O TRABALHO NO SISTEMA PRISIONAL COMO FATOR DE REINSERÇÃO SOCIAL DO PRESO E COMBATE A VIOLÊNCIA


09/01/2018 às 14h44
Por Fernanda Paim Socas André Advocacia

Paper apresentado a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes para participação de painel no I Congresso Internacional Rede LFG e IPAN – Crime, Justiça e Violência.

 

INTRODUÇÃO

 

 

A verificação da necessidade desta pesquisa é evidenciada pelo material pesquisado, sendo notável, pelo elevado índice de reincidência criminal, que o sistema prisional não está sendo instrumento hábil a reeducar, devolvendo o criminoso para a sociedade sem entender a forma de agir e pensar da maioria, desconhecendo ou descumprindo a moral dominante de onde vive, continuando o conflito social, entre o dito “criminoso” e a maioria (sociedade democrática).

O material pesquisado demonstrou que o meio mais eficaz para a reinserção (e mesmo para a inserção) do indivíduo no convívio com a sociedade é através do trabalho lícito, tendo em vista que o trabalho é moralmente aceito pela maioria da população ocidental, que considera a ociosidade e o trabalho ilícito como “pecado grave”, “ofensa à sociedade”.

O sistema prisional que teria por objetivos a punição, a prevenção e a reeducação do criminoso para retorno à comunidade não está atingindo integralmente as finalidades à que se propõe, haja vista que o Estado não dispõe dos recursos suficientes para a implantação do modelo “ideal”, mesmo o modelo da Lei de Execução Penal, que após anos de vigência não pôde ser totalmente implantada por falta de recursos.

O resultado encontrado é o pânico da sociedade em face do aumento da criminalidade, em especial a criminalidade profissional e a criminalidade violenta.

Porém, de todos os problemas que foram levantados o principal é encontrar uma forma viável de realizar a prevenção quaternária.

Surge como principal alternativa a ocupação do criminoso com o trabalho lícito, sendo que a partir desta constatação os estudos passam a buscar soluções para estes problemas

Em vista dos problemas e hipóteses levantados, e tendo em consideração o papel dignificante e necessário para o convívio social que exerce o trabalho, buscando, através do trabalho e da profissionalização, encontrar soluções viáveis para a redução da criminalidade através de prevenção quaternária, que é aquela exercida pelo Estado após o crime acontecer durante a execução da reprimenda, os estudos foram divididos em três etapas, que posteriormente foram divididos em capítulos:

O primeiro capítulo traz estudos realizados acerca da pena e das prisões,

Os estudos apresentados no segundo capítulo mostra a evolução da sociedade ocidental até criar sobre o trabalho uma moral: normatizando condutas, os trabalhos aceitos pela sociedade, bem como a forma que a sociedade lutou para garantir seu direito natural ao trabalho. Fica demonstrado que o ser humano trabalha desde o início de sua existência e o que ocorre ao longo dos anos é uma evolução das formas, técnicas e meios de trabalho. O trabalho começa por necessidade e chega a ser condição sine qua non para inserção social para o ser humano, trazendo uma moral dominante no sentido de que os indivíduos devem trabalhar.

O terceiro e último capítulo traz os estudos acerca do crime e do criminoso, estudando os motivos que levam o indivíduo a pratica do ilícito, com enfoque principal no criminoso profissional, que é aquele que subsiste através do resultado do ilícito. Os estudos são pesquisa e busca de compreensão sobre o trabalho exercido pelo criminoso na vida que levava antes do encarceramento, durante e após, quando do retorno para a sociedade, propondo alternativas viáveis para a solução ou mitigação da reincidência criminal após o encarceramento (já que nem todo reincidente foi um dia preso, posto que pode ter recebido pena alternativa ou regime aberto...).

Desta forma, este estudo é especialmente relevante para os presos que saem do sistema,

Interessa ainda ao Estado que não pode apenas prender por prender, mas tem que reeducar aqueles indivíduos marginalizados que estão sob sua tutela, e reinserir para que estes possam conviver pacificamente com os demais integrantes da sociedade.

 

 

 

 

 

 

 

 

1. A PENA E AS PRISÕES

 

Muitos doutrinadores têm escrito sobre as finalidades da pena, dando origem a diversas teorias que norteiam o direito penal dos Países que as seguem, ressalte-se Beccaria, Jhon Roward.

Para as teorias chamadas absolutas, a pena tem por finalidade o castigo, que é o pagamento pelo mal que praticou. O castigo é um recompensa pelo mal causado e serve como forma de reparação moral, sendo a pena uma exigência ética sem fundo ideológico. (MIRABETE, 2001a, p.22)

Para as teorias utilitaristas, a finalidade da punição é exclusivamente prática, que é a prevenção, seja ela específica para o condenado ou para a sociedade. Para a escola Positiva a pena é uma oportunidade para ressocializar o indivíduo e a prisão é uma forma de segregar o condenado para que, durante aquele período de privação, não cause perigo à sociedade. (MIRABETE, 2000, p. 22)

Para as teorias mistas, a pena tem um caráter de retribuição em seu aspecto moral, mas age como prevenção, educação e correção. (MIRABETE, 2001a, p.23)

Novas teorias têm surgido, como a teoria da função ressocializadora, que defende a ressocialização do indivíduo proporcionando ao condenado a adaptação ao meio social. (MIRABETE, 2000, p.23)

Para a criminologia radical, a criminalidade é um fenômeno social normal em todas as estruturas sociais, úteis ao desenvolvimento e não um aspecto patológico. (MIRABETE, 2000, p.23)

Segundo Beccaria (1983, p.14) o homem entrega ao Estado um pouco de sua liberdade em troca da garantia de segurança. Por este motivo, é necessário que sejam elaboradas leis para que o despotismo de certas pessoas seja controlado, e a única forma de controle é pela punição no caso de inobservância dos preceitos acordados. Por este motivo, a pena deve ser resultado de uma conduta prevista em lei, e ter uma punição igualmente prevista e proporcional ao dano cometido.

Para Romanosi, segundo Baratta (1999 p. 35) o fim da pena é a defesa social, contrapondo-se a Beccaria, que coloca que o fundamento da pena é o pacto social. Segundo ele, a pena não é o único meio de defesa social, sendo que o maior esforço da sociedade deve ser colocado para a prevenção do delito, através do melhoramento e desenvolvimento das condições da vida social.

Para que melhor se possa compreender a pena e suas finalidades, faz-se necessário estudar o contexto em que elas surgiram e a forma como ela evoluiu.

 

1.2 PERÍODO ATUAL

 

O atual Código Penal começou a ter vigência em 1942. Foi elaborado por Alcântara Machado e revisto por Nelson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra; é um código eclético, em que se buscou aproveitar o que de melhor tinha nas legislações modernas. Tem como princípio o dualismo culpabilidade igual pena e periculosidade igual medida de segurança, a consideração da personalidade do criminoso e excepcionalmente a responsabilidade objetiva. (MIRABETE, 2001a, p. 43)

Em 1984 o Código Penal Brasileiro sofreu uma reforma da parte geral, em que foi acrescentada a distinção entre erro de tipo e erro de proibição[1]; crimes qualificados pelo resultado[2], para excluir a responsabilidade objetiva[3]; reformulação do capítulo que trata do concurso de agentes[4], objetivando solucionar a questão do desvio subjetivo; a extinção da divisão entre penas principais e acessórias[5], e a criação das penas alternativas; o abandono do sistema duplo binário, com a exclusão da presunção de periculosidade. (MIRABETE, 2001a p. 43)

Esta lei que reformou o código é de índole humanista e inovadora, respeita a dignidade do delinqüente, considerando o homem livre inclusive para delinqüir, mas responsável, dando ênfase à culpabilidade como elemento indispensável à punição. (MIRABETE, 2001a p. 44)

O grande problema do Código penal atual consiste em estrutura para dar efetividade às penas propostas. Por falta de estabelecimentos adequados, as penas em regime semi-aberto são cumpridas quase como em regime fechado, distinguindo-se pela possibilidade de saídas temporárias. As penas de regime aberto praticamente não existem, pois na grande maioria dos lugares inexistem casas do albergado; é o caso de Lages, em que os condenados ao regime aberto não pernoitam em estabelecimento próprio, mas tão somente comparecem ao presídio regional para assinar um livro, todos os dias, das 17:00h até as 20:00h, devendo retornar para suas residências após aquela assinatura.

A lei de Execução Penal Brasileira é uníssona com os preceitos humanistas do Código Penal Brasileiro, entretanto muitos de seus preceitos não são aplicáveis pelos mesmos motivos: Falta de investimentos. Surgem, então, criações que visam suprimir lacunas, mas que não estão previstas na lei de execução penal. É o caso dos presídios, que existem vários no Brasil, mas não são previstos na lei de execução penal, que prevê como estabelecimento para guarda de presos antes do julgamento as cadeias públicas (que são pouco freqüentes e muitas vezes abrigam presos condenados e outros por inexistência de vagas em estabelecimento adequado); para a guarda de condenados em regime semi-aberto as colônias agrícolas, industriais ou similares; as penitenciárias para guarda dos presos condenados ao regime fechado (que existem, mas em menor número do que a demanda -  Em Santa Catarina não existe nenhuma penitenciária feminina, por isto as mulheres condenadas do Estado ao regime fechado cumprem pena geralmente em presídios, mas existem casos de mulheres em regime fechado cumprindo pena em cadeias públicas, presídios e até em delegacias, as vezes dividindo espaço com homens); Hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico para os inimputáveis e semi-imputáveis; casa do albergado para os condenados ao regime aberto, onde os presos passariam somente as noites[6] (existem poucos estabelecimentos em alguns centros urbanos. Em Lages o número de presos albergados é de aproximadamente 90).

Pela falta de vagas nos referidos estabelecimentos apropriados, surgiram os presídios, destinados a “guardar” todos os tipos de presos, sem o mínimo respeito aos preceitos da Lei de Execução Penal no que tange à estrutura. Os presídios de Santa Catarina são superlotados e abrigam homens e mulheres, praticantes de todo tipo de crime, presos civis, presos provisórios, muitas vezes ocorre guarda de inimputáveis - portadores de enfermidades mentais que são comuns em presídios.

 

1.3 SITUAÇÃO ATUAL DO SISTEMA PRISIONAL EM SANTA CATARINA

 

O presídio de Lages foi construído para abrigar no máximo 80 presos, mas tem a guarda de 300 presos em média, sendo destes, cerca de 20 mulheres. Os números variam todos os dias, pois diariamente muitos são absolvidos, transferidos, recebem progressão de regime, saídas temporárias, entre outros.

Mesmo com uma falta média de 220 vagas, a situação do Presídio de Lages é boa se comparada à situação de outros presídios do Estado, como Joinville, que, construído para abrigar 80 presos, tendo recebido reformas para abrigar 200 presos, mas conta com uma média de 400 a 500 presos, Balneário Camboriú, que tem vagas para 70 presos mas conta com uma média de 320 presos.

São freqüentes as tentativas de fuga, violência, assassinatos, enfermidades, ociosidade, falta de trabalho, entre outros.

O Presídio de Lages é considerado um dos melhores presídios do Estado, pelo baixo índice de violência e fugas. A administração deste presídio é a mesma há mais de 20 anos, sendo que neste período inexiste histórico de rebeliões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. O TRABALHO

 

O trabalho objeto deste estudo é o trabalho humano, tendo em vista que outros seres vivos podem trabalhar com ou sem a intervenção humana. (OLEA, 1997, p.42)

Trabalho é toda a energia humana, que pode ser física ou intelectual, empregada para a obtenção de finalidade produtiva. É aquele trabalho realizado pelo homem, com o manejo da matéria, que é o trabalho manual, ou utilizando signos e símbolos, que caracteriza o trabalho intelectual.(SÜSSEKIND, 2002, p. 3) (OLEA, 1997, p.42)

O homem trabalha desde os primórdios da humanidade, para seu sustento, defesa, abrigar-se do frio e intempéries. Com a evolução humana, começa a produzir lanças, machados, martelos, o que ampliou sua capacidade laborativa e de defesa. O trabalho é realizado por três fundamentos: Produção, lazer e formação e pode ter como objetivo a satisfação de suas próprias necessidades, ou a satisfação de necessidades alheias. A condição humana é inconcebível sem que realize a qualquer tempo algum trabalho. (SÜSSEKIND, 2002, p. 3) (OLEA, 1997, p.46)

Quando os homens perceberam a necessidade de agruparem-se, através de tribos que lutavam entre si, os prisioneiros, inicialmente, eram mortos e devorados, entretanto, com a descoberta da agricultura e aperfeiçoamento da pesca e da caça, os prisioneiros passaram a fazer parte da mão de obra da tribo, na condição de escravos. (SÜSSEKIND, 2002, p. 3)

 

2.1 EVOLUÇÃO DOTRABALHO

 

              Conforme anteriormente visto, o trabalho passou por algumas fases de evolução.

Primeiramente, o homem primitivo trabalha basicamente para seu próprio sustento. Com a evolução, começam a surgir núcleos familiares (tribos), em que o trabalho de todos é voltado para a satisfação das necessidades do grupo; Por conseqüência da formação das tribos, que muitas vezes guerreavam entre si, os prisioneiros eram inicialmente vistos como comida (numa análise simplista, tendo em vista que o devoramento de inimigos geralmente seguia a todo um ritual); Posteriormente percebeu-se que o prisioneiro poderia ser utilizado como mão de obra nos serviços mais penosos. (SÜSSEKIND, 2002, p. 3)

Nesta fase de evolução humana o trabalho começa a ter uma conotação de pena, mas ainda não é pena propriamente dita, é tão somente a utilização da mão de obra do indivíduo inferior dentro da tribo, para a realização daqueles serviços que a tribo prefere não realizar, podendo deixar a cargo das primeiras espécies de escravos.

 

 

2.2 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

 

A constituição da República de 1988, chamada “Constituição Cidadã” trouxe evoluções marcantes no direito do trabalho brasileiro, em seu artigo 7°, dedicado exclusivamente aos direitos sociais (digam-se: trabalhistas).

O direito do trabalho não é obra acabada no Brasil. Está em constante mutação e evolução, sempre no sentido de proteger a parte mais fraca na relação jurídica, através dos inúmeros princípios de direito do trabalho adotados neste País.

Muitas profissões e muitas espécies de trabalho necessitam adequações ou normatizações, que é o caso do trabalho realizado pelo preso (custodiado em estabelecimento prisional), em suas diversas formas, como o trabalho que o preso realiza para o Estado dentro do ambiente prisional e fora dele, o trabalho do preso para particulares, que não está amparado pela Consolidação das leis do trabalho, e não está devidamente regulamentado pela Lei de Execução Penal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. O CRIMINOSO E A REINSERÇÃO SOCIAL PELO TRABALHO NO SISTEMA PRISIONAL

 

 

Neste capítulo pretende-se fazer distinção entre o preso que tem como meio de subsistência e trabalho habitual o ilícito do preso que praticou crime por outros motivos, quaisquer que sejam eles, demonstrando as implicações que exerce o trabalho em cada tipo e demonstrando formas de utilizar o trabalho no sistema como fator de reinserção.

 

3.1  O TRABALHO LÍCITO E O TRABALHO ILÍCITO

 

Conforme conceito exposto no item 2 deste estudo,

Trabalho é toda a energia humana, que pode ser física ou intelectual, empregada para a obtenção de finalidade produtiva. É aquele trabalho realizado pelo homem, com o manejo da matéria, que é o trabalho manual, ou utilizando signos e símbolos, que caracteriza o trabalho intelectual.(SÜSSEKIND, 2002, p. 3) (OLEA, 1997, p.42)

 

Assim, pode-se dizer que a energia humana, física ou intelectual, utilizada para obtenção de finalidade produtiva, mas que praticada por meio ilícito não deixa de ser trabalho.

Por exemplo: Uma pessoa que passa dois dias planejando o roubo de um caminhão, contrata quatro ajudantes para realizar o plano, fica com eles duas horas na margem de uma rodovia, na qual colocou toras para fazer o caminhão parar, e quando o caminhão chega amarra o motorista, enquanto seus comparsas (diga-se também empregados) levam o caminhão para um local de desmanche, sendo que após se encontram, um fica responsável por desmanchar o caminhão, outro responsável por vender as peças do caminhão, outro por vender a mercadoria, outro responsável por pedir resgate pelo motorista, sendo que ao final da empreitada, após a prática dos crimes definidos no código penal brasileiro como roubo e seqüestro, conseguem lucrar R$ 500.000,00 (Quinhentos Mil Reais), divididos na proporção de 1/5 para cada partícipe (ou “trabalhador”), independentemente de serem descobertos, processados e condenados, trabalharam, posto que utilizaram energia humana, física e intelectual com uma finalidade produtiva, qual seja, obter riqueza.

Outro exemplo: um indivíduo é contratado por outro para matar sua esposa, fazendo parecer um acidente, com a finalidade de receber dinheiro do seguro. O “empregador” paga ao outro a quantia de R$ 5.000,00 (Cinco Mil Reais) para a execução do serviço, o qual faz sabotando o carro da vítima para que fique sem freios na serra do Corvo Branco, viagem previamente combinada para que o crime pudesse ser praticado. De igual forma, foi utilizada energia humana, intelectual e física, visando finalidade produtiva, novamente, riqueza.

Exemplo bastante comum é o tráfico de drogas, em que existe inclusive uma hierarquia funcional, desde o produtor da droga, até os vendedores, passando pelos refinadores, empacotadores, seguranças, entre outros, cada um recebendo seus numerários, numa atividade típica comercial, só que ilícita.

É evidente que em todos os exemplos citados não existe proteção desta relação por parte do direito do trabalho, posto que o ilícito não gera direitos desta natureza. O que se pretende colocar com estes exemplos é que mesmo sendo ilícitas estas atividades não deixam de ser trabalho.

O trabalho lícito é aquele que tem os mesmos princípios, só que seu objeto é protegido por lei e sua prática não constitui nenhum crime.

 

3.2 DESIGUALDADES SOCIAIS E SOCIEDADE EXCLUDENTE

 

Pensando nos conceitos da criminologia crítica, a sociedade protege, por meio das leis uma classe de pessoas, gerando uma moral aceita e dominante, a moral lícita, gerando irremediavelmente uma classe que se opõe e se insurge, que tem uma moral não aceita, dominada e dita ilícita.

Aquela pessoa que não tem acesso ao trabalho lícito e digno também precisa sobreviver, precisa gerar, criar e produzir riqueza para sobrevivência própria e de sua família, pelo que, muitas vezes, esta pessoa excluída que não consegue um trabalho lícito pode conseguir um trabalho ilícito.

Seja qual for o motivo que leva alguém à prática deste tipo de crime, chamado doravante de crime ou criminalidade profissional, o fato é que traz prejuízos à sociedade num todo devendo ser combatida e / ou resolvida.

Este tipo de criminalidade é muito mais difícil de solucionar do que todas as outras, tendo em vista que é algo que passa culturalmente entre gerações; por exemplo: qual o conceito moral de trabalho, e com quê provavelmente irá trabalhar uma jovem que é filha de cafetina com traficante. Prostitui-se aos 15 anos e passa a vender drogas a seus “clientes”?

É muito provável que esta pessoa, ao longo do tempo, torne-se uma cafetina e traficante, contando inclusive com o trabalho de outras pessoas, e aí surge um desafio ao direito penal e à execução da pena, que são devidos à sociedade: como fazer com que esta pessoa viva e trabalhe de acordo com os ditames da sociedade que democraticamente vê esta conduta como ilícita e imoral?

 

3.2      SOCIEDADE E DEMOCRACIA

 

Neste ponto faz-se necessária uma análise da sociedade e da democracia, sendo indispensável para tanto uma análise do contrato social.

O conceito de democracia está calcado no contrato social que serve para a realização concreta do eu comum e vontade geral. É uma livre associação de seres humanos inteligentes que resolvem fazer um certo tipo de sociedade, devendo-lhe obediência. O contrato social, neste entendimento, é a única base legítima para a comunidade que deseja viver calcada na liberdade humana. (ROUSSEU, 2000, p.12)

Parte-se do princípio de que o homem é naturalmente bom, mas pode ser alienado por forças que podem transformá-lo em tirano ou em escravo. Rousseau busca uma forma de associação na qual através da união, cada um obedece a todos, mas apenas a si mesmo, permanecendo livre. A vontade geral é sempre dirigida ao bem comum. (ROUSSEU, 2000, p.13)

Quando o cidadão aceita a autoridade da vontade geral, passa a fazer parte de um corpo moral coletivo e adquire liberdade ao obedecer uma lei que prescreve a si mesmo, seguindo os ditames da razão e da consciência. (ROUSSEU, 2000, p.13)

O homem deixa de ser um ente individual para fazer parte de um todo, numa união fraterna. Tais ideais são a base das democracias modernas. (ROUSSEU, 2000, p.13)

 

3.2.1        Reação Social dos Excluídos

 

Acontece que este contrato social refere-se a algo abstrato, ou a algo que ocorreu nos primórdios da humanidade.

Todos já nascem numa sociedade, democrática ou não (posto que ainda existem ditaduras), sem poder decidir se querem ou não fazer parte daquele corpo social em que nasceu.

Por tais fundamentos começam a surgir as subculturas[7], que são as aglomerações de pessoas que não fazem parte ou não coadunam deste contrato social. Estas pessoas, esta sociedade a parte, cria suas próprias leis, suas próprias regras e suas próprias morais. Tem-se noticiado este fenômeno nas favelas cariocas, que são dominadas muitas vezes por traficantes que criam uma espécie de Estado paralelo, com suas próprias leis e sistema de justiça.

 

3.2.2        Democracia como Vontade da Maioria e não Vontade Unitária[8]

 

Mas, mesmo com a questão das subculturas, agora mais especificamente no caso do Brasil, persiste a democracia. Pela democracia, nada obsta que uma destas lideranças de subcultura candidate-se e eleja-se a um cargo de administração pública (em tese, já que existem requisitos objetivos e subjetivos para elegibilidade).

Não o faz por que resolve adotar uma espécie de ditadura em sua “jurisdição”; nega os princípios constitucionais, bem como seus deveres.

Mas, democracia é vontade da maioria. De dois em dois anos o povo tem obrigação de comparecer às urnas para escolher seus legisladores e governantes nas diversas esferas de poder.

Assim, resulta dizer que como é vontade da maioria, está implícito que existe uma minoria.

Por exemplo: Candidato “A” elege-se com 65% dos votos válidos, os candidatos “B” e “C” perdem, mas receberam votos, que se referem a pessoas que queriam aquela pessoa para legislar ou administrar, mas teve de contentar-se com aquele candidato que a maioria escolheu.

Desta forma, é perfeitamente viável que uma parcela da minoria que foi derrotada insurja-se com o resultado.

É o caso do que aconteceu na Venezuela, em que o candidato eleito pela maioria não foi aceito pela minoria derrotada. No caso, prevaleceu a democracia que diz que “a maioria manda”.

 

3.2.2.1 Criminalidade e Democracia[9]

 

Se a democracia não é uma vontade unitária, presumindo-se uma minoria descontente, pode-se dizer que justamente esta é a parcela da população que praticará a criminalidade não ocasional, e em especial, a criminalidade profissional.

Por exemplo: para o traficante e para o usuário de drogas, o tráfico e o uso de entorpecentes não é imoral, entretanto, aquela pessoa escolhida pela maioria para legislar, que como elas acredita que o tráfico ilícito de entorpecentes é algo imoral, e que não é benéfico o uso de drogas, edita leis que proíbem o tráfico ilícito de entorpecentes, punindo esta conduta, que já era praticada por aquela minoria que não pode decidir, pois vive em democracia.

Neste exemplo, o que resta?

Para aquele que não quer mudar sua moral e seu costume pela lei resta transgredir a norma, mesmo sujeitando-se a punição, mas geralmente este aperfeiçoa suas técnicas para fugir à punição.

Deste modo, pode-se presumir que sempre que se falar em democracia falar-se-á em crime, já que este resulta do inconformismo com a vontade democrática.

 

 

 

 

3.3      O CRIMINOSO E O TRABALHO NA VIDA CARCERÁRIA

 

O trabalho na vida carcerária, para o preso exerce papel fundamental na execução da pena.

De um lado, por permitir ao preso que exerça uma atividade, evitando a ociosidade e favorecendo relações positivas entre colegas de trabalho prisional, colegas de oficina; por outro, por possibilitar à sociedade incutir no criminoso profissional o conceito de trabalho por ela defendido, o trabalho lícito, mas que deve sempre ser um trabalho digno.

 

3.3.1       Fatores Inerentes ao Trabalho Prisional

 

Para a grande maioria da sociedade, a pena restritiva de liberdade por si só não é encarada como suficiente para a expiação do crime por quem o pratica, é necessário algo mais, e vincula-se a idéia de trabalhos forçados, praticados outrora como pena, serve atualmente de outra forma, como via normal para que o individuo seja aceito na sociedade. É o caminho que a sociedade mostra para o delinqüente como forma de ser aceito em seu seio.[10]

Entretanto, as dificuldades que existem no sistema para que seja implantada uma forma de trabalho eficiente aos fins que se destina são muitas, mas que devem ser superadas em virtude do benefício que traz.

 

3.3.1.1       Motivação

 

A teoria moderna da motivação do trabalhador diz que este sente satisfação ao produzir e ser útil. (COSTA, 1999, p.66)

A produtividade do trabalhador é a razão de sua capacidade social, as recompensas não financeiras exercem um papel importante na motivação e no estado de espírito de quem trabalha. (CHIAVENATO, apud COSTA, 1999, p.66)

São fatores que levam à motivação: a liberdade, a responsabilidade e a inovação no trabalho. Os fatores motivacionais podem ser identificados como auto-estima e auto-satisfação. (COSTA, 1999, p.67)

No sistema prisional a falta de motivação do preso que pode ser conseguida pelo trabalho gera frustração. Frustração ocorre quando certas necessidades do indivíduo não podem ser supridas e as tensões não são aliviadas. (COSTA, 1999, p.69)

A frustração é reconhecida por meio de comportamentos como agressividade, regressão, fixação e resignação. (COSTA, 1999, p.69)

Uma das necessidades do trabalho no sistema prisional é para motivar o preso, evitando que fique frustrado, reduzindo estes comportamentos ruins dentro do sistema. Assim, o trabalho enquanto motivação é importante para minimizar os efeitos negativos exercidos pelo cárcere sobre o indivíduo.

 

3.3.1.2       Desenvolvimento Profissional

 

O desenvolvimento profissional do preso é fundamental no sistema, porquanto é a única forma da sociedade mostrar ao criminoso uma forma diferente de trabalhar e manter-se. Neste caso, faz-se referência ao criminoso profissional.

O desenvolvimento profissional dos criminosos eventuais também é importante, mas na mesma razão que é importante o desenvolvimento profissional de uma pessoa que nunca foi condenado por crime algum.

Se o sistema prisional oferecer ao preso uma formação profissional aceita pela sociedade, demonstrando a ele formas de lucrar licitamente com aquela formação que recebeu quando sair da prisão, ou mesmo dentro dela, será mais possível que o preso (Criminoso Profissional), ao sair do sistema, opte por um estilo de vida lícito.

 

3.3.1.3       Condições de Trabalho

 

As condições de trabalho no sistema prisional devem atender aos princípios de higiene e salubridade, além dos princípios constitucionais de segurança do trabalhador. O ambiente de trabalho prisional deve ser melhor que os demais ambientes prisionais, de forma que o preso trabalhador sinta-se motivado a sair da cela para uma oficina.

Deve-se optar no sistema prisional por espécies de trabalho que supram as necessidades pessoais do condenado, sejam compatíveis com sua inteligência, com suas habilidades específicas.

Hassen (1999, p. 37) cita o caso de presos urbanos que são encaminhados para penitenciárias agrícolas. As condições de trabalho, para este trabalhador serão infamantes, aviltantes, posto que não respeita o que ele é.

 

3.3.2          Serventia do Trabalho do Preso para a Sociedade

 

Assim, o trabalho do preso não deve ser visto unicamente como forma de ele pagar sua “dívida” com a sociedade, mas como a forma dele poder optar por uma nova forma de viver, durante o cumprimento da pena e após seu cumprimento, na vida em liberdade, para que não volte a delinqüir.

 

3.4            O CRIMINOSO E O TRABALHO NA VIDA PÓS-CARCERÁRIA

 

Num sistema que não reeduca o preso, não lhe oferece trabalho, mas apenas segrega o condenado pela prática de crimes, transformando as prisões em “depósitos temporários de seres humanos indesejados pela sociedade”, existe uma enorme probabilidade de reincidência, tanto para o criminoso profissional, posto que não foi ressocializado, como para o criminoso eventual, já que pode pesar sobre si o estigma da prisão, sua rotulação e conseqüente segregação do convívio social. Este indivíduo que não é reincidente em potencial assim se torna, pois se a sociedade, o Estado, a família e todos mais o abandonarem, reste-lhe talvez somente a amizade de algum companheiro de cárcere, que poderá levá-lo à criminalidade profissional por pura falta de opção. Neste estágio em que se apresenta o sistema, pode-se dizer que a incidência é o que gera a reincidência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÕES

 

A busca por melhores condições de sobrevivência impulsionaram a sociedade para uma evolução tão grande que criou a necessidade da existência de uma mega estrutura estatal de resolução de conflitos.

Atualmente no Brasil aplica-se a segregação temporária do infrator das normas sociais.

Faz-se isto necessário para a manutenção da ordem, mas acontece que o sistema além de punir muito pouco do total de infrações ocorridas, pune mal, pune somente por punir.

Faz-se necessário pensar em uma forma que habilite o infrator das normas sociais a conviver pacificamente em sociedade, formula ainda não encontrada.

Modelos ideais são propostos com bastante freqüência, entretanto, nem tudo que é ideal é viável. O Estado precisa dispender dinheiro para a prevenção de desigualdades sociais e solução de problemas emergentes, como a saúde da população, sendo difícil encontrar uma forma de conseguir dinheiro para ressocializar os indivíduos que violam as leis.

A proposta, então, é que o indivíduo segregado do convívio social pelo aprisionamento tenha no trabalho lícito e prazeroso uma nova forma de viver em harmonia com os demais.

O trabalho apresenta-se como solução porque a sociedade vê o trabalho como algo necessário, e o homem trabalhador como virtuoso, e por conseqüência, aceito.

Porém, o trabalho, no sistema prisional, não consegue atingir a todos os presos, vezes por falta de vagas em oficinas, e mesmo por que nem todos os presos querem trabalhar. O trabalho no sistema é um direito e também uma obrigação imposta ao preso e tem como finalidades reduzir ou acabar com a ociosidade do preso, ociosidade que no sistema prisional nunca é benéfica quando por longos períodos, assim como o é na vida de qualquer pessoa livre.

Aquele preso que tem no crime seu meio de subsistência, como trabalho habitual a prática do ilícito penal, seja qual for o crime (estelionatos, trafico ilícito de entorpecentes, homicídio, entre outros), o trabalho no sistema serve como forma de incutir uma nova forma de ver o trabalho, nova forma de lidar com o dinheiro e de ganhar dinheiro, incutindo valores e demonstrando a viabilidade de viver dignamente dentro da licitude.

Para os presos que não tem o crime como meio de vida o trabalho é importante no sentido de retirar da ociosidade, já que para o preso que praticou um crime por deslize, ou qualquer outro fator que não a obtenção de dinheiro, não para a subsistência sua e da família, dificilmente voltará a delinqüir, pois o castigo nestes casos costuma funcionar; entretanto poderá voltar a delinqüir se, ao chegar na sociedade, for descriminado por sua condição de egresso do sistema, pelo que poderá praticar crimes, inclusive com o “aprimoramento técnico” do que aprendeu com os colegas de cárcere que utilizavam o crime para sobreviver. Neste caso, é bastante importante estudar formas de reinserção no seio de onde ele habitará, quando sair da prisão, e onde vive sua família.

Assim, para ambos os casos o trabalho é importante, e deve ser executado da forma mais digna e prazerosa possível, dada sua importância.

[1] Erro de tipo e erro de proibição: Erro de tipo é erro, por parte do agente, quanto a elementos ou circunstâncias do tipo penal ou a ele ligadas. Quando este erro é inevitável, exclui a culpabilidade, excluindo a própria tipicidade do crime porquanto a culpabilidade é parte deste. Isto só ocorre quando o erro acontece mesmo que tomadas todas as precauções necessárias a respeito. O erro de proibição é o desconhecimento do agente sobre a ilicitude de uma determinada conduta.

[2] Crimes qualificados pelo resultado: trata-se do preterdolo. São casos em que o legislador prevê um aumento na reprimenda pela conseqüência que causou a ação, como no caso de lesão corporal seguida de morte (art.129 §3°). Isto é responsabilidade objetiva do agente por um ilícito, porquanto responde pelo resultado, independentemente de culpa ou dolo.

[3] Responsabilidade objetiva do agente por um ilícito, é quando responde pelo resultado, independentemente de culpa ou dolo. Ocorre no caso de crime de crimes qualificados pelo resultado.

[4] Concurso de agentes: O código Penal brasileiro adota a teoria de que numa infração praticada por diversos agentes, todos concorrem nas penas cominadas ao delito. A reforma na parte geral acrescentou a diferenciação entre autores e partícipes, devendo o juiz dosar a pena proporcionalmente entre autores e partícipes, no caso, o desvio subjetivo.

[5] Penas principais são aquelas previstas para a infração praticada pelo agente, dentro do próprio tipo penal. Penas acessórias são aquelas previstas no art. 91, que são efeitos genéricos e especiais da condenação, como medidas acessórias de condenação.

[6] Dados obtidos em visitas ao presídio Regional de Lages entre os anos 2000 e 2004. Com relação a isto, ver também MIRABETE, 2000.

[7] Neste sentido, BARATTA, 1999.

[8] Com relação ao exposto neste item, ver BARATTA, 1999; OLMO, 2004; RAUTER, 2003.

 

[9]Também com relação ao exposto neste item, ver BARATTA, 1999; OLMO, 2004; RAUTER, 2003.

 

[10] Neste sentido, HASSEN, 1999, p.35

  • Trabalho
  • Sistema Prisional
  • Violência
  • Ressocialização

Referências

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

 

BECCARIA, Cezare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hemus, 1983.

 

COSTA, Alexandre Marino. O Trabalho Prisional e a Reintegração Social do Detento. Florianópolis: Insular, 1999.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: Comentários à Lei nº 7.210, de 11/07/1984. 9. ed. São Paulo: Atlas , 2000.

 

________. Manual de Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001a. V. 1.

 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: Saraiva , 2003.

 

________. Iniciação ao Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: LTr, 2004b.

 

OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao Direito do Trabalho. 5. ed. Curitiba: Gênesis, 1997.

 

OLMO, Rosa Del. A América Latina e sua Criminologia. Rio de Janeiro: Revan,2004.

 

RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

 

ROSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social ou princípios do Direito Político. São Paulo: Martin Claret, 2000.

 

SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

 

SUSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000.


Fernanda Paim Socas André Advocacia

Advogado - Blumenau, SC


Comentários