PRECEDENTES JUDICIAIS E (IN) SEGURANÇA JURÍDICA: superação e a possibilidade do engessamento das decisões judiciais.[1]
Antonia Leonida Pereira de Oliveira²
Emilly Dayana Silqueira Furtado
Carlos Anderson dos Santos Ferreira ³
RESUMO
O presente artigo tem como escopo tratar sobre a (in) segurança jurídica sob a ótica da teoria dos precedentes e a possibilidade do engessamento nas decisões judiciais. Para tanto disporemos de uma abordagem histórica da utilização dos precedentes judiciais no sistema jurídico brasileiro, descrevendo a inclusão de traços do sistema common law no ordenamento, a recepção da fonte jurisprudencial, características do modelo common law, na legislação brasileira. Abordar-se-á sua formação, aplicação e superação tendo em vista que os precedentes vieram dispostos no Novo Código de Processo Civil e ainda, avaliar a (in) segurança jurídica e a “inflexibilização” das decisões judiciais. Destarte, toda esta análise foi devida para melhor compreensão do âmbito dos precedentes judiciais, como ele surge no ordenamento brasileiro, como as inovações trazidas pelo NCPC corroboram para a segurança jurídica das decisões ou para o engessamento do judiciário, que ao julgar conforme os precedentes, principalmente os vinculantes, o que se tem é uma reprodução das decisões.
Palavras-chave: Precedentes Judiciais. Histórico. Segurança Jurídica. Superação. Engessamento.
1 INTRODUÇÃO
Há muito tempo os precedentes judiciais são utilizados por países estrangeiros, sendo um ótimo aliado na resolução das lides. Os precedentes foram utilizados anteriormente como instrumento para trazer equidade as decisões, mas com interesse do soberano para que houvesse aceitação por parte das tribos que foram conquistadas pelos normandos, assim, os precedentes judiciais surgiram para fazer com que os povos conquistados aceitassem o ordenamento criado pelo soberano, fazendo com que começasse a formação do common law um direito que tinha como base nos costumes, valores do soberano, e ordem jurídica imposta.
Assim, o sistema jurídico do common law deu origem aos precedentes judiciais. A grande surpresa é que cada vez mais os precedentes têm ganhado papel no ordenamento jurídico brasileiro com à crescente valorização deles na legislação como nas cortes superiores.
Apesar da utilização hoje os precedentes sofrem enorme preconceito, pois o Brasil adota o sistema jurídico do civil law, onde a lei é a fonte primun do direito, diferente dos países de tradição do common law ao qual o judiciário se constitui como órgão competente pelo direito.
Contudo, o common law tem se inserido cada vez mais no civil law, mas não há como negar que apesar dos precedentes terem sido inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive de forma expressa no Novo Código de Processo Civil, ainda existe grande discussão sobre os precedentes vinculantes, o conflito se encontra na questão da reprodução das decisões, se os precedentes geram insegurança jurídica e arbitrariedades.
Diante disso, questiona-se: de que forma o judiciário se torna instável ou estável, gerando (in) segurança jurídica, quando da utilização dos precedentes judiciais e como podem ser superados, levando em consideração a isonomia, equidade e racionalização dos processos.
Com a utilização dos precedentes judiciais, a segurança jurídica seria alcançada na medida em que haveria, com sua adoção, maior previsibilidade das decisões judiciais em causas idênticas, o que resultaria na estabilidade do ordenamento jurídico. (MARINONI, 2013). Se por um lado a previsibilidade seria alcançada pela utilização dos precedentes judiciais, para Andrade (2001) provocaria o engessamento ou a chamada imobilização do direito, posto que tornaria inútil a criação de novas jurisprudências.
A relevância social dessa temática se dá em função da sociedade ser atingida pelos precedentes uma vez que ao afastar a inercia do judiciário as pessoas buscam resoluções justas, e como os precedentes têm sido utilizados como fundamentação, é de enorme relevância que sejam criados artigos que possam conhecer mais a temática e construir um pensamento posicionando-se nas questões referentes ao uso dos precedentes e se eles tornam o judiciário imutável.
Este artigo é relevante para o âmbito acadêmico pela ausência de informações a respeito dos precedentes judicias, da possibilidade de engessamento das decisões com casos análogos e de suas novidades nas legislações. Assim, por meio deste estudo poderemos levar mais conhecimento aos operadores do direito para melhor se informar sobre as alterações e novidades trazidas e mais conhecimento deste instituto e como se relaciona com o common law.
A escolha pessoal do tema se deu em virtude da imensa curiosidade advinda da utilização dos precedentes, do NCPC ter inserido, de como se dá a superação desse instituto, e de que forma os precedentes geram (in) segurança jurídica tanto para sociedade como um todo, como para o judiciário.
Para tanto, partiu-se do seguinte objetivo geral: Analisar a (in) segurança jurídica sob a ótica da teoria dos precedentes, a possibilidade do engessamento nas decisões judiciais. Afim de alcançá-lo foram desenvolvidos os seguintes objetivos específicos: descrever a perspectiva histórica dos precedentes judiciais, apresentar a classificação dos Precedentes Judiciais e técnicas de superação, avaliar a (in) segurança jurídica e a possibilidade de inflexibilização das decisões judiciais.
Metodologicamente, este artigo apresenta caráter de pesquisa exploratória, que conforme Gil (2002), a pesquisa exploratória objetiva uma maior familiaridade com o assunto em questão, oferecendo informações sobre este e formulando hipóteses através do estabelecimento de critérios para a devida elaboração com a intenção de possibilitar um melhor entendimento no que diz respeito aos precedentes judiciais, para isso foram usados materiais bibliográficos, artigos científicos e Códigos legislativos que deram fundamentação a este artigo.
2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
De acordo com Porto (2016, p. 190) “os precedentes judiciais são decisões judiciais que devem ser utilizadas em casos futuros como parâmetro para solução, tornando-se um paradigma a ser utilizado”. Entretanto, o conceito de precedente não é irrefutável pela doutrina, para autores como Bustamante (2012), os precedentes se constituem como qualquer decisão judicial que é utilizada para embasar uma fundamentação, para Streck (2013):
[...] o precedente é uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzida-seguida pelos tribunais inferiores, entretanto, sua condição de precedente dependerá de ele ser efetivamente seguido na resolução de casos análogos-similares. Ou seja, não há uma distinção estrutural entre uma decisão isolada e as demais que lhe devem “obediência hermenêutica”. Há, sim, uma diferença qualitativa, que sempre exsurgirá a partir da applicattio. (STRECK, 2013, p. 42).
Para Marinoni (2013, p. 214) “consiste na decisão judicial que elabora uma tese jurídica”, e complementando Taranto (2010, p. 8) explicita que “o precedente tem a função de atribuir racionalidade”.
Ante a conceituação, ao se falar em precedentes judiciais se torna inconcebível não falar sobre o sistema do common low, uma vez que tal instituto do direito tem sua gênese na tradição desse sistema.
Durante o período anglo-saxônico não havia um direito comum a todos na Inglaterra, o direito era diferente em cada tribo, baseando-se nos costumes e valores. Em 1066 os normandos invadirão a Inglaterra e estabeleceram o feudalismo destruindo a autossuficiência de cada tribo, fazendo com que poder fosse centralizado surgindo o common low, pois a centralização obrigava todos a manter a ordem de forma homogênea, os costumes dominantes eram impelidos a todos, sob pena de desobediência ao soberano. (BARBOZA, 2014).
Destarte, o sistema do common law surge de uma relação de dominação, uma vez que os normandos foram os vencedores e impuseram suas normas aos perdedores, que eram as tribos, o ordenamento criado pelos normandos foi um meio utilizado para dominar os ingleses. Nessa época em que o common law estava se estruturando, o monarca estava no topo da hierarquia, controlando e criando o direito e os tribunais de justiça aplicavam. (BARBOZA, 2014).
Posteriormente a formação do common law, surge a equity, segundo Streck (2013, p. 22), “caracterizava-se por ser um recurso voltado à autoridade real diante da injustiça de flagrantes casos concretos, que eram despachados pelo chanceler, encarregado de orientar e guiar o rei em sua decisão”. Assim, a equity surge para reparar as necessidades dos processos, mas ela inserida dentro do common law, pois com seu ingresso os súditos aceitavam a jurisdição imposta, do contrário o ordenamento criado não seria aceitado no território conquistado pelos normandos. (BARBOZA, 2014).
Os precedentes judiciais surgiram nesse período, pois era fundamental que fosse criada uma forma de vincular “esse direito substancial a futuros casos” com o intuito de que a isonomia fosse assegurada, pois vinculando os casos não correria o risco de serem julgados de forma distinta e que através dos precedentes houvesse unanimidade servindo de “produção de conhecimento”. (STRECK, 2013).
O termo precedente foi utilizado pela primeira vez em 1557. A doutrina dos precedentes consiste em teoria que alça as decisões judiciais como fonte imediata do
Direito junto à equidade e legislação. Dessa maneira, a doutrina dos precedentes vincula as Cortes no julgamento de casos análogos. Essa doutrina, para ser aplicada, demanda dos juízes a avaliação de quais razões jurídicas foram essenciais para o deslinde das causas anteriores. (STRECK, 2013, p. 40).
Assim, o progresso do direito inglês advém das jurisprudências, das decisões judiciais e entendimentos. Para Barboza (2014, p. 194) “o stare decisis é o meio pelo qual as decisões judiciais adquirem um caráter de obrigatoriedade quanto à sua observância, ou seja, a decisão judicial passará a vincular as futuras decisões sobre casos análogos”, contudo o autor supramencionado expõe que o juiz não tem obrigação de decidir como dispõe a decisão anterior, pois cada caso é diferente, o magistrado poderá então utiliza-la, supera-la ou motivar o porquê da não utilização do precedente.
Desta forma, a teoria do stare decisis assegura proteção e coerência nas decisões, uma vez que as decisões são vinculadas por meio dos precedentes, e ainda unificam a racionalidade de um caso a outro análogo. (BARBOZA, 2014).
No Brasil adotamos o sistema do civil law, ao qual a lei é plenamente aplicável, é o pricipium do direito. O termo civil law deriva da ingerência do direito romano nos países europeus e suas colônias, assim Vieira (2007) dispõe que:
[...] a expressão Civil Law, usada nos países de língua inglesa, refere-se ao sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antiga e que, desde então, tem-se desenvolvido e se formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto, também denominado sistema Romano-Germânico. (2007, p. 270).
Durante muito tempo os países que adotam esse tipo de sistema têm compreendido o common law como um modelo jurídico dotado de demasiada complexitude, muitos juristas depreciam esse sistema no que cerne as limitações da jurisdição e a figura do magistrado. (LOURENÇO, 2012).
Todavia, o civil law hodiernamente tem se aproximado muito do common law, mesmo que o civil law adota a lei como fonte primeira do direito e o common law adota a jurisprudência como fonte primordial. Contudo, é notável que os precedentes têm origem nos costumes, tendo ligação direta com o sistema common law, mas não se confundindo, vez que Sabino (2010, p. 61) explicitara “o modo de operacionalizar o sistema da common law que é o sistema de precedentes”, deste modo, a teoria do stare decisis et non quieta movere, compreende essa noção de que a decisão anterior vincula as demais. (NOGUEIRA, 2011).
Assim, a ideia de estimular as decisões jurisdicionais tem origem no sistema do common law, de tal forma, que existe uma vinculação aos casos futuros semelhantes. Essa vinculação surge por volta do sec. XIX, no caso Beamish v. Beamis e London Street Tranways v. London County Council, a ideia que se tinha, era que ao julgar casos semelhantes com sentenças semelhantes, estariam evitando inseguranças e incertezas, e com isso surgiu os precedentes vinculantes. (NOGUEIRA, 2011).
Segundo Ascenção (1975, p. 12) precedente é “a possibilidade de que o juízo futuro se declare vinculado a decisão anterior, em face da identidade de casos” de certo que findou-se a stare decisis et non quieta movere, e buscou-se mais unanimidade nas decisões quando forem materialmente idênticas. Destarte, a proposta dos precedentes vinculantes era formar decisões únicas quando houvessem casos futuros semelhantes, para compreender a aplicação desses precedentes, Porto (2016) explica que fundamentação da doutrina norte-americana quando da utilização dos precedentes vinculantes:
I- As Cortes devem respeitar as resoluções superiores, e decidir as demandas aplicando a mesma decisão quando houverem as mesmas questões legais, para que valorize a “segurança jurídica”.
II- Em valorização ao princípio da isonomia, a previsibilidade das decisões semelhantes e imparcialidade por parte do julgador são substanciais.
III- Se não houvessem a igualdade nas decisões judiciais, seria extremamente difícil a concepção das demandas iniciais.
IV- A teoria do Stare decisis atribui credibilidade ao poder judiciário de uma sociedade, uma vez que reflete nas opiniões tidas como consciente e impessoais, dado que não levam consideração o caráter subjetivo, mas tão somente o fato e aplicação de uma decisão unanime, quando for matéria semelhante.
V- E por fim, tem a utilidade de reduzir a imparcialidade, dando segurança jurídica e qualidade na prestação de serviços, melhorando o convívio social.
Hodiernamente, se tem grande discussão sobre os precedentes, se eles engessam ou não o judiciário, segundo Porto (2016), os precedentes “constroem a cada caso de forma discurso-argumentativa”. Ainda, complementando o autor Streck (2013) afirma que os precedentes são utilizados, mas que o juiz ao interpretar o precedente vai considerar os fatos do caso análogo, o ordenamento jurídico, e ajustar tudo ao caso concreto, então não engessaria. Mesmo que os precedentes de caráter obrigatório, que explicaremos mais adiante, tem efeito de vinculação de todos os órgãos de hierarquia inferior. (TUCCI, 2010).
Portanto, conclui-se que no Brasil os precedentes judiciais têm tido resultados positivos, uma vez que ao procurar o judiciário muitas pessoas tem decisões diferentes tendo o mesmo problema, e mesmo os precedentes tendo um caráter negativo pois surgiram sob a ótima de dominação, para demonstrar "justiça” nas decisões por não haver divergências, quando se utilizam precedentes judiciais os casos análogos se assegura que as sentenças tenham resoluções semelhantes, mas não limitando o julgador de forma que não possa superar o precedente.
3 CLASSIFICAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E TÉCNICAS DE SUPERAÇÃO
No Brasil sempre se afirmou que a lei é fonte primária do direito, com fundamento do positivismo jurídico. A partir de tais influências construiu-se um sistema todo escrito, conhecido como civil law, como o dos países herdeiros da família romano-germânica, conforme dito anteriormente (LOUREÇO, 2011).
Contudo o Novo Código de Processo Civil tem mudado essa realidade, visto que expressamente faz menção a utilização de precedentes judiciais, ferramenta essa que é característica do sistema common Law. (LOURENÇO, 2011).
Dessa forma, Didier, Braga e Oliveira (2015, p. 441) conceituam os precedentes judiciais como sendo “decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”. A utilização de tais precedentes judiciais tem sido defendida sob a ótica de que facilita o julgamento de demandas repetitivas, fato que este que acaba desafogando o Poder Judiciário e consequentemente contribui para a celeridade e efetividade processual, fazendo valer o princípio da razoável duração do processo (CALDAS, 2013).
Ademais, os precedentes judiciais possuem quatro classificações, sendo essas: precedentes declarativos, precedentes criativos, precedentes persuasivos e precedentes vinculantes (CALDAS, 2013).
Os precedentes declarativos, conforme afirma (CALDAS, 2013) possui mais facilidade de serem utilizados nos sistemas jurídicos mais desenvolvidos, porque as diversas questões já estão reguladas por atos Legislativos ou pelas decisões judiciais anteriores, o que denotam às novas decisões o caráter puramente declarativo.
Os precedentes declarativos reconhecem e aplicam uma determinada norma jurídica preexistente, declarando a existência de um Direito já previamente consolidado. Observa-se que o Direito já está formalizado através da sua materialização por normas jurídicas, principalmente emanadas pelo Poder Legislativo, que restringe significativamente a atividade criativa do Poder Judiciário, concernente à produção de normas jurídicas. Logo, tais precedentes caracterizam-se apenas pela função declarativa do Direito preexistente (CALDAS, 2013, p. 26).
Por sua vez, os precedentes criativos normatizam novas normas jurídicas, que se transformam em fonte de Direito, visto que criam normas que não existiam. Portanto é criativo o precedente em que “determinado magistrado precisa suprir a lacuna legislativa, ou ainda quando encontra cláusulas gerais, que lhe permite atuar com certa discricionariedade, na busca pela resolução de um caso concreto” (DIDIER; GRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 387).
Os precedentes persuasivos são aqueles que, não necessariamente precisão ser seguidos pelo juiz, contudo podem servir de fundamento em outras decisões (MACÊDO, 2015). Sua observância, portanto, “não é obrigatória, possuindo apenas o caráter argumentativo para a tomada de decisão em determinado sentido. O juiz segue não porque é obrigatório, mas porque está convencido de que o entendimento do precedente está correto” (MACÊDO, 2015, p. 100).
Já os precedentes vinculantes (binding precedent) conforme afirma Macêdo (2015), são aqueles que o Juiz é obrigado a seguir ao emitir suas decisões em casos semelhantes. “A não observância do Juiz pode incorrer em erro quanto à aplicação do Direito, que pode se revelar tanto como error in judicando como error in procedendo” (MACÊDO, 2015, p. 102).
Ademais, quanto à superação dos precedentes judiciais, os sistemas que adotam o uso da força obrigatória dos precedentes, chamado stare decisis, adotam técnicas especificas para essa superação permitindo assim, uniformidade e estabilidade no Direito. Distinguishing e overruling são as principais técnicas de uso e superação (SOUSA, 2007).
Na técnica distinguishing a aplicação do precedente no caso que está sendo julgado, conforme afirma Marinoni (2013) solicita a comparação do caso a ser julgado e a decisão anterior que se pretende aplicar, tendo o intuído de verificar se é adequado o emprego da ratio decidendi da decisão que possa regular as consequências jurídicas do caso em julgamento. “A técnica de confronto, no qual demostre a inadequação do uso da ratio decidendi em razão da diferença fática com o caso a ser decidido é chamado de distinguishing” (MARINONI, 2013, p. 307).
No que diz respeito a técnica overruling, a corte a realiza quando percebe que o precedente ou a decisão de tribunal de instancia inferior, se formou produziu de forma errônea ou é inapropriado, devido à ocorrência de mudanças sociais, que alteram o direito julgado. As condições para a revogação de precedentes surgem quando há incoerência sistemática ou quando ocorre perda de conformidade social (MARINONI, 2013). Ocorre que:
O precedente não tem congruência social ou consistência sistêmica, quando constata controvérsia, gerando distinções inconsistentes, ou no surgimento de novo valor social, o qual determina sua superação. Para Marinoni, a manutenção de tal precedente seria contrária às justas expectativas dos jurisdicionados que, baseados nas sinalizações das Cortes, passaram a se comportar de acordo com a nova realidade social (MARINONI, 2013, p. 307).
Contudo, de acordo com Marinoni (2013), para que ocorra a revogação de precedentes, até mesmo pela Corte, é necessária uma justificativa e uma seria argumentação, visto que os precedentes representam a confiabilidade de tratamento igualitário nas relações jurídicas.
4 (IN) SEGURANÇA JURÍDICA E A POSSIBILIDADE DE “INFLEXIBILIZAÇÃO” DAS DECISÕES JUDICIAIS.
Uma das mais utilizadas argumentações para a adoção dos precedentes judiciais, baseiam-se na busca pela concretização da segurança jurídica, visto como um elemento intrínseco do próprio direito, sendo essa uma condição estrutural de qualquer ordenamento jurídico (AVILA, 2012). O autor assevera que “Não é viável um sistema jurídico que admita a existência de situações jurídicas semelhantes, com diferentes resultados jurisdicionais em um mesmo período e mesmo espaço territorial” (AVILA, 2012, p. 119).
Contudo, independente da correlação entre o caso a ser julgado e o precedente judicial precisa-se atentar ao fato de que julgar não significa simplesmente se valer de decisões prévias. Trata-se de tarefa mais profunda, que requer a análise do caso concreto, para, se for o caso, verificara distinção entre as situações, o que ocasionará decisão diferente ao precedente (LOPES FILHO, 2014). Isto é natural, uma vez que as situações não serão semelhantes.
Segundo Lopes Filho:
Considerar, no entanto, não significa seguir cegamente ou hiperintegrar sistema. O magistrado não pode se esconder em julgamentos superiores para
se furtar de seu dever constitucional de julgar os casos mediante análise contraditória do que foi efetivamente produzido. Se o precedente é
suficiente, não basta citá-lo, há que demonstrar, adicionalmente, essa
suficiência (LOPES FILHO, 2014, p. 401).
O precedente não deve ser seguido simplesmente por critérios de autoridade
hierárquica. A hierarquia é um importante fator, mas se for o único a ser considerado, é
possível que o resultado seja o mesmo que ocorreu com a lei (LOPES FILHO, 2014).
Ainda, ele não é lei, e, portanto, não pode ser concebido ou aplicado como a lei. Ao aplicar precedentes, a argumentação jurídica ganha força, a partir de uma análise dialética de diversos fatores sociais, políticos, culturais, históricos. Eis a característica
hermenêutica dos precedentes. É desta análise que as consequências benéficas do precedente
devem ser extraídas, e não da mera observância hierárquica, que apesar de ser importante, não
é absoluta (LOPES FILHO, 2014).
Em casos como esse, deve-se, portanto, colocar em pratica as técnicas de superação dos precedentes, visando um julgamento justo, dando uma nova interpretação ao precedente que foi utilizado em um julgamento semelhante, adequando assim ao atual caso posto em questão.
Ainda no entendimento de Lopes Filho (2014), uma teoria dos precedentes que contenha pretensão normativa, tem não apenas a missão descritiva do passado, mas uma missão construtiva do futuro.
O autor supramencionado ratifica sobre a função dos precedentes, in verbis:
Enriquecer o sistema jurídico. Fala-se principal ou primário porque não é uma função que decorra do uso do precedente, mas de um papel próprio que desempenha em relação às demais partes do sistema. É com suporte nele que se detectam outras funções secundárias (acessórias). Com isso em mente, é possível se falar em
segurança jurídica (na forma de coerência sistêmica e necessidade de detida análise do que leva à nova decisão); em economia processual (como economia hermenêutica e argumentativa) e em igualdade que lhe é própria (afastamento de desintegração e hiperintegração do Direito). Estas sim, são
funções exercidas no uso do precedente. (LOPES FILHO, 2014, p.[?]).
A importância do precedente não é apenas definir dada interpretação, ou determinar significados, tais funções são consequência e não causa. O valor principal do precedente está em reinserir continuamente em sucessivos jogos de aplicação/interpretação os significados apurados a fim de obter novos resultados mais adaptados à realidade. (LOPES FILHO, 2014).
Partindo desse entendimento, apresentaremos cinco decisões judiciais que versão sobre congelamento do saldo devedor, cujos juízes adaptaram o precedente judicial de acordo com o caso concreto, proferindo decisões diferentes conforme apresentado em anexos. (LOPES FILHO, 2014).
Ao tratar de precedentes, a igualdade e a segurança podem ser vistas como a certeza de que determinada decisão será seguida de forma reiterada, em casos similares. E de fato a doutrina do stare decisis prega que casos similares tenham decisões similares, mas a questão não se exaure apenas com isto (LOPES FILHO, 2014).
Sem dúvida, a aplicação de um entendimento jurisprudencial de uma corte superior permite que haja segurança jurídica, no sentido acima tratado. Mas caso a análise dos
elementos constituintes do precedente judicial, quais sejam ratio decidendi e obiterdicta, seja
feita erroneamente, os prejuízos serão ainda maiores, vez que além de uma decisão errônea, ter-se-á um precedente para casos futuros (LOPES FILHO, 2014).
Não se pode negar que existem casos, especialmente em demandas repetitivas, em que é simples aplicar um precedente, pois a tese jurídica será reaplicada em um contexto
praticamente igual a aquele em que o precedente surgiu. Mas existem outros casos, em que
essa aplicação é muito mais difícil. E aceitar a aplicação inadequada de um precedente
simplesmente por ser ligeiramente semelhante ao caso em análise, e por ser oriundo de um
tribunal hierarquicamente superior é um verdadeiro risco. Esta prática não permitirá alcançar
a segurança jurídica tão almejada (LOPES FILHO, 2014).
Ademais, Marinoni (2013) afirma que a segurança advém da interpretação da lei, e não da lei propriamente dita, visto que uma vez que a lei pode ter diversas interpretações, a segurança é alcançada quando o Judiciário determina seu alcance no caso concreto. Dessa forma, trata-se de uma defesa da autoridade do precedente judicial.
A segurança que deve ser buscada não é a certeza da aplicação de um pronunciamento de um tribunal superior, e sim, a certeza de que os precedentes serão considerados na argumentação jurídica, e ainda, mais, que serão devidamente explicadas as razões para sua aplicação, ou não. (MOREIRA, 2013).
Apesar das argumentações favoráveis acerca da utilização dos precedentes judiciais, existem opiniões contraria a respeito da sua utilização, cabendo assim ao julgador à responsabilidade de utilizar o instituto de forma cautelosa (MOREIRA, 2013).
Ademais, a questão quando ao engessamento das decisões judiciais também foram levantadas. Moreira (2013) afirma que é indispensável que o julgador tenha certa flexibilidade ao proferir uma sentença, de modo que o precedente utilizado se ajuste a nova realidade social. Moreira (2013) salienta que as mudanças sociais são percebidas primeiramente pelos juízes de instâncias inferiores, pois estes julgam antes dos outros conflitos de interesse, dos quais surge a nova realidade social.
Bloquear, de forma direta ou indireta, na produção dos órgãos situados na base da pirâmide judiciária, os eventuais desvios das teses firmadas sem grau superior significa, em certos casos, barrar precocemente um movimento, talvez salutar, de renovação da jurisprudência (MOREIRA, 2013, p. 311).
Estudiosos afirmam que a utilização dos precedentes acarreta o engessamento das jurisprudências, contudo, faz-se necessário lembrar que existem possibilidades de o julgador reverem suas decisões, isso ocorre quando há alteração das circunstancias que ensejaram os precedentes (MOREIRA, 2013). Ademais, é certo que muito ainda terá de ser analisado, visto que existem pontos positivos e negativos na utilização dos precedentes judiciais.
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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AVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2. Ed. São Paulo: Malheiros editores, 2012.
BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica: fundamentos e possibilidades para a jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014.
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012.
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DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. V. 2. 10.Ed. Salvador: JusPODIVM, 2015.
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LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPODIVM, 2014.
MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3.Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos: um enfoque comparativo. Tema de Direito Processual. Nona série. São Paulo: Saraiva, 2013.
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SABINO, Marco Antonio da Costa. O precedente jurisdicional vinculante e sua força no Brasil. Revista Dialética de Direito Processual Civil n. 85, abril 2010.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente Judicial à Súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2007.
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
TARANTO, Caio Márcio Gutterres. Precedente judicial: autoridade na jurisdição constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004.
VIEIRA, Andréia Costa. Civil law e common law: os dois grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007.
ANEXO 1
EMENTA
DECISÃO
TJMA-0099451) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE NULIDADE DE ATA DE INSTALAÇÃO DE CONDOMÍNIO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARTE E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 DIAS PARA A ENTREGA DA OBRA. CLÁUSULA VÁLIDA. CONGELAMENTO DO SALDO DEVEDOR. SUSPENSÃO APENAS DOS JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DE UM ÍNDICE MAIS BENÉFICO. INVERSÃO DA MULTA CONTRATUAL PREVISTA EXCLUSIVAMENTE CONTRA O CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. NÃO CONFIGURAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INTELIGÊNCIA DO ART. 21, DO CPC/1973.
[...]II. A correção monetária serve para recompor o poder aquisitivo da moeda, corroído pelos efeitos da inflação e não se relaciona com juros decorrentes da mora. Ausente o direito ao"congelamento"do saldodevedor no tocante a correção monetária em razão da mora da construtora/segunda apelante na entrega do imóvel aos compradores. III. Nas hipóteses de atraso na entrega da unidade imobiliária deve haver a suspensão da aplicação apenas dos juros de mora, mas fazendo incidir a correção monetária, com a consequente substituição, como indexador do saldodevedor, do INCC pelo IPCA, a partir do transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da obra, incluindo-se eventual prazo de tolerância previsto no instrumento.
*Processo nº 037021/2016 (198693/2017), 4ª Câmara Cível do TJMA, Rel. José Jorge Figueiredo dos Anjos. DJe 13.03.2017
ANEXO 2
EMENTA
DECISÃO
TJMA-0099327) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. CONGELAMENTO DO SALDO DEVEDOR. INVERSÃO DA MULTA CONTRATUAL PREVISTA EXCLUSIVAMENTE CONTRA O CONSUMIDOR. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
[...]III - O atraso na entrega da unidade residencial já ultrapassou os limites do razoável, afigura-se imperiosa a exclusão da correção monetária sobre o saldodevedor, pois não é razoável que a construtora seja contemplada com a incidência dessa verba por conta de sua própria desídia em não concluir a obra.
* Processo nº 058020/2014 (198550/2017), 5ª Câmara Cível do TJMA, Rel. José de Ribamar Castro. DJe 10.03.2017.
ANEXO 3
EMENTA
DECISÃO
TJMA-0098947) PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. SALDO DEVEDOR. CONGELAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PERCENTUAL FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS. REDUÇÃO. NECESSIDADE.
[...]2. Se a construtora não cumpriu o contrato perpetrado entre as partes, não pode exigir que o consumidor cumpra também por completo o pactuado. Incidência do princípio da" exceção do contrato não cumprido ". O congelamento do saldodevedor durante o período do atraso não se mostra possível. Todavia," segundo a orientação do STJ, para preservar a equivalência econômica entre a sanção e a inadimplência da construtora, o INCC deve ser substituído pelo IPCA, vez que este índice é mais vantajoso para o consumidor "(TJMA - AI: 48594/2014, Relator: Des. Velten Pereira, DJe: 16.03.2015).
*Processo nº 058020/2014 (198550/2017), 5ª Câmara Cível do TJMA, Rel. José de Ribamar Castro. DJe 10.03.2017.
ANEXO 4
EMENTA
DECISÃO
TJMA-0098947) PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. SALDO DEVEDOR. CONGELAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PERCENTUAL FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS. REDUÇÃO. NECESSIDADE.
[...]3." Deve ser mantida a antecipação de tutela concedida pelo magistrado singular para congelar o saldo devedor a partir da data prevista contratualmente para conclusão e entrega do imóvel, bem como para impedir a realização de cobranças extrajudiciais e a negativação dos nomes dos agravados por parte dos agravantes, tendo em vista o atraso reiterado e injustificado da obra "(TJMA. Agravo de Instrumento nº 20148/2013 - Relatora: Des. Cleonice Freire - Data do ementário: 01.10.2013). 4. O congelamento do saldodevedor deve respeitar a cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, apenas quando há previsão contratual, o que não foi demonstrado no caso presente. Opera-se, de qualquer forma, apenas até a data da averbação do HABITE-SE. Precedentes deste Tribunal.
*Processo nº 036295/2016 (197682/2017), 3ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Lourival de Jesus Serejo Sousa. DJe 21.02.2017.