. Portanto, constatada a ausência de tal elemento, não há que se falar em conduta criminosa.

Diante do exposto, verifica-se a ausência da tipicidade material no fato em análise. Tal princípio deve ser invocado sempre que o comportamento do autor for considerado irrelevante para o Direito Penal, não justificando o movimento da máquina estatal a fim de iniciar ou manter a persecução penal. Dessa feita, utilizamos recente julgado do pretório excelso para facilitar a compreensão de que estamos diante de uma situação que exige a aplicação do referido princípio:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANTECEDENTES CRIMINAIS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A questão de direito tratada neste writ, consoante a tese exposta pela impetrante na petição inicial, é a suposta atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base no princípio da insignificância. 2. Considero, na linha do pensamento jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, por ser mínima (ou nenhuma) a lesão, há de ser reconhecida a excludente de atipicidade representada pela aplicação do princípio da insignificância. O comportamento passa a ser considerado irrelevante sob a perspectiva do Direito Penal diante da ausência de ofensa ao bem jurídico protegido. 3. Como já analisou o Min. Celso de Mello, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP). 4. No presente caso, considero que tais vetores se fazem simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. 5. Não há que se ponderar o aspecto subjetivo para a configuração do princípio da insignificância. Precedentes. 6. Habeas Corpus concedido. (HC 102080/MS, Segunda Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Min. ELLEN GRACIE, julgado em 05/10/2010). (grifos nossos).

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DA TIPICIDADE MATERIAL. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância.

2. Reconhece-se a aplicação do referido princípio quando verificadas "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo Tribunal Federal, DJ de 19/11/04).

3. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade do comportamento do paciente, que subtraiu bens cujo valor se aproxima de R$ 100,00 (cem reais), sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta.

4. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal Federal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impedem a aplicação do princípio da insignificância.

5. Ordem concedida a fim de, aplicando o princípio da insignificância, absolver o paciente com base no art. 386, III do CPP, do crime de que cuida a Ação Penal nº 0476.06.004137-5, que tramitou perante a Vara Criminal da Comarca de Passa Quatro/MG. De ofício, estendo os efeitos desta decisão ao corréu Thiago Mota. (HC 171020 / MG, Min. Relator OG FERNANDES, Sexta Turma, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, julgado em 31/08/2010). (grifos nossos).

Verifica-se que a decisão do Superior Tribunal de Justiça ampara-se em precedente do Supremo Tribunal Federal, e coaduna com a linha de raciocínio da defesa. Ademais, observa-se também que os ilustres ministros elencaram vetores necessários para a constatação da atipicidade material e a conseqüente aplicação do principio da insignificância, quais sejam: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;inexpressividade da lesão jurídica provocada. Com efeito, observa-se que os citados pressupostos restaram preenchidos na espécie.

Assim, por mais que o acusado tenha supostamente preenchido o modelo abstrato do tipo penal, há de ser levado em conta que a conduta criminosa em questão não foi significativa à ótica social, nem se revestiu de uma reprovabilidade exacerbada. Há também de ser considerado o pequeno valor do bem, conforme valor anexado no produto de R$ xxxxx. Esse valor por si só já configura quantia ínfima para a preocupação do direito penal, que deveria cuidar de questões mais relevantes deixando esses problemas para outras searas do direito, logo, observa-se que este valor final perfaz aquém do salário mínimo vigente nos dias atuais o que revela a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Vale ressaltar que pelo que consta nos autos o bem supostamente furtado a muito tempo já teria sido restituído ao dono demonstrando que a vítima não teve qualquer prejuízo com o fato narrado na denuncia.

Consoante a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o princípio da insignificância é perfeitamente aplicável a situações como a ora tratada. A propósito, destaca-se o seguinte julgado:

PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO.

1. Aplica-se o Princípio da Insignificância quando o crime foi cometido sem violência à pessoa, os bens subtraídos pelo réu perfazem importância menor que a metade do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e foram todos restituídos à vítima. 2. Recurso conhecido e provido.

(Acórdão n.434653, 20080610107559EIR, Relator: ALFEU MACHADO, Revisor: LEILA ARLANCH, Câmara Criminal, Data de Julgamento: 19/07/2010, Publicado no DJE: 26/07/2010. Pág.: 54)

Nesse sentido, patrocinado pelos requisitos supracitados e pela doutrina tradicional e dominante, pugna-se pelo reconhecimento do princípio ora revelado, qual seja o da insignificância, uma vez que no caso em tela, verifica-se perfeitamente apropriada tal pretensão.

Assim, ante a causa de exclusão de tipicidade, a Defesa requer a absolvição sumária do réu, nos termos do art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal.

III. DOS PEDIDOS

Ante o exposto, a defesa técnica requer o que se segue:

1.) O recebimento da presente Resposta à Acusação;

2.) Que o acusado seja absolvido sumariamente ante a atipicidade do fato pelo princípio da bagatela com fulcro no artigo 397, III do CP.

3.) Caso Vossa Excelência entender pela continuação do feito requer que sejam arroladas as mesmas testemunhas do Ministério Público, protestando desde já por eventual substituição.

ROL DE TESTEMUNHAS:

1. xxxxxxxxxxxxx;

2. xxxxxxxxxxxxx.

3. xxxxxxxxxxxxx.

Nestes termos, pede deferimento.

Brasília / DF, 25 de fevereiro de 2018.

IVONILDO REIS SANTOS

OAB/DF 17026-E

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Ivonildo Reis Santos

Advogado - Brasília, DF


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