Negócio Processual Probatório a inversão do ônus da prova no NCPC.


03/03/2022 às 12h51
Por Antonia Leonida Advocacia

NEGÓCIO PROCESSUAL PROBATÓRIO: A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA[1].

Antônia Leonida Pereira de Oliveira²

Danilo da Silva Magalhães²

Diego Menezes³

RESUMO

O presente artigo tem o escopo tratar sobre a inversão convencional do ônus da prova, relacionando com a temática do negócio processual probatório e como isso se insere nas alterações advindas com o Novo Código de Processo Civil. Para tanto disporemos de uma abordagem comparativa entre o antigo código de processo civil de 1973 e o NCPC/2015, tratando das suas distinções e inovações e como esse instituto trouxe simplificação para o processo. Abordar-se-á a Teoria da Carga Dinâmica das Provas, suas espécies, limites e pressupostos e seus impactos no Poder Judiciário brasileiro, no que se refere à limitação do poder instrutório do juiz, advindos com a possibilidade do acordo de vontades em matéria probatória. Destarte, toda esta análise foi devida para melhor compreensão do âmbito da inversão do ônus da prova, como tal instituto se dá no procedimento do processo civil, como essas inovações corroboram para celeridade processual tão vislumbrada e ambicionada pelo NCPC, e também, que reflexos essa seara terá ante aos negócios processuais probatórios, conferindo relevância à espécie convencional.

Palavras-Chave: Inversão do Ônus da prova. Negócio processual probatório. Teoria da carga dinâmica das provas. Inovações. Novo Código de Processo Civil.

1 INTRODUÇÃO

O principal escopo do negócio processual é refrear a burocratização e atribuir celeridade ao processo, vez que a simplificação procedimental é precisa e determinada. É por esse motivo que o legislador, ao reformular o código de processo civil de 1973 elenca no artigo 190 do NCPC/2015 a possibilidade das partes acordarem acerca do procedimento, de forma a ajusta-lo conforme as especificidades da causa inclusive convencionando sobre o onus probandi (BRASIL, 2015).

A possibilidade de negocio processual, abarcado pelo Novo Código de processo civil, constitui-se como uma inovação que opera em contraposição ao procedimento altamente moroso e oneroso vigente em nosso ordenamento jurídico. Consiste em oportunizar as partes em realizar o procedimento, conforme acordarem entre si, conferindo maior prestígio à autonomia e auto regramento da vontade.

Em se tratando de matéria probatória, o legislador levou em consideração os precedentes jurisprudenciais e doutrinários na construção do NCPC/2015, positivando a inversão do ônus da prova, inovando acerca da modalidade convencional, meio pelo qual as partes deliberam entre si de forma consensual “quem prova o que”, estendendo o fixado pelo CPC de que autor prova fatos constitutivos de seu direito e réu prova fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor.

Todavia, a inovação a respeito de negócios

Percebemos o avanço da nossa legislação processual civil no que tange o reconhecimento da realidade socioeconômica da população brasileira e o desfazimento da cultura de afastamento da jurisdição devido a morosidade e onerosidade excessiva. Com o advento da teoria da carga dinâmica das provas verificamos a intenção de justiça do legislador em atingir o equilíbrio entre as partes em relação ao ônus da prova, vez que a incumbência de provar determinado fato será direcionado para a parte que dispuser de maiores condições de faze-lo.

Diante do que fora supradito, compreendemos que a admissão da inversão do ônus da prova instituída pelo NCPC decorre da impossibilidade de resolução do conflito em face das provas diabólicas, podendo atribuir o ônus da prova à qualquer uma das partes no processo que esteja melhor preparada para provar determinado acontecimento/ fato. Desta forma pretendemos analisar de que forma a possibilidade de inversão do ônus da prova, que constitui tremenda inovação processual, pode ser mecanismo eficiente dentro do procedimento no processo civil.

A relevância social dessa temática se dá em função da disseminação de um processo extremamente envolvente e acessível às partes que pretendem ingressar com uma demanda no judiciário, extinguindo o ideário de um procedimento ineficaz. Pretendemos levar ao conhecimento do leitor a possibilidade de convenção do ônus da prova dentro da composição do processo, trazida pelo legislador no CPC/215, simplificado o processo de modo que atenda as exigências das partes de forma equilibrada e justa evitando os traços desigualdades e morosidade processual e altas custas no processo.

Este artigo é relevante para o âmbito acadêmico pela ausência de informações a respeito de negócio processual probatório, que nos motivou a fazer esta pesquisa, buscando entender à inversão convencional do ônus da prova, onde as partes se manifestam para deliberarem na seara probatória da melhor forma para ambas, afastando a interferência estatal. O legislador conferiu ao processo maior equilíbrio entre as partes em relação à questões como hipossuficiência e verossimilhança nas alegações, atingindo os objetivos traçados pelo NCPC/215. Assim, por meio deste poderemos levar mais conhecimento aos operadores do direito para melhor se informar sobre as alterações e novidades trazidas com o NCPC em seara de inversão do ônus probandi.

A escolha pessoal do tema se deu em virtude da imensa curiosidade advinda pela novidade trazida pelo NCPC/2015 em atribuir às partes a capacidade de compor um procedimento especifico que atenda as suas necessidades, para além disso, pela convenção na seara probatória que foi algo que despertou demasiado interesse por ser completamente desconforme à legislação anterior, compreendemos que a temática configura-se como uma quebra de paradigmas e ritos processuais rígidos no CPC/73 e demonstra-se como evolução dentro de nossa legislação.

Para tanto, partiu-se do seguinte objetivo geral: analisara inversão do ônus da prova em relação aos negócios processuais probatórios. Afim de alcançá-los foram desenvolvidos os seguintes objetivos específicos: demonstrar as inovações no novo código de processo civil no que se refere ao ônus da prova, explicar teoria da carga dinâmica das provas e as espécies de inversão do ônus da prova e frisar os impactos advindos com a inversão convencional do ônus da prova.

Metodologicamente, este artigo apresenta caráter de pesquisa exploratória, que conforme Gil (2002), a pesquisa exploratória objetiva uma maior familiaridade com o assunto em questão, oferecendo informações sobre este e formulando hipóteses através do estabelecimento de critérios para a devida elaboração com a intenção de possibilitar um melhor entendimento no que diz respeito a inversão do ônus da prova, para isso foram usados materiais bibliográficos, artigos científicos e Códigos legislativos que deram fundamentação a este paper.

2 AS INOVAÇÕES NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO QUE SE REFERE AO ÔNUS DA PROVA

Todas essas mudanças estruturais processualísticas do novo Código de Processo Civil não advieram de forma simples, a necessidade de equilibrar o publicismo e o privatismo fez surgir uma concepção diferente de processo, onde as partes puderam dispor sobre procedimentos, mas pela burocratização e formalismo impregnados no processo, as etapas deste se tornaram extensas e morosas, afastando a celeridade e a economia processual. As excessivas demandas e mora no Poder Judiciário foram fatores determinantes para a criação de um código que fosse reflexo dos princípios constitucionais e da realidade econômica da sociedade. (VIELA; NETO, 2016).

A despeito disso, o Novo Código de Processo Civil foi pensado a luz da simplificação do processo, da garantia do contraditório e obtenção do maior rendimento da primazia processual. Não menos meritório, foi dada enorme projeção ao Princípio do Auto Regramento de Vontade das Partes, valorizando a autonomia privada que outrora era totalmente afastada do rito processual no momento em que se pedia a tutela jurisdicional, o NCPC possibilitou que as partes dispusessem sobre procedimentos através dos negócios processuais atípicos, através da cláusula geral prenunciada no art. 190, fazendo com que os acordos probatórios não se restringissem ao que o legislador elencou. (MACHADO, 2015).

O art. 190 dispõe que:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. (BRASIL, 2015).

Partindo desse pressuposto, o referido código inovou em matéria probatória, admitindo que qualquer meio de prova, desde que seja lícito, pode ser utilizado para a comprovação da veracidade dos fatos alegados, como dispõe o art. 369. (BRASIL, 2015).

O que nos convém analisar de forma mais específica é a Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus da Prova, que já era utilizada antes pela jurisprudência e reconhecida em várias sentenças, entretanto, não á que se negar que vindo expressa no novo código se obtém maior legitimidade.

Conforme a jurisprudência:

Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC (antigo), uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso. (STJ, REsp 1.286.704)

No CPC de 1973 o Ônus da Prova era conduzido pelo caráter estático, através dessa teoria, era incumbido a cada parte produzir provas de determinada espécie, conforme o art. 333, onde ao réu caberia provar fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor, e este provaria fatos constitutivos. (BRASIL, 2015).

Entretanto, a justificativa de que a referida teoria trazia segurança aos polos da relação processual era, por vezes, equivocada, vez que a atividade probatória relativa aos fatos era distinta para os litigantes, em consequência disso, havia uma situação de desequilíbrio, pois em determinados casos, era impossível a um polo produzir a prova por não ser acessível. (GODINHO, 2007).

Em decorrência disso, o Código de Defesa do Consumidor adotou a Teoria da Inversão do Ônus da Prova, disposta no art. 6º, inciso VIII, in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (BRASIL, 1990).

Dessarte, o juiz deveria inverter o ônus da prova do fato constitutivo, caso houvessem presentes a verossimilhança das alegações do autor e/ou a sua hipossuficiência. Esse artigo, provocou grande objeção entre os cientistas jurídicos, em razão de que compreendiam que o CDC estava concedendo muita proteção ao consumidor, no entanto, com essa novidade do CDC muitas ocorrências em que havia verossimilhança ou/e hipossuficiência puderam ser satisfeitas de uma forma mais isonômica para as partes. Importante frisar, que o ônus da prova somente era deslocado do autor para o réu, não podendo o inverso. (MIRAGEM, 2016).

Sem embargo, a doutrina e a jurisprudência notaram que a distribuição estática se evidenciava exígua em algumas conjunções. Desta forma, o legislador deduzia que havia à necessidade de flexibilização das cargas probatórias, permitindo que as partes tivessem a devida tutela dos seus direitos fundamentais processuais. (MIRAGEM, 2016).

A vista disso, o CPC de 2015 consagrou em seu texto normativo (Art. 373) a teoria da dinamização da prova, estabelecendo dois elementos essenciais (§ 1º), a decisão motivada do juiz e a faculdade da parte de se desincumbir do ônus conferido. Além disso, vale ressaltar que a dinamização opera em fatos específicos, pois o juiz deve indicar quais provas serão atingidas pela modificação dos encargos probatórios. (ALVIM, 2015).

No entanto, a dinamização é utilizada apenas nas hipóteses que à grande dificuldade na produção de prova de um polo e de outro polo muita facilidade, e mesmo que a dinamização esteja apta em determinado caso para ser aplicada, se este novo encargo implicar numa prova diabólica, ela não será aplicada, como dispõe interpretação do § 2º do art. 373 do CPC/2015. (BRASIL, 2015).

Conforme Apelação Civil 1002411309684600 “Prova diabólica é aquela que é impossível, senão muito difícil, de ser produzida. A jurisprudência usa a expressão prova malévola, outrossim, para designar prova de algo que não ocorreu, ou seja, a prova de fato negativo”. (BRASIL, 2013, grifo do autor, p.?).

Além disso, o NCPC pressagia no art. 373, § 3º, a possibilidade da distribuição do ônus da prova por convenção entre as partes, exceto quando recair sobre direitos indisponíveis da parte ou se se tornar excessivamente difícil a um dos polos o exercício do direito. (BRASIL, 2015).

Houve resistência doutrinaria na admissibilidade das convenções probatórias, alguns expressaram que a inversão convencional do ônus da prova, disposta no § 3º, interferia a atividade do juiz, que à vontade das partes só poderia intervir por autorização legal, grande parte dos doutrinadores adota essa argumentação. (MENEGALE, 1965).

Desta forma, o novo CPC trouxe grandes avanços neste instituto, mesmo permanecendo a distribuição estática, houve uma flexibilização maior nas hipóteses supramencionados. Além do mais, o direito probatório tem passado por mudanças significantes, a proposta do novo código tem sido muito aceita, vez que com as particularidades dos artigos novos, houve maior simplificação nos procedimentos, e o que se espera é que através dessas inovações a tutela jurisdicional se torne mais eficiente na resolução dos conflitos e que as partes possam contribuir para que as etapas do processo se tornem mais rápidas e justas, é certo afirmar que com as novidades apresentadas é possível que se encontrem o mais próximo da verdade possível e que o papel do juiz seja melhor efetivado com o auxílio das partes.

3 TEORIA DA CARGA DINÂMICA DAS PROVAS E AS ESPÉCIES DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Indubitavelmente o momento probatório do processo é o mais importante para afirmar o posicionamento do juiz perante um caso concreto, é na seara probatória que há a intenção de convencimento do magistrado sobre determinada demanda. Anteriormente, o código de processo civil (CPC) estabelecia a teoria estática da distribuição do ônus da prova, incumbindo ao autor provar os fatos constitutivo de seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor. (FRIEDRICH, 2013).

Acontece que, como foi visto, a adoção dessa teoria gerava injustiças e desigualdades dentro do processo, motivando assim, a incorporação da Teoria das Cargas Probatórias Dinâmicas em decorrência da particularidade características de cada lide. Originariamente argentina, a teoria da carga dinâmica das provas surgiu como a exceção e com intenção de flexibilizar o ônus probandi em casos específicos, em contra censo a teoria estática. Isso decorre de um entendimento em face das provas diabólicas, afirmando que poderá haver a inversão do ônus, permitindo que a parte melhor preparada para comprovar determinado fato, independendo de sua incumbência, o faça. (GERRA, 2009).

A dinamização da distribuição do ônus da prova tem por escopo a garantia de igualdade entre as partes do processo e prima por conferir de forma mais justa e possível a resolução do processo. Guerra (2009, p. 26) prenuncia que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova “surge fundamentalmente para equilibrar essa situação de desigualdade entre as partes cuja manutenção tornaria inútil [quaisquer] demanda proposta”. Desta forma, há uma sobreposição do entendimento do juiz, sobre o conflito, em relação às regras versadas sobre o ônus da prova, de modo que este determinará que a parte mais propensa comprove determinado fato instituído no processo, ainda que estivesse dispensada de tal incumbência (FREDERICO, 2013).

3.1 Limites e Pressupostos da Inversão do Ônus da Prova

Com base na disposição do Código de defesa do Consumidor que encontramos os pressupostos para a possibilidade da dinamização e consequentemente a inversão do ônus probandi. Decorrente do exposto, temos que o primeiro pressuposto da inversão do ônus da prova é o fundamento da verossimilhança.

Segundo Massa:

Verossimilhança é a aparência de realidade, é a aferição dos reais acontecimentos pelo sentir do magistrado, o que culmina no seu convencimento. No processo judiciário não se busca uma verdade absoluta, o que nem mesmo filosoficamente se pode conceber, mas apenas uma similitude de realidade, a aparência próxima, a verossimilhança (2016, p.[?]).

Logo, ficará a cargo da cognição do magistrado a interpretação acerca do caso concreto, julgando conforme sua percepção de verdade na lide. Nesse caso ele poderá admitir a inversão do ônus da prova levando em consideração as alegações do réu. (ANDRADE, 2008).

Outro pressuposto salientado no Art. 6, VIII, do CDC é a hipossuficiência, Andrade (2008) prenuncia que:

Vinculam a expressão hipossuficiente à situação de fraca ou escassa condição econômica. Mas, no contexto do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, hipossuficiente é, genericamente, o consumidor que se encontra, concretamente, em posição de manifesta inferioridade perante o fornecedor. (2008, p. 2).

Ampliando-se o conceito, concebemos a hipossuficiência como algo além da escassa condição econômica, temos que é uma insuficiência ou dificuldade, em sentido cultural e social, de comprovação de fotos controvertidos no processo, levando à inversão do ônus. (MATOS, 1994).

Vale ressair, que não haverá a distribuição diversa do Ônus da Prova, por acordo das partes, quando se discutir direitos indisponíveis e tornar excessivamente difícil para uma parte o exercício do direito, conforme o art. 373, § 3, incisos I e II. (BRASIL, 2015). Dessa maneira, os limites devem ser respeitados para que haja a inversão do ônus da prova, deve-se obedecer ao disposto no sentido de que não haverá a possibilidade de se convencionar a inversão do ônus quando se trará de direitos intrínsecos à condição humana e que não admite alienação e disponibilidade, além disso será impossível a inversão quando se tratar de um cumprimento probatório que é impossível para uma das partes, principalmente para a que se encontra em condição de inferioridade.

Portando, o respeito a esses limites impostos pelo legislador concede um entendimento de que a intenção é alcançar o equilíbrio entre as partes dentro de uma demanda processual, que se constitui um avanço, pois exceder tais pressupostos é retroceder o ideal de isonomia pregada pela própria Teoria da dinamização das cargas probatórias.

3.2 Das Espécies de Inversão do Ônus da Prova

O Art. 373 do CPC/2015, que revela a possibilidade de as partes convencionarem a inversão do ônus probandi, é uma grande inovação dentro da dinâmica do processo do conhecimento, com o disposto no Art. 190 que versa sobre negocio processual, admite-se a capacidade de se negociar o ônus. (PEIXOTO, 2015).

Para a Doutrina, há três espécies de inversão do ônus da prova: legal, judicial e convencional.

3.2.1 Da inversão judicial do ônus da prova

Essa espécie de se encontra no Art. 6º, inciso VIII do CDC. A inversão judicial ocorre a critério do magistrado, que poderá proferir decisão judicial pela aplicação da inversão do ônus da prova. As possibilidades que são previstas no artigo e que ensejam nessa modalidade de inversão são duas: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência. (TOALDO, 2012).

Nesta, a inversão é aplicada a quem melhor tiver condições de produzir as provas ante o caso. Podendo ser aplicada no início do processo, no saneamento do processo e na sentença. Assim, havendo os pressupostos, ou um ou outro, poderá o juiz requerer a inversão do ônus da prova. (TARTUCE; NEVES, 2012).

3.2.2 Da Inversão Legal do Ônus da Prova

Nesta espécie, não é necessária a análise do juiz, basta que haja previsão legal para que haja a inversão. Essas previsões estão dispostas no CDC e são relativas à aplicação da responsabilidade objetiva do fornecedor. (TOALDO, 2012).

A primeira disposição se encontra no art. 12, § 3º, onde é incumbido ao fornecedor o ônus de provar que não colocou produto com defeito no mercado, ou que houve culpa por parte do consumidor ou de um terceiro pelos danos. Como o consumidor tem direito da reparação dos danos, basta que ele prove nexo de causalidade entre o dano tido e fato danoso, assim o ônus é invertido ao fornecedor para que prove o disposto no caput do parágrafo. (BRASIL, 1990).

O art. 14, § 3º trata de o fornecer ter o ônus de provar que o serviço não possuiu defeito, ou houve culpa do consumidor ou de terceiro pelos danos. (BRASIL, 1990).

Vale ressaltar, que estas duas disposições se sujeitam aos pressupostos dispostos o art. 6 do CDC, tendo que haver hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança da alegação dele para justificar a inversão do ônus da prova quando se for dano motivado por defeito no produto ou no serviço. (BRASIL, 1990).

A última previsão se encontra no Art. 38 do mesmo código, onde aplicar-se-á a inversão legal quando tiver a necessidade do fornecedor provar a veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária que patrocina. O momento de inversão nesta modalidade é desde o início da demanda. (TARTUCE; NEVES, 2012).

3.2.2 Da Inversão Convencional do Ônus da Prova

A inversão convencional revela o caráter pessoal da resolução do processo, as partes acordão entre si a melhor forma para ambos, inclusive dentro do âmbito probatório. Brito (2011) ainda demonstra que:

A inversão convencional será mais uma forma de inversão do ônus da prova, se formalizando por acordo de vontade das partes nas relações jurídicas, podendo, ser estabelecida por cláusulas contratuais em um momento anterior a instrução processual ou por pedido endereçado ao magistrado até o saneamento do processo (p.33)

Ainda, conforme o art. 51, VI, do CDC, as cláusulas contratuais que estabeleçam inversão do ônus da prova para prejudicar o consumidor são “nulas de pleno direito”. Assim, a inversão convencional é válida nas relações de consumo, salvo quando o ônus é do fornecedor e ele é invertido para o consumidor. Vale ressaltar, que o momento de inversão do ônus da prova nesta espécie é desde o acordo. (TARTUCE; NEVES, 2012).

Conclui-se que a inversão do ônus da prova em sua modalidade convencional, demonstra a unicidade e a diferenciação entre as demandas existentes, demostrando que não há que se pensar em uma estrutura rígida e inflexível quanto ao procedimento processual, mas em uma forma de sobreposição do interesse das partes e da busca por decisões mais certeiras dentro dos processos em tramitação, além de trazer mais celeridade processual, tornando os processos menos morosos e caros, fazendo com o Princípio do Autoregramento de vontade das partes seja respeitado.

4 CRITICA À LIMITAÇÃO DOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ EM FACE A INVERSÃO DO ONUS DA PROVA CONVENCIONAL

Outrora, concebíamos o direito processual, em demasia, publicista, onde a vontade das partes era desvalorizada em face do arbítrio autoritário do Estado, tornando o processo “uma coisa sem parte” conforme explicita Godinho (2015). Em contrapartida uma onda liberal processualística trouxe uma perspectiva que compreende o processo como algo que prestigia o principio da autonomia da vontade, paradoxalmente ao ideário de uma composição puramente rígida, imutável e que concedia o estrelato à atividade jurisdicional.

A reformulação do Código de Processo Civil ocorrida em 2015 viabilizou a oportunidade das partes convencionarem na seara probatória do processo acerca da inversão do ônus. Com base na teoria da carga dinâmica da prova e na própria inversão desse ônus, o legislador admitiu a possibilidade da inversão consensual da prova.

Essa alteração sofre “bombardeios” de argumentos contrários à sua intencionalidade, Chiovenda (2009) consagra-se como um dos doutrinadores que se mantém avesso à inversão convencional do ônus da prova devido à crença na limitação do poder instrutório na atividade jurisdicional. Por essa linha de pensamento, a inversão consensual do ônus de provar influi diretamente no poder instrutório do próprio juiz, tal concepção acredita que a vontade das partes não deva prevalecer sob as atividades judiciais a qual garante melhor performance jurisdicional.

Para esse entendimento “O fundamento básico contra os acordos em matéria probatória, portanto, centra-se na impossibilidade de se regular atividade alheia, interferindo nos critérios de julgamento” (GOLDINHO, 2015, p.195). Há uma ressalva, feita por Chiovenda, em relação à possibilidade de inversão convencional do ônus da prova, o referido autor “atribuía a possibilidade a uma autorização legal”, por esse meio, somente, que será aprovada a inversão do ônus da prova.

Segundo Godinho “a resistência aos acordos processuais em sentido amplo possui inegavelmente uma dimensão ideológica, na medida em que há que se depurar a atividade probatória para que o ato de julgar não receba outras interferências e seja proferido de maneira solipsista” (2015, p.195). Analogicamente, a corrente publicista, entende que a inversão convencional do ônus da prova possui atributos que é capaz de viciar o andamento do processo, quiçá até mesmo o entendimento do juiz, afastando uma conclusão mais precisa dentro do processo.

Destarte, compreende-se que a critica à possibilidade de inversão convencional do ônus da prova gira em torno da “ilicitude” da teoria da carga dinâmica em sua modalidade convencional, as parte não podem coibir as atividades do juiz, dentro do processo, convencionando suas vontades acerca da inversão do ônus da prova reprimindo, assim, a liberdade do magistrado na seara probatória, bem como solicitação de provas e suas avaliações subjetivas sobre as mesmas. (COSTA, 1946).

O autor supramencionado, Costa, ainda assevera que:

A admissão do princípio dispositivo não significa, porém, que as partes possam orientar o processo a seu talante. Dono do processo (dominus processi) é o juiz e, se às partes se conferem certos poderes de disposição (indicar os meios de prova, fixar o objeto da demanda, transigir, etc.) tal se compreende fora da atividade própria do juiz, não sendo este obrigado, na formação das bases da sentença, a aceitar a convenção das partes. (Apud FRANÇA, 2013, p. 42).

Contudo, a inversão convencional do ônus da prova não deixa de ser uma enorme evolução no âmbito jurídico brasileiro. Rangel afirma que o caráter dubio dos contratos probatórios, tendo em vista o que fora supradito pela corrente que se manifesta contra a possibilidade de inverter-se o ônus da prova de maneira consensual, não condiz com a realidade fática do procedimento processual, estes pactos probatórios são acordos entre as partes onde estas deliberarão a cerca da “produção da prova, podendo incidir sobre o ônus ou sobre os meios de prova” ocorre sem interferência na atividade do magistrado. (2002, p.).

Cabe-nos frisar que a atividade do juiz, de fato, será afetada, porém, tal situação não é exclusividade da inversão convencional do ônus da prova, admitida pelo legislador no CPC/2015, é característica de todo e qualquer negócio processual já abarcado por legislações anteriores, “a ideia que deve ser fixada é a inevitabilidade de um negócio processual afetar a atividade do juiz, o que, por si só, não atinge sua admissibilidade” (GODINHO, 2015, p.). Há previsão legal de inúmeros meios pelos quais a atividade jurisdicional é acometida, o que decorre na impossibilidade de um descarte da inversão convencional em vista do argumento da possível limitação do desempenho do juiz.

Ainda, assim como a inversão convencional do ônus da prova, que é rechaçada pela corrente publicista devido seu cunho inibitório do exercício das funções jurisdicionais, precisamos compreender que o processo não é somente fruto da burocratização do Estado, em outras palavras Godinho prenuncia que “assim como o processo não é coisa das partes, também o processo e, especialmente, a prova tampouco são coisas do juiz”(2015, p. 196).

O procedimento trata de eliminar as incertezas cognitivas do magistrado, o processo perpassa alguns caminhos importantes para proscrever fatos que confunda ou deturpe o entendimento do juiz referente a algumas declarações que são necessárias para a resolução da lide. A fase probatória do processo é o ápice da extinção de algumas duvidas do juiz quanto ao conflito, com base nas provas apresentadas é que ele delibera sobre a lide. A inversão do ônus da prova convencional cooperará para que o juiz tome uma decisão assertiva, as partes não possuem interesse de terem seus direitos cerceados, uma pela outra, têm o interesse de resolver o processo da forma mais benéfica para ambos e desta forma, pelo princípio da cooperação, é que a dinamização do ônus da prova tem cunho positivo para o processo. (GODINHO, 2015).

Conclui-se, que a formação de negócios processuais probatórios inevitavelmente restringirá as atividades do juiz e tal situação será alvo de inúmeras criticas pela doutrina. Há quem reconheça que a inversão convencional do ônus da prova constitui-se como novidade benéfica dentro do NCPC/2015, e também há correntes que a critique, devido às limitações das atividades do magistrado. O fato é que a inversão convencional da prova enfrenta ainda barreiras culturais, pois prevalece a supremacia da atividade jurisdicional, onde as parte preferem deixar que o Estado- juiz conduza o processo de acordo com suas predisposições.

5 CONCLUSÃO

Ante o que foi visto, as convenções processuais atípicas trazidas com o NCPC foram um grande marco para processualística brasileira, as disposições novas trouxeram, de fato, anseios advindos da própria motivação de se criar um novo Código de Processo Civil. A vicissitude das partes acordarem sobre procedimento é uma latente solução para a demasia de processos, morosidade, altos custos e para simplificação dos longos estágios dos litígios, em decorrência disso, as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e razoável duração do processo foram respeitadas e asseguradas.

A despeito disso, o NCPC revolucionou mais ainda ao trazer a Teoria da distribuição do ônus da prova, que anteriormente era utilizada, mas não vinha prevista. Outrossim, o novel código modernizou no que se refere a inversão convencional do ônus da prova surgiu como um corolário da relevância dada ao autoregramento de vontade das partes, retirando ainda mais o caráter estático e exclusivo da tutela jurisdicional, além de trazer proporcionalidade aos litigantes, que podem discutir sobre quem é mais capaz de produzir determinada prova invertendo o ônus probandi.

Sem embargo, a inversão convencional do ônus probatório trouxe grande rejeição por parte dos magistrados, na qual doutrinadores arguiram que essa possibilidade pode ensejar num acometimento dos próprios poderes instrutórios do juiz, pois o juiz não poderá decidir contra o que foi convencionado, limitando seus poderes. Outros, que entendem que o papel do juiz é subsidiário, e por isso, a modalidade convencional de inversão não seria nada excepcional no que se refere aos seus poderes.

Todavia, compreende-se que o órgão judicial tem o dever levar em consideração as soluções apresentadas pelas partes para melhor resolução do processo, e isso não ensejaria num lesionamento dos poderes do magistrado, desde que tais soluções passassem dos limites legais.

Desta forma, o negócio processual probatório estimula e responsabiliza os litigantes na construção do procedimento, e a inversão convencional é mais uma forma de introduzir a autonomia das partes dentro da lide. Portanto, as previsões do NCPC no que concerne ao ônus da prova puderam ampliar o referido instituto, lhe atribuindo a devida relevância e flexibilidade, garantindo as partes proporcionalidade, isonomia e dignidade, destarte, os proveitos e melhorias trazidos são inegáveis, mesmo que ainda haja resistência ao procedimento, ele tem apresentado melhorias consideráveis.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Rafael. Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Novo CPC. Disponível em: <http://www.cpcnovo.com.br/blog/2015/01/26/carga-dinamica-da-prova/>. Acesso em: 02 out. 2016.

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  • Negócio Probatório

Antonia Leonida Advocacia

Advogado - São Luís, MA


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