SUMÁRIO: Introdução. 1- Instituto da delação premiada e a Recepção no ordenamento jurídico brasileiro. 2- Delação e Teoria dos Jogos: Utilidade para a persecução penal. 3- valoração probatória da delação: o “custo- benefício” para o delatore para o Estado. Considerações Finais. Referências.
RESUMO
A delação (premiável) é a forma processual que o Estado utiliza no objetivo de minimizar os custos da persecução penal, a qual requer grande gama de investimentos em recursos humanos e monetários e, que inúmeras vezes resulta em nada. Por seu turno o acusado busca nesse instituto uma forma de melhorar ou amenizar sua situação no processo penal, pois poderá obter desde a redução da pena até a extinção da própria punibilidade, conforme previsão legal. O instituto amolda-se à teoria dos jogos, pois os ganhos possíveis de serem auferidos pelos integrantes – Estado e Acusado + Comparsas – dependem de suas posturas, colaboração recíproca, pois não são oponentes na busca por benefícios. O Estado abre mão de certa punição a ser aplicada ao acusado e este fornece, em troca, informações indispensáveis para a boa persecução penal.O Estado deve assegurar ao delator a segurança que este precisará para que possa fornecer informações sem medo de represálias dos comparsas e, dessa forma ganharem ambos. Como se percebe, o sucesso ou insucesso depende dos movimentos dos jogadores bem como da estimativa sobre prováveis estratégias dos demais envolvidos – adversários ou não.
PALAVRAS CHAVE: Delação Premiada; Teoria dos Jogos; Valoração Probatória; Persecução Penal.
INTRODUÇÃO
Desde o período medieval o instituto da delação vem evoluindo e se amoldando aos novos crimes praticados nas sociedades modernas, bem como Terrorismo, Máfia, o Tráfico de Drogas e Armas, o Crime Organizado. Assim pode-se perceber o instituto na Europa – Itália, Alemanha – América do Norte e do Sul. No Brasil fora recepcionado de forma ampla, estando previsto em diversos diplomas legislativos.
O Instituto da delação premiada, presente no ordenamento jurídico brasileiro, se dá quando a pessoa investigada ou acusada admite ter praticado fato delituoso e expõe que não cometera o ato sozinho, mas com auxílio de outra pessoa, comumente chamado comparsa, que de alguma forma contribui para o acontecimento. De sua informação deve advir o resultado satisfatório das investigações criminais, para que assim possa obter os benefícios prometidos pelo Estado. Ou seja, caso o delator colabore e seu depoimento não seja eficaz no desmantelo da organização criminosa ou qualquer outra forma delitiva, não fará jus aos benefícios previstos na delação premiada.
A delação é uma espécie de jogo no qual o prisioneiro ou indiciado/acusado(jogador1) tenta melhorar sua situação ao fornecer para o Estado(jogador2) elementos informativos capazes de possibilitar uma ação policial vitoriosa contra a prática de delitos complexos pelos comparsas(jogador3), como na Organização Criminosa (Lei 9.034/95). Nesse aspecto, por seu caráter eminentemente estratégico dentro da relação processual, a delação guarda relação com a conhecida teoria dos jogos,desenvolvida principalmente pelos trabalhos de Von Neumann e John Nash. Nesta, um jogador atua tendo em vista a ação dos oponentes ou colaboradores. No caso, Estado e Acusado/Indiciado usam táticas de melhorar suas situações no decorrer do processo. Aquele poupando tempo, dinheiro e este com a redução da pena, substituição por outra mais benéfica.
Nesse contexto, os limitesda valoração do ato delativo como meio de prova é indispensável para possibilitar segurança por parte dos “jogadores” - Estado e Acusado/Indiciado – que saberão exatamente quais as consequências processuais de uma delação, tanto para a parte ativa na acusação quanto para a passiva.
1 INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA E SUA RECEPÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O instituto da delação premiada, presente no ordenamento jurídico brasileiro, é uma forma encontrada pelo Estado para desarticular, principalmente, as organizações criminosas. Observa-se a delação quando a pessoa investigada ou acusada admite ter praticado fato delituoso ou se preferirmos, fato típico, ilícito e culpável, conforme a teoria do crime, e expõe que não cometera o ato sozinho, mas com auxílio de outra pessoa, comumente chamado comparsa, que de alguma forma contribui para o acontecimento. Importa saber, nas palavras de Rafael Silva Nogueira Paranaguáque a mera delação não dá ensejo a beneficiar o criminoso, haja vista que as informações prestadas devem efetivamente contribuir para fazer cessar a conduta criminosa.O surgimento da delação se dá naIdade Média, porém conquistou um lugar de maior destaque com o aumento e a sofisticação da criminalidade.
Nesse seu período embrionário ou de origem, a delação não era tão premiada como é hoje. Os prêmios conquistados na Idade Média não chegavam a ser motivadores da prática por parte dos criminosos, haja vista que ao delatarem ou entregarem os comparsas, estavam também admitindo a conduta delitiva, o que certamente não era bem visto aos olhos da Igreja e da sociedade, representando, no mínimo, uma punição religiosa, social e psicológica.Desde o período medieval o instituto da delação vem evoluindo e se amoldando aos novos crimes praticados nas sociedades modernas, bem como Terrorismo, Máfia, o Tráfico de Drogas e Armas, o Crime Organizado. Assim pode-se perceber o instituto na Europa – Itália, Alemanha – América do Norte e do Sul. Cada Estado tem seu jeito de lidar com a delação, isto é, em cada Nação o poder legislativo desenvolve mecanismos processuais para que a delação se torne atrativa para o delinquente ou criminoso e eficaz para o Estado aoaplicar o direito penal no caso concreto.
No Brasil, a introdução da delação premiada ao ordenamento jurídico, tem como destaque a Constituição Federal/88 e também a lei das organizações criminosas (Lei 12.850/13)que reforça a aplicação do prêmio ao delator no processo penal pátrio. No entanto, o referido instituto tornou-se juridicamente integrante do ordenamento jurídico brasileiro com a Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90). Nesta, não basta a simples delação para uma diminuição de pena, mas o efetivo desmantelamento da quadrilha ou bando - hoje denominada Organização Criminosa - que tenha sido formada para fins de praticar crimes considerados hediondos.
Inobstante isto, outros momentos da história nacional já contavam com uma forma inicial de delação premiada presente já no período das chamadas Ordenações Filipinas (1603-1867). Nesse período, escreve Rafael Silva Nogueira Paranaguá:
É possível destacar um movimento histórico-político clássico da história do Brasil, que foi a Inconfidência Mineira, em que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis obteve o perdão de suas dívidas com a Coroa Portuguesa em troca da delação de seus colegas, que foram presos e acusados do crime de lesa-majestade (traição cometida contra a pessoa do Rei). Outro período que também merece destaque é o do Regime Militar, a partir de 1964, em que a delação premiada era muito utilizada para descobrir as pessoas que não concordavam com aquele modelo de governo e, portanto, eram consideradas criminosas.
Após estar presente Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90), o legislador brasileiro, em diversas outras oportunidades, disciplinou o instituto. Deste modo pode-se observar a delaçãona Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária (8.137/90);Lei de Lavagem de Dinheiro (12.683/12); Lei de Extorsão Mediante Sequestro (9.269/96); Lei do Crime Organizado (9.034/95);
Escreve acertadamenteRafael Silva Nogueira Paranaguá, ao dizer queapesar de previsões legais esparsas, é possível estabelecer alguns requisitos específicos da delação premiada que são comuns a todas elas, e que poderiam fundir-se em uma só lei. São eles: colaboração espontânea; participação do delator na pratica da infração; relevância nas declarações; e efetividades das informações.
Dessa feita infere-se que caso o delator colabore e seu depoimento não seja eficaz no desmantelo da organização criminosa ou qualquer outra forma delitiva, não fará jus aos benefícios previstos na delação premiada. Denota-se desta forma que ao delatar, o co-autror está a abrir mão de possíveis teses defensivas em seu favor com o intuito de obter uma melhor relação jurídica dentro do processo, pois ao delatar e a polícia alcançar êxito, poderá ter sua pena reduzida ou até mesmo a extinção da punibilidade. Por outro lado poderá piorar sua situação, haja vista a possibilidade de insucesso da operação policial. Isto retrata o dilema no qual se encontra o acusado, típico da delação premiada ao exigir eficácia das informações prestadas. Sobre este dilema trataremos no tópico seguinte quando abordaremos a relação da delação premiada com a chamada “teoria dos jogos” e o equilíbrio de Nash.
2 DELAÇÃO PREMIADA E A TEORIA DOS JOGOS: UTILIDADE PARA A PERSECUÇÃO PENAL
Neste tópico abordaremos a problemática da utilidade do instituto da delação premiada, pois tem argumentos favoráveis e contrários e sua relação com a “teoria dos jogos”. Nesta os jogadores buscam estratégias que viabilize uma melhor situação fática em diversas áreas do convívio social, inclusive no âmbito de um processo.
A delação é o modo pelo qual o Estado tenta suprir sua ineficiência, premiando o delator para que se possa dar celeridade à investigação criminal, conquistando, assim, a efetividade na persecução penal. O delator pretende colaborar tendo em vista os benefícios a serem a ele ofertados.
Marcella Sanguinetti Soares Mendes esclarece:
O instituto da delação poder se dar durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Na prática, é mais comum ocorrer na fase inquisitiva, pois é nessa etapa que o delator se faz mais útil, sendo capaz de fornecer ao órgão acusador mais elementos da materialidade e da autoria do crime para consubstanciar a denúncia.
Em outras palavras, “nesse instituto, o acusado no processo penal é incitado pelo Estado a contribuir com as investigações, confessando a sua autoria e denunciando seus companheiros com o fim de obter, ao final do processo, algumas vantagens na aplicação de sua pena, ou até mesmo a extinção da punibilidade”(Agnaldo Simões Moreira Filho). Parte da doutrina critica a delação pelo fato de o Estado dá um prêmio ao criminoso, outros apontam a insegurança na qual se encontra o delinquente, pois não sabe ao certo os reais benefícios de sua delação, se não seria melhor permanecer calado.
De acordo com o artigo 13 da Lei n. 9.807/99:
Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I- a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II- a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III- a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único: A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Como se perceberá no decorrer deste capítulo, a delação é uma espécie de jogo no qual o prisioneiro ou indiciado/acusado(jogador1) tenta melhorar sua situação ao fornecer para o Estado(jogador2) elementos informativos capazes de possibilitar uma ação policial vitoriosa contra a prática de delitos complexos pelos comparsas(jogador3), como naOrganização Criminosa (Lei 9.034/95).Nesse aspecto a delação assemelha-se à chamada Teoria do Jogos, desenvolvida principalmente pelos trabalhos de Von Neumann e John Nash.
Nos dizeres deCláudia Priscyla Reis e Aline Lima Oliveira:
A teoria dos jogos, colocando em termos mais simples, consiste numa técnica pela qual é possível que o agente (ou jogador) constate qual é a melhor escolha a ser tomada quando este se encontra numa dada situação, pela qual a sua escolha deverá ser estratégica, mas tendo sempre em mente a base estratégica do outro agente.
Tal teoria apresenta situações com tomada de decisões de oponentes que sempre buscam uma situação mais favorável para si. No jogo, o oponente tenta prever, descrever o comportamento estratégico, os movimentos do adversário e agir de forma a neutralizar a ação do outro jogador, obtendo assim o máximo de ganho possível. Porém, as escolhas dos adversários que buscam, a todo custo, um maior ganho alcançável, interferem ou dependem das opções dos outros indivíduos, como se dá, na delação premiada, pois para o real beneficiamento do acusado ou indiciado, a delação tem de ser eficaz ou útil à persecução penal do Estado.Diz o artigo 8º da Lei 8072/90 Lei de Crimes Hediondos:
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Nesse diapasão, esclarecedor sobre a utilidade que deve ser alcançada pela delação, o art. 2º da Lei de Lavagem de Dinheiro (12.683/12), in verbis:
A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (grifo nosso)
De fácil entendimento, os textos dos referidos diplomas normativos deixam claro a necessidade de a delação ser útil para a persecução penal, ou seja, das informações prestadas pelo delator deve decorrer o sucesso da ação Estatal no sentido de desconstituir os objetivos criminosos. Do contrário o delator nada terá em troca e consequentemente, terá perdido uma estratégia de defesa, qual seja a negativa de autoria, pois ao delatar deve confessar que praticou os crimes em co-autoria. Em tal cenário, de informações ineficazes, perderia o Estado, pois não conseguiria descobrir os criminosos e consequentemente desmontar suas ações e também perderia o outro jogador, o indiciado ou acusado, pois nenhum benefício teria com a delação.
Esse cenário denota na delação um jogo de tudo ou nada, pois ou ambos ganham – Estado ao conseguir eliminar a prática de crimes devido às informações e Acusado ao conseguir um benefício processual – ou ambos perdem. Situação semelhante pode ser percebida na teoria dos jogos, pois os ganhos dos jogadoresdependem diretamente das estratégias tomadas. Assim, se o delator, com receio de represálias dos comparsas, deixa de informar adequadamente sobre seus esconderijos, por exemplo, o Estado não obterá sucesso e consequentemente perdem ambos. Por seu turno, deve o Estado assegurar ao delator a segurança que este precisará para que possa fornecer informações sem medo e, dessa forma ganharem ambos. Como se percebe, o sucesso ou insucesso depende dos movimentos dos jogadores bem como da estimativa sobre prováveis estratégias dos demais envolvidos – adversários ou naõ.
Em decorrência dessa insegurança inerente, melhor seria chamar o instituto de delação premiável, pois sujeita a evento futuro e incerto onde nem o Estado e nem o delator sabem se realmente terão algum ganho com a prática. Em virtude disso doutrina se insurge contra o instituto. Assim escreve Agnaldo Simões Moreira Filho:
Além das dificuldades que o Estado tem de cumprir totalmente a sua parte do “trato” feito com o delator, visto que não consegue lhe dar efetiva segurança e à sua família, surge, ainda a discussão sobre os limites éticos de tal instituto, posto que, patrocinado pelo Estado, o acusado é incentivado a trair seus comparsas, e ainda se favorecer da sua própria torpeza, haja vista que além de cometer o crime, ainda se beneficia do fato de delatar seus companheiros às autoridades.
Ainda retrata o referido autor o fato de com a delação o Estado dar uma valor grandioso à confissão feita pelo delator o que conduz o processo penal ao berços do sistema inquisitivo desconsiderando garantias constitucionais como direito ao silêncio e à ampla defesa.Raphael Boldt também não concordando com os aspectos éticos do instituto delativo, assim escreve, “Mais do que um instrumento de desintegração social, a delação – e, por conseguinte, a traição – é, sob a perspectiva da ética, um desvalor, contrário em sua essência à concepção de vida moral fundada na dignidade da pessoa humana”.
Embora relevante as críticas feitas pelos autores supra, entendemos que a delação não representa um total regresso aos moldes inquisitoriais, mantendo os princípios formadores do processo penal, pois deverá ser oferecida pelo Ministério Público, titular da ação penal (art. 129, CF/88) e sua valoração probatória não foge ao livre convencimento motivado do juiz natural, garantias mínimas em um devido processo legal. Nesse sentido escrevePierpaolo Cruz Bottini,“Por se tratar de depoimento de corréu, envolvido e interessado diretamente no rumo do processo penal, o peso de suas declarações não merece plena credibilidade, a não ser se corroborado por outras provas trazidas aos autos”. Dessa forma a confissão não será plenamente valorada, mas comparada às outras provas já existentes no processo o que demonstra uma valoração mitigada da delação/confissão.Na mesma linha Alfredo C. G Falcão Jr., pois escreve que a delação é compatível com a dignidade humana. O seu valor probatório, porém, é relativo, já que se trata de ato processual informativo, que deve ser confirmado por outras provas.
A delação (premiável) então é a forma processual que o Estado utiliza no objetivo de minimizar os custos da persecução penal, a qual requer grande gama de investimentos em recursos humanos e monetários e, que inúmeras vezesresulta em nada. Por seu turno o acusado busca nesse instituto uma forma de melhorar ou amenizar sua situação no processo penal, pois poderá obter desde a redução da pena até a extinção da própria punibilidade, conforme previsão legal. O instituto amolda-se à teoria do jogos, pois os ganhos possíveis de serem auferidos pelos integrantes – Estado e Acusado – dependem de suas posturas, colaboração recíproca, pois não são oponentes na busca por benefícios. O Estado abre mão de certa punição a ser aplicada ao acusado e este fornece, em troca, informações indispensáveis para a boa persecução penal.
Entendem dessa formaCláudia Priscyla Reis e Aline Lima Oliveira, escrevem:“percebe-se que a delação premiada é instrumento de extrema importância para a solução e combate a inúmeros crimes, pois proporciona um lapso temporal consideravelmente menor para desvendá-los, sendo, assim, campo de concretização direto da teoria dos jogos”. Assim, no intuito de poupar tempo, dinheiro, pessoal e sobretudo, atuar de forma eficiente no combate à criminalidade, o Estado usa os meios processuais disponíveis para cooperar com o acusado/indiciado, fornecendo a este a oportunidade de melhorar sua situação na relação processual por meio de uma delação eficaz, em um jogo de contribuições recíprocas.
3 VALORAÇÃO PROBATÓRIA DA DELAÇÃO: O “CUSTO BENEFÍCIO” PARA O DELATORE PARA O ESTADO
Ponto de controvérsias refere-se ao valor probatório que poderá ser atribuído à delação premiada e consequentemente o custo benefício do instituto para criminoso/delator e o Estado. Como sabido, no direito brasileiro, a lei confere ao magistrado, no caso concreto, atribuir o valor correspondente a cada prova obtida no processo, conforme o princípio do livre convencimento motivado. A valoração deve, indeclinavelmente, ser de forma fundamentada consoante cristalina normatização extraída da Constituição Federal de 1988.
Conforme expomos nos capítulos anteriores, a delação necessita possibilitar o sucesso da persecução penal para que o delator possa auferir os benefícios do instituto.Ou seja, a delação, para que seja eficaz, é necessário que as informações do delator possibilitem uma boa persecução penal ao Estado. Neste sentido, o acusado(jogador) poderá delatar e confessar o crime e nada receber em troca caso a ação Estatal seja frustrada e, do mesmo modo o Estado(jogador) poderá conceder o benefício ao acusado sem que possa usar, como meio/fonte lícita e eficaz de provatão só a delação. Assim, questão relevante é saber qual o valor probatório poderá ser arbitrado à delação e com isto quais os ganhos ou perdas, no processo, para Estado e acusado/indiciado.
A valoração probatória faz parte da instrução criminal, já com adenúncia ou a queixa recebida pelo magistrado e o processo formado. Neste ponto o Juiz debruça-se sobre as provas colhidas e parte para suas correspondentes valorativas. Em se tratando da prova obtida por meio da delação surgem posições na doutrina quanto ao alcance de seu valor para uma futura condenação.
Antônio Graim Neto ao discordar da delação como meio lícito de prova, diz: “o indivíduo começa a transacionar seu direito ao silêncio, uma barganha de garantia fundamental por liberdade. É por essa razão, pelo caráter inteiramente parcial e de baixíssima credibilidade do premiado delator que não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, que esse instituto perdure e que o depoimento do delator seja usado para a condenação”.
A Constituição Federal/88 veda a utilização, no processo, da prova obtida de maneira ilícita ou derivada das ilícitas – teoria dos frutos da árvore envenenada – de modo que se considerarmos, as provas da delação não lícitas, estas jamais poderão embasar uma fundamentação legal e necessária para a condenação num devido processo legal penal. Nesse sentido,André Luiz Pietro ao citar o seguinte julgado:
“A condenação por tráfico ilícito de entorpecentes não pode se fulcrar em mera delação. Tratando-se de prova imprestável obtida por meios ilícitos, por meio da violência policial, e à míngua de elementos seguros que autorizem juízo de condenação, deve o réu ser absolvido.” (Ap. Criminal 7.700/2004, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro).
Outro ponto refutado é o fato de a delação exigir do delator a confissão dos crimes praticados em co-autoria. Nesta linha os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2011),ao dizer que, é necessário que o acusado além de atribuir a conduta delituosa à outra pessoa, deve admitir também ter ele participado do ato, caso contrário não se configura.
Esta confissão também será valorada de forma a possibilitar a punição do delator, embora amenizada. Sobre o tema Celso C. L. Verde Leal escreve:
No Brasil como na grande parte dos ordenamentos, existe uma presunção de inocência, garantia máxima do cidadão frente à justiça penal, estabelecendo o dever das autoridades de persecução penal de provar a culpa do acusado. Se uma mera declaração em juízo de pessoa extremamente parcial na causa, visto co-réu, desprovida de qualquer outro elemento de convicção fosse suficiente para reverter a presunção de inocência, torna-se-ia inócua a garantia constitucional.
Diante dos posicionamentos doutrinários e em estreita relação com a teoria dos jogos descrita acima, o Estado decidirá se oferta ou não a delação premiada ao acusado levando em consideração não só a desarticulação do crime, mas a provável condenação dos criminosos delatados tendo em vista os limites valorativos da delação premiada. E o acusado decidirá se aceita ou não, pelo mesmo motivo.
Imaginemos, a caráter de exemplo, o seguinte caso:o acusado confessa e delata de forma eficaz para a apuração das infrações pela polícia, os policiais conseguem prender os criminosos indicados na delação, o Estado concede os benefícios ao traidor (delator), porém, as provas obtidas com a delação não se mostram suficientes para ensejarem ou fundamentarem a punição dos acusados quando da instrução criminal, podendo desaguar na própria absolvição dos indiciados em virtude do princípio do in dúbio pro réu. Em tal cenário o Estado(jogador) sairia completamente derrotado, pois que concede benesses pelas informações úteis prestadas pelo delator, melhorando a situação deste, aliviando em sua punição e, não consegue aplicar o mínimo de punibilidade aos delatados, pois o princípio da presunção de inocência está do lado destes.A seu turno, o acusado/indiciado sabendo da provável absolvição dos comparsas pode preferir não colaborar com o Estado, haja vista que sua confissão poderá causar-lhe inúmeros óbices processuais, como pro exemplo, a negativa de autoria e além disso, represálias dos companheiros de crime.
Como se percebe, a delimitação do valor probatório da delação poderá ser fundamental para a permanência útil do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com (TÁVORA; ALENCAR 2009),para que a delação premiada tenha força probatória, deve ser submetida ao crivo do contraditório, possibilitando ao advogado do delatado que faça perguntas durante o interrogatório, e se necessário, é possível a marcação de um novo interrogatório para que haja a participação do defensor.
Além da doutrina, os Tribunais restringem a amplitude da delação como meio de prova.Nesse sentido o entendimento esposado em diversas cortes, vejamos alguns:
“A delação do réu que visa eximir-se de sua culpabilidade, prestando depoimentos contraditórios, não corroborados por nenhum outro elemento de prova dos autos, não se presta para sustentar a condenação do co-réu. A absolvição, neste caso, é medida que se impõe”. (Ap. Criminal 25.172/2003, Rel. Des. Donato Fortunato Ojeda).
“A incriminação feita pelo co-réu, escoteira nos autos, não pode ser tida como prova bastante para alicerçar sentença condenatória.” (Ver. Crim. 103.544, TA Crim SP, Rel. Octavio Roggiero).
“Não se pode reconhecer como prova plena a imputação isolada de co-réu para suporte de um ‘veredictum’ condenatório, porque seria instituir-se a insegurança no julgamento criminal, com possibilidade de erros judiciários.”(Rev. Crim. 11.910, TACrimSP, rel. Ricardo Couto, RT 410:316).
“Se as declarações dos réus não bastam, sequer, para auto-acusarem-se, muito menos servirão, por si só, para enredar a outrem, imputando-lhe a prática de infração penal.” (TAcrim. 102.516, TACrimSP, Rel. Goulart Sobrinho).
Dessa forma complementa André Luiz Pietro.
Temos que para ser válida e assim, utilizada como elementos de convicção pelo julgador, a delação necessariamente deve ser realizada na presença do delatado e seu defensor, assegurando-se a estes, em nome do princípio constitucional do contraditório, o direito a reperguntas.E mais. O conteúdo desses elementos deve encontrar ressonância nas demais provas de forma harmônica — jamais restar isolada —, pois só assim se prestará para fundamentar uma decisão de natureza condenatória, não obstante a adoção pelo nosso Código de Processo Penal do princípio da livre convicção fundamentada ou persuasão racional do juiz.
Neste sentido busca-se racionalizar o instituto para que não seja usado de forma a permitir um atropelamento das garantias constitucionais conferidas ao processo penal, mormente o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e o in dúbio pro réu. Garantido o devido processo penal legal, o Estado e o delator podem, com maior segurança dispor do instituto, representando um ganho provável a ambos haja vista confiarem na força jurídica da delação, em especial no seu uso como meio lícito de provas no processo penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Instituto da delação premiada pode apresentar-se como importante ferramenta processual no combate aos crimes complexos bem como Tráfico de drogas e Organizações Criminosas. O uso do instituto no direito processual penal, porém, não deve atropelar garantias conquistadas com anos de lutas pelos cidadãos, assim indeclinável se faz o respeito ao devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa.
Também indispensável, a previsão constitucional de vedação das provas obtidas por meios ilícitos como hábeis a fundamentar uma decisão do magistrado, não devem ser olvidadas pelo Estado na ânsia por obter informações e usá-las como fonte de incriminação aos supostos criminosos sem remetê-las ao filtro do juiz natural em consonância com o princípio do livre convencimento motivado. Entendemos então, de inteira responsabilidade do magistrado a correspondente valoração probatória da delação premiável, e que dessa atribuição de valor surjam as consequências legais almejadas pelos “jogadores” – Estado e Acusado/Indiciado.