DIREITO CIVIL - DAS PESSOAS JURÍDICAS.


05/09/2015 às 12h24
Por Ivonildo Reis Santos

Das Pessoas Jurídicas

O processo histórico da pessoa jurídica tem referência no Império Romano, sendo abordado por grupos de estudos, porém sem o devido reconhecimento da ordem jurídica. Dentro do Direito Romano se tem a nítida distinção entre os institutos de direito público e do direito privado. No direito Justiniano, se enriqueceu a pessoa jurídica com o aumento das fundações. No direito Germânico, a princípio não existia o conceito de pessoa jurídica, apenas havia os sujeitos dos direitos.

No entanto, foi no Direito Canônico que expressamente se utiliza legalmente as pessoas jurídicas, por intermédio das fundações Corpus Mysticum que eram grupos da Igreja que possuíam patrimônio. As fundações eram ligadas completamente a Igreja Católica, e mas tarde se tornaram autônomas.

As pessoas jurídicas são entes criadas por lei, sendo atribuída a capacidade de serem entes de direitos e deveres, atuando na sociedade com personalidade jurídica diferente das pessoas naturais, porém como são imateriais necessitam de representantes, ou seja, de um indivíduo humano.

O surgimento das pessoas jurídicas é explicada por duas correntes principais, a que diz ser a pessoa jurídica inexistente ou abstrata (teorias negativistas), que não admiti a associação constituída por grupos de pessoas com personalidade individual. E as teorias afirmativas que pressupõem a existência de um grupo de individuo que formam uma unidade orgânica, autorizada e reconhecida pelo poder do Estado.

As teorias afirmativas se dividem em dois ramos teóricos: teorias da ficção e as teorias da realidade.

As teorias da ficção se baseiam na doutrina tradicional que se fundamenta no direito Canônico, e que se dá em duas fontes: teoria da ficção legal e teoria da ficção doutrinária.

A teoria da ficção legal, formulada por Savigny, afirma que só a pessoa natural é capaz de titularizar direitos subjetivos e ter ralações jurídicas e pressupõe a pessoa jurídica como sendo criação artificial do Estado por intermédio da lei, ou seja, um ente fictício. De acordo com esses princípios, a pessoa , ou seja, um ente fictício. De acordo com esses princípios, a pessoa jurídica é concebida como algo artificial e só serviria como fato explicativo de certos direitos a uma coletividade de pessoas físicas.

A teoria da ficção doutrinária é definida por Vareilles - Sommieres, afirmando que a pessoa jurídica é uma realização artificial da própria doutrina, ou seja, não tem existência real e sim valor intelectual. Portanto, as teorias da ficção atualmente não são aceitas no âmbito jurídico, pois as teorias da ficção não explicam a existência do Estado como ente jurídico.

As teorias da realidade se caracterizam como reação contrária a teoria da ficção, que formaliza afirmando que as pessoas jurídicas são seres vivos e não seres abstratos, isto é, com existência própria. Se divide em: teoria da realidade objetiva ou orgânica, teoria da realidade técnica e teoria da realidade das instituições.

A teoria da realidade objetiva ou orgânica, sustenta que há junto as pessoas naturais organismos sociais, que são princípios jurídico, possuindo uma existência e vontade própria. Essa teoria afirma que a pessoa jurídica é formalizada pelo valor sociológico. Uma crítica que se faz é que a teoria não exemplifica como os grupos coletivos se tornam sujeitos de direitos e obrigações.

A teoria da realidade técnica, entende que a pessoa jurídica é real, mas dentro da realidade técnica, ou seja, por meio de uma realidade que é diferente das pessoas naturais. Essa teoria afirma que a personificação dos grupos sociais é de ordem técnica, pois é o meio pelo qual o direito encontra para atribuir a existência de grupos capazes.

No entanto, a teoria da realidade das instituições jurídicas, diz que a personalidade jurídica é um atributo do Estado, onde este possibilita a sua aquisição. Devido a isso, o direito concede a personalidade a grupos específicos de pessoas que buscam o interesse comum. A crítica a essa teoria é que não esclarece sobre as sociedades que se organizam tendo como fim a prestação de um serviço e nem responde a questão em relação ao poder autonormativo de determinados grupos.

Com base no artigo 40 do Código Civil de 2002, as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

São pessoas jurídicas de direito público interno: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, as Autarquias e as demais entidades de caráter público criada por lei. De acordo com o artigo 43 do Código Civil, as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros.

As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros e as pessoas que forem regidas pelo Direito Internacional Público.

O artigo 44 do Código Civil dispõe sobre as pessoas jurídicas de direito privado, são elas: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.

As sociedades são pessoas que se obrigam a contribuir, com serviços, para o exercício de atividades negociais. O Código Civil de 2002 juntou obrigações civis e econômicas. As sociedades são simples e empresárias. As sociedades simples são as que tem finalidade econômica ou lucrativa, a qual deve ser repartido entre os sócios. Por exemplo: advogados e médicos, que exploram sua atividade de modo não empresarial.

Em contraposição as sociedades empresariais que visam lucro, mediante o exercício da atividade mercantil, se dividindo em : sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade visam lucro limitada e sociedade anônima. Exercem atividades econômicas organizadas para a produção ou circulação de bens.

São instituições constituídas, as fundações que por meio de patrimônio livre, doado por seu instituidor para uma especifica finalidade. E não pode ser lucrativa, mas social de interesse público.

CC - Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.

CC - Art. 63. Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante.

CC - Art. 64. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.

CC - Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases, o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz.

Parágrafo único. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Público.

CC - Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas.

§ 1o Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal.

§ 2o Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.

CC - Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:

I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;

II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;

III - seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado.

As fundações podem ser particulares e públicas, e são constituídas através de ato formal, podendo ser compreendido o seu procedimento de criação em quatro fases: fase de dotação ou de instituição, fase de elaboração dos estatutos, fase de aprovação dos estatutos e fase de registro.

A associações são entidades de direito privado sem fins lucrativos, cujas finalidades podem ser religiosas, morais, culturais, desportivas e recreativas.

CC - Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

CC - Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:

I - a denominação, os fins e a sede da associação;

II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;

III - os direitos e deveres dos associados;

IV - as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.

VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

CC - Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.

CC - Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário.

Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.

Entre os membros da associação, não se tem direitos e obrigações, sendo os objetos em favor dos indivíduos. Se consubstanciam na união de pessoas naturais, organizadas para atender a coletividade.

As empresas de responsabilidade limitada se trata de criação que pretende estabelecer uma bifurcação do patrimônio do empresário individual em dois campos: o patrimônio da pessoa física e o patrimônio da pessoa jurídica. Impõe a necessidade de reavaliar conceitos do direito empresarial, adaptando a nova titularidade dessa pessoa jurídica até mesmo porque estão submetidas ao regramento das sociedades por cotas de responsabilidade limitada.

O início de uma pessoa jurídica, se dá por um ato jurídico. As pessoas jurídicas de Direito Público se inicia em razão da criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais, pois a personalidade é conferida pela norma jurídica.

Para a pessoa jurídica de Direito Privado é necessário três aspectos formais para sua existência: vontade humana criadora, obediência aos requisitos e licitude de finalidade. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de Direito Privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo órgão.

CC - Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

CC - Art. 46. O registro declarará:

I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;

II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;

III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;

IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;

V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

O processo constitutivo de uma pessoa jurídica, é um ato complexo, composto por atos subjetivos e objetivos que se unem no sentido do reconhecimento da personalidade autônoma, emprestada pelo regular registro. O registro tem prazo retroativo de 30 dias para regularidade aos atos praticados.

Aplica as pessoas jurídicas a proteção dos direitos da personalidade, consubstanciados nos artigos 11 a 21 do Código Civil. Os efeitos da personalização: três são as consequências da personalização : titularidade obrigacional (capacidade para assumir um dos polos da relação negocial); titularidade processual (capacidade para ser parte processual; responsabilidade patrimonial (patrimônio próprio, inconfundível e incomunicável com o patrimônio de cada um dos sócios).

Com efeito, na expressão da lei, somente após inscrito o contrato social no registro público é que se adquire personalidade jurídica, podendo assumir obrigações e adquirir direitos em nome próprio. Passa a constituir um sujeito, capaz de direito e de obrigações; não adquirem os sócios a qualidade de comerciantes, mantendo a sociedade sua própria individualidade; a sociedade

passa a gozar de autonomia patrimonial, que responde ilimitadamente por seu passivo; a sociedade passa a dispor de poderes para alterar sua estrutura, tanto no plano jurídico quanto no econômico.

A existência da pessoa jurídica se justifica pela segurança fornecida pela separação patrimonial entre o capital da empresa e o patrimônio das pessoas que a constituem, segurança esta que fomenta investimentos em atividades empresariais; contudo essa situação privilegiada, com finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico, não pode ser usada para possibilitar abusos, tal qual se verifica quando a pessoa jurídica não é utilizada para a atividade às quais se destina, mas para outras finalidades; ou se seu patrimônio estiver em situação fática, confundindo-se, misturando-se, com o patrimônio particular das pessoas que a constituem.

A fim de reprimir o abuso do direito de autonomia patrimonial foi criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, toda vez que os sócios da empresa tentarem usar dos privilégios da personificação para cometer fraudes.

"É o que diz o art. 50 do Código Civil de 2002: em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Há duas teorias que tratam da desconsideração da personalidade jurídica, são denominadas teoria maior e teoria menor. A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui como regra a desconsideração nas hipóteses de fraude, abuso de direito e confusão patrimonial, a ela são aplicados os apontamentos anteriormente efetuados, porém, pela teoria menor a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer ainda não estejam demonstrados os pressupostos exigidos pela teoria maior, permitindo-se, por exemplo, que o inadimplemento da sociedade, pela incapacidade solver seus créditos com seu patrimônio, seja motivo causador do afastamento da autonomia patrimonial e que os atos praticados pelos integrantes da sociedade que a levem a insolvência por má administração também justifiquem a desconsideração.

Pela teoria maior, necessita ser o ato praticado eivado de dolo, ou seja, é necessário que o sócio aja com vontade de fraudar credores ou terceiros com o uso indevido da personalidade jurídica da sociedade, caso em que a desconsideração alcançará somente o patrimônio do sócio que praticou a conduta ilícita ou o que dela se beneficiou. No caso de confusão patrimonial há necessidade de comprovação, no campo dos fatos, que foi ferida a separação do patrimônio da

pessoa jurídica e seus integrantes apreciando-se, nos dois casos, provas da ocorrência do ato que desvirtua a finalidade da pessoa jurídica e sua autonomia.

Quando tratamos da teoria menor, observamos que os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica adotados pela teoria maior são modificados, atendendo, a desconsideração, situações para as quais, originalmente, não foi prevista. Assim, a desconsideração é empregada em hipóteses em que está ausente a fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial ou mesmo em situações que os integrantes da pessoa jurídica poderiam ser responsabilizados sem a necessidade do afastamento da autonomia patrimonial.

É aplicável a regra da desconsideração da personalidade jurídica na forma inversa quando o devedor se vale da empresa ou sociedade à qual pertence para ocultar bens que, se estivessem em nome da pessoa física, seriam passíveis de penhora. A desconsideração só se dá quando configurada fraude ou abuso de direito com esse objetivo "A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador". (Enfatiza o STF).

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Referências

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2014.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil. Bahia: jusPodivm, 2014.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1999.


Ivonildo Reis Santos

Advogado - Brasília, DF


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