A Indeterminação de Prazo Máximo Como Contribuição à Eficácia das Medidas de Segurança em Relação aos Inimputáveis.


16/09/2016 às 23h11
Por Mota Andrade Advocacia & Consultoria Jurídica

Sumário:1 Introdução; 2 Relacionando a indeterminação de um prazo máximo para as medidas de segurança e sua eficácia no tratamento dos indivíduos inimputáveis., 2.1 Medidas de segurança e suas características, 2.1.2 Diferenciação entre pena e medidas de segurança, 2.2 A indeterminação de um prazo máximo como fator contribuinte para a eficácia da medida de segurança, 2.3 A finalidade preventiva da medida de segurança.; 3 Conclusão; Referências bibliográficas.

RESUMO

As medidas de segurança, destinadas aos inimputáveis, diferem-se das penas pelo seu caráter preventivo. Busca-se, através do tratamento ambulatorial ou da internação, a cessação da periculosidade que o indivíduo representa para a sociedade. A determinação de prazo para o término da medida, no caso concreto, não tem agradado os penalistas críticos e a sociadade. A relação entre a indeterminação do tempo máximo e a eficácia das medidas de segurança será o tema abordado, utilizando o método indutivo, com a finalidade de versar sobre o tema, destacando de que forma se dá a aplicação das medidas de segurança, e como a sua utilização contribui para o tratamento do sujeito inimputável, possibilitando, assim, se retorno ao seio da sociedade sem representar perigo a si próprio e a esta.

Palavras-chave: Medidas de Segurança. Indeterminação. Prazo Máximo. Eficácia. Tratamento.

INTRODUÇÃO

Em busca da realização da função do Direito Penal de proteção do bem jurídico, a legislação dispõe de duas formas de sanções direcionadas aos infratores: 1) pena; e 2) medida de segurança; cada uma com suas particularidades. De acordo com Bitencourt (2003), com a finalidade de não lesar o princípio do ne bis in idem com a errônea aplicação conjunta de pena e medida de segurança, cada uma se destina a um determinado caso.

Atualmente, o imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado “fronteiriço”, sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário. (BITENCOURT, 2003)

Medidas de segurança caracterizam-se por ser um tratamento dado aos infratores inimputáveis. De acordo com Leal (2013), tais medidas não têm um caráter propriamente penal, pois não possuem um conteúdo punitivo. Na verdade, as medidas de segurança objetivam a cura, a cessação do perigo por meio de um tratamento especifico, destinado aos portadores de doenças mentais, e, caso a doença mental a ser tratada não tenha cura, tem-se por objetivo tornar o individuo apto para o convívio em sociedade.

A expressão medida de segurança tem relação com providência, cautela, algo que precise de cuidado. Constitui um expediente de caráter político que impede que uma pessoa, ao cometer um ilícito penal e revelar-se perigosa, venha reiterar na infração, sendo necessário um tratamento adequado para reintegrá-la à sociedade. (FERRARI, 2001).

Dessa forma, uma vez que se busca a ressocialização, o tempo de duração de uma medida de segurança possui uma relevância considerável para a eficácia da mesma. Logo, a indeterminação de um prazo máximo pode ser de grande contribuição, tendo em vista que cada indivíduo pode necessitar de espaços de tempo variados para deixar de representar perigo à sociedade e a si mesmo.

Por outro lado, a medida de segurança não pode ter um caráter perpétuo, pois isso violaria os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Com esse mesmo entendimento, têm sido encontradas inúmeras decisões que versaram sobre a questão do prazo máximo de duração de uma medida de segurança.

As medidas de segurança desempenham um papel importante para o Direito Penal, uma vez que difere da pena por objetivar a cura através do tratamento, tendo uma maior garantia com a indeterminação de um prazo máximo.

2. RELACIONANDO A INDETERMINAÇÃO DE UM PRAZO MÁXIMO PARA AS MEDIDAS DE SEGURANÇA E SUA EFICÁCIA NO TRATAMENTO DOS INDIVÍDUOS INIMPUTÁVEIS.

2.1 MEDIDAS DE SEGURANÇA E SUAS CARACTERÍSTICAS

Com o fim de proteger o bem jurídico, o Estado tem por obrigação punir os infratores, mesmo que este não possua capacidade ou consciência para responder por seus atos, ao passo que, não pode aplicar uma mesma pena para aquele com consciência normal e para um outro que seja considerado inimputável, sendo necessário a observância do grau de sanidade do individuo que cometeu o delito.

O grande feito do positivismo criminal foi haver imposto à consideração do direito penal a realidade humana; haver feito do delito um ato do homem, sujeitos às leis do seu comportamento; foi por fim, haver lançado, como fundamento do fenômeno do delito, um estado de desajustamento social de suas causas antropo-sociológicas. (FERRARI, 2001).

Em observância a este requisito de sanidade, a impossibilidade de aplicação de uma mesma pena para quem não possui perfeita sanidade mental, e levando em conta a necessidade de punição estatal aos infratores, foi que surgiu a medida de segurança, um meio pelo qual o Estado pode punir aqueles que não possuem consciência de seus atos, mas devem responder por suas condutas, recebendo tratamento para que possam não mais representar um perigo para a sociedade.

Assim sendo, submetem-se à medidas de segurança aqueles considerados inimputáveis ou semi-inimputáveis, muitos dos quais após sentença condenatória, são postos à internação em hospital de custódia ou ao tratamento ambulatorial, sendo essas caracterizadas, respectivamente, como medida detentiva e não-detentiva.

Segundo Luiz Régis Prado (2004), “medidas de segurança são consequências jurídicas do delito, de caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial”. Ou seja, medida de segurança é um modo de defesa social, a qual é imposta aos inimputáveis ou semi-inimputáveis com o fim de protegê-los de seus próprios atos e manter a sociedade a salvo.

Para Dower (2000) “a medida de segurança não é pena”. A pena é uma sanção baseada na culpabilidade do agente, ao passo que, o louco age sem culpa. Portanto, a medida de segurança se fundamenta na periculosidade do agente. Dessa forma, como sugere Zaffaroni (2004), é necessário que haja observância da periculosidade criminal do agente, a qual é exteriorizada a partir do delito praticado, para que as medidas de segurança possam ser aplicadas.

2.1.2 DIFERENCIAÇÃO ENTRE PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA.

A medida de segurança é um tratamento no qual deve ser submetido o infrator inimputável a fim de que possa ser estabelecida sua cura, ou, caso a doença não tenha cura, ao menos para torná-lo apto a conviver em sociedade sem que represente um perigo real para si e para outros, passando a não mais delinquir.

Medida de segurança [...] tem como objetivo punir o agente do fato típico e antijurídico, ou seja, fato previsto como crime segundo o artigo 97, caput do Código Penal, contudo, não perde o seu caráter terapêutico de medida. Ou seja, medida de segurança é uma forma utilizada para punir àqueles que não possuem capacidade e consciência de distinguir o que é ou não crime, bem como, punir àqueles que possuem a capacidade reduzida. (FEITOSA, 2011).

Em se tratando da diferenciação entre pena e medida de segurança temos que:

A pena pressupõe culpabilidade; a medida de segurança, periculosidade. A pena tem seus limites mínimo e máximo predeterminados (CP, arts. 53, 54, 55, 58 e 75); a medida de segurança tem um prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, porém o máximo da duração é indeterminado, perdurando a sua aplicação enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade (CP, art. 97, §1º). A pena exige a individualização, atendendo às condições pessoais do agente e às circunstâncias do fato (CP, arts. 59 e 60); a medida de segurança é generalizada à situação de periculosidade do agente, limitando-se a duas únicas espécies (internação e tratamento ambulatorial), conforme determinado pelo art. 96 do Código Penal. A pena quer retribuir e o mal causado e prevenir outro futuro; as medidas de segurança são meramente preventivas. A pena é aplicada aos imputáveis e semi-imputáveis; a medida de segurança não se aplica aos imputáveis. (DOTTI, 2001)

Zaffaroni também contribui para o entendimento a respeito dessa diferenciação quando afirma:

Existem uma série de diferenças entre a pena e a medida de segurança. Na pena, ela dividida entre privativa de liberdade e restritiva de direitos, elas tem o fito principal de punir o agente da infração penal, e por consequência, prevenir que o agente cometa novamente o ato ilícito. Porém deve-se observar que essa prevenção é um tanto quanto subjetiva, de maneira que, o que irá impedir o agente de repetir o ato ilícito, é a sua própria consciência, a sua moral e o medo de ser punido novamente. (retributiva - preventiva). (ZAFFARONI, 2004)

Diante do exposto, podemos afirmar que pena e medida de segurança possuem diferenças as quais não se permite confundi-las. A medida de segurança caracteriza-se por ser um tratamento médico ou custódia psiquiátrica, sendo que, sua natureza não pode ser confundida com a de pena, haja vista serem os objetivos de cada uma delas diferenciados.

Como supracitado, o fundamento da pena é a culpabilidade, e o da medida de segurança é a periculosidade. Além disso, as penas são determinadas, e as medidas de segurança possuem tempo indeterminado, tendo em vista que só têm fim quando cessa a periculosidade do agente, o que é subjetivo, e pode variar de pessoa para pessoa.

Quanto à aplicação, há diferenciação é ainda mais clara. Não podendo ser aplicada as duas formas (pena e medida de segurança) a um mesmo infrator por um mesmo crime.

A aplicação conjunta de pena e medida de segurança lesa o princípio do ne bis in idem, pois, por mais que se diga que o fundamento e os fins de uma e outra são distintos, na realidade, é o mesmo indivíduo que suporta as duas consequências pelo mesmo fato praticado. Seguindo essa orientação, o fundamento da pena passa a ser “exclusivamente” a culpabilidade, enquanto a medida de segurança encontra justificativa somente na periculosidade, aliada à incapacidade penal do agente. (BITTENCOURT, 2003, p. 680)

Sendo assim, a fim de evitar que o indivíduo seja punido duas vezes pelo mesmo crime, é necessário que se respeite o principio do nes bis in idem, ou seja, não se aplicando de forma conjunta a pena e a medida de segurança, pois como já visto, há uma clara distinção entre tais: penas têm caráter retribuitivo-preventivo, ao passo em que as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva.

2.2 A INDETERMINAÇÃO DE UM PRAZO MÁXIMO COMO FATOR CONTRIBUINTE PARA A EFICÁCIA DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Muito se discute a respeito da indeterminação de um prazo máximo para a aplicação da medida de segurança, visto esta persistir até a cessação da periculosidade do agente.

[...] o Código Penal estabelece às medidas de segurança um prazo mínimo, que varia de 01 (um) a 3 (três) anos, asseverando, ainda, no que concerne ao seu prazo máximo de duração, que este será indeterminado, perdurando enquanto não averiguada, por perícia médica (realizada periodicamente ou, a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução, uma vez findo o prazo mínimo cominado), a cessação da periculosidade. (ARAÚJO, 2007)

Sendo assim, de acordo com o Código Penal, o prazo máximo de duração de uma medida de segurança é indeterminado. Entretanto, o STF e o STJ, pelo fato de a Constituição Federal vedar penas de caráter perpétuo, entendem que as medidas de segurança devem ter um prazo máximo determinado. Nesse sentido, para o STF o prazo máximo é de 30 anos, de acordo com o Código Penal, artigo 75: “ O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.” (BRASIL, 1940)

De outro modo, é inegável a indeterminação de um prazo máximo contribui para um melhor resultado e eficácia da medida de segurança, pois permite que o tratamento seja avaliado mediante o a evolução do quadro de inimputabilidade do próprio indivíduo, não limitando a um tempo máximo para que se aplique a medida.

Deve ser levado em conta que não se trata simplesmente de uma punição que privará o individuo de sua liberdade. Na verdade, deve ser considerado como um tratamento oferecido ao agente para que não represente um risco para si mesmo e também para a sociedade. Dessa forma, entende-se que a indeterminação de um prazo máximo para a aplicação da medida de segurança apenas contribuem para que o sujeito em tratamento torne-se apto para o convívio pacifico em sociedade, sem que este torne a cometer delito.

2.3 A FINALIDADE PREVENTIVA DA MEDIDA DE SEGURANÇA.

A medida de segurança possui uma finalidade preventiva, pois, o agente submetido à internação, tratamento psicológico ou ambulatorial com medicamentos específicos para o determinado caso, o receberá até que cesse a periculosidade do mesmo, ao passo que não se objetiva aplicar, ao agente, nenhum tipo de sanção com caráter punitivo.

Diferentemente da finalidade da aplicação de uma pena, a medida de segurança visa oferecer um tratamento ressocializador o qual se estende ou cessa mediante o progredir do próprio indivíduo, sendo que, aos que estão submetidos à pena, a sanção a que lhes é imposta é punitiva.

Analisando a natureza das medidas de seguranças, percebe-se que não trata-se de algo meramente penal, haja vista não possuírem um conteúdo punitivo. Por mais que elas sejam impostas e controladas por juízes penais, é evidente que na medida de segurança, o critério utilizado norteia-se pela periculosidade e não culpabilidade. Sendo assim, medidas de segurança possuem uma finalidade preventiva, ao passo que , penas possuem uma finalidade retributiva-preventiva.

Ademais, é de igual forma importante realçar [...] no que diz respeito às distinções acerca da finalidade entre medida e pena. É que, enquanto as medidas de segurança possuem finalidade preventiva especial (inibir a realização de novos delitos), a pena tem finalidade retributiva-preventiva. (ALVES, 2010)

Não excluindo o caráter preventivo também presente na pena, ao se observar o que consta no artigo 59 do Código Penal:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedente, à conduta social, á personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e as consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime : [...] (BRASIL, 1940) (grifou-se)

vê-se que, por mais que a pena possua um caráter preventivo, o que se alega primeiramente é seu caráter retributivo, o que mais uma vez a difere da medida de segurança.

Dessa forma, pode-se afirmar que, por não submeter o agente a pena, e por visar o tratamento, consequentemente a cura do mesmo, medidas de segurança possuem como finalidade a prevenção, na qual espera-se que o sujeito, uma vez tratado, não cometa o delito e nao represente perigo para si mesmo e para a sociedade.

CONCLUSÃO

Constata-se, a partir do exposto nesse trabalho, que a indeterminação de um prazo máximo para a aplicação das medidas de segurança otimiza o resultado, tornando-as mais eficazes nos tratamentos dos sujeitos inimputáveis.

Através da aplicação das medidas de segurança, o inimputável pode ser sujeito à internação ou tratamento ambulatorial, com a finalidade curativa, tendo em vista que a medida de segurança busca a cessão da periculosidade por parte do indivíduo.

A duração da medida de segurança está relacionada ao tempo que leva para o sujeito deixar de representar perigo. Então, uma vez que cada um responde de uma maneira diferenciada aos tratamentos, a não fixação de um prazo máximo contribui diretamente à eficácia das medidas de segurança. Todavia, apesar de não estar presente de forma expressa em lei a quantidade máxima de tempo para a sua duração, as medidas de segurança não podem ter caráter perpétuo, pois isso violaria os Direitos Fundamentais dos indivíduos sujeitos às medidas.

  • Direito Penal
  • Direito Processual Penal
  • Medida de Segurança
  • Pena

Referências

ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. In: JurisWay. a. 2010. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5017 . Acesso em mar 2014;

ARAÚJO, Fábio Roque da Silva. Prazos (mínimo e máximo) das medidas de segurança. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1738, 4 abr. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11119>. Acesso em: mar. 2014.;

BITENCOURT, Roberto Cezar. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. Vol 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003;

BRASIL. Código Penal. Vade Mecum. São Paulo: Rideel, 2014;

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal (Parte Geral). Rio: Forense, 2001;

DOWER, Nélson Godoy Bassil, Direito Penal Simplificado (Parte Geral). Ed. Nelpa, São Paulo, 2000;

FEITOSA, Isabela Britto. A aplicação da medida de segurança no Direito Penal Brasileiro. In: JurisWay. 2011. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5982 . Acesso em mar 2014;

FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001;

LEAL, Magnólia Moreira. A indeterminação do prazo máximo de duração das medidas de segurança. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 114, jul 2013. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12943&revista_caderno=3>. Acesso em mar 2014;

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. V. I Parte Geral, 4º ed. São Paulo, RT 2004;

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIARANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. 5º ed. São Paulo. RT 2004.



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