O presente trabalho constitui uma análise feita a partir da jurisprudência pátria e a doutrina, no que tange a finalidade da Súmula 377 do STF e a comunicabilidade dos bens adquiridos após o casamento e o regime da separação absoluta de bens. Ao longo do texto serão apresentadas posturas de doutrinadores acerca do tema, assim como, exemplos de julgados que ilustrem o caso em tela. A jurisprudência tem encontrado dificuldade em aplicar a súmula em consonância com o texto legal, havendo distinções que serão exemplificadas a diante.Primeiramente é importante ressaltar que a edição da súmula em questão foi realizada em 1964, à luz de um outro contexto histórico social. O Egrégio Supremo Tribunal Federal na época pretendia proteger pessoas “desavisadas” contra eventuais golpes interligados ao enriquecimento ilícito, haja vista que o cenário social era propício à aventureiros casando-se com jovens herdeiros.Sob qualquer ângulo, pode-se notar que tal norma protetiva, acabou gerando efeitos negativos já que foi ineficaz ao combater o enriquecimento sem causa, gerando possibilidades para o mesmo, uma vez que, ao sair de um enlace matrimonial, um em detrimento do outro ficava com o patrimônio do casal.Tem-se a súmula em questão: súmula 377 STF - “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Fica evidente o desacordo da norma ao compara-la com o artigo 1687 do atual Código Civil brasileiro;
Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.
Visto isso, vale definir que a separação legal de bens significa proteger bens patrimoniais dos nubentes, a fim de, evitar o enriquecimento sem causa e, portanto, sem o efeito sumular pretendido, tem-se a perda dessa característica fundamental de tal regime.De acordo com o extinto Código Civil brasileiro, além da escolha dos cônjugues pelo regime mais adequado a seu casamento (o código não limitava a escolha), deveriam expressamente consignar no pacto antenupcial que aquestos (são os bens que o casal adquire na constância do casamento ou da união. É diferente de bens particulares, que são aqueles que cada cônjuge tinha antes de casar-se.) não se comunicariam, caso não o fizessem, todos os bens adquiridos na constância do casamento estariam ligados aos dois, implicando nas regras do regime de comunhão parcial de bens.Mas se tratando do cenário jurídico atual, isto já não ocorre, pois no Código Civil vigente não consta dispositivo semelhante ao extinto artigo 259 CC/1916.Atualmente, portanto, basta aos noivos que elejam o regime de separação total de bens, expressos nos artigos 1.687 e 1.688, para que sejam incomunicáveis os bens cujo o domínio pertencer a cada um, ainda que a aquisição seja antes ou durante o matrimônio.Divergindo do suprimido código de 1916, o novo código determina efetivamente separação do patrimônio, o que há tempos atrás se dava por outorga conjugal que resultava na alienação dos bens.No mundo jurídico é notável que a Constituição Federal não recepciona normas infraconstitucionais que lhe são incompatíveis. Essa é a orientação que a norma constitucional brasileira estabeleceu tanto na jurisprudência quanto na doutrina. No âmbito doutrinário a discussão também é fervorosa entre os juristas sobre a aplicabilidade e eficácia da Súmula e sua comunicação com o Código Civil atual.
Segundo catedrático Paulo Lôbo:
"O regime de bens tem por fito regulamentar as relações patrimoniais entre os cônjugues, que nomeadamente quanto ao domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens trazidos ao casamento e aos adquiridos durante a união conjugal."[1]
Ainda de acordo com o doutrinador, em resumo, a súmula converte o regime legal de separação de bens em regime de comunhão parcial, sem excluir os bens adquiridos por meios como doação ou testamento. E, portanto, a separação absoluta apenas ocorre quando o regime for convencionado em pacto antenupcial, alcançando os aquestos.Para Paulo, assim como para Orlando Gomes, os efeitos da súmula são considerados os mesmos do regime da comunhão parcial, logo, não há porque mantê-lo, afirmando dessa forma sua postura positiva referente a aplicação da Súmula 377.Adota o entendimento que todos os bens sejam móveis ou imóveis adquiridos após o casamento, por ambos ou apenas um dos cônjugues, mediante negócio jurídico oneroso são comunicáveis e dispensam a prova de esforço comum. Aliás, a professora Maria Berenice Dias em sua obra Manual de Direito das Famílias - ed.2009, concorda com tal posicionamento.A fim de, prosseguir e dar caráter mais amplo à análise proposta neste trabalho, cito outro ilustre autor, Flávio Tartuce e apresento sua postura com relação ao tema. Segundo Flávio, o principal debate em torno da Súmula 377 é de sua permanência ou não no sistema jurídico brasileiro. Ressalta ainda que existem jurisprudências no STJ que atendem aos dois lados, um conclui a necessidade de prova de esforço comum e outro não.O presente autor discorda dos demais posicionamentos apresentados e justifica, a ausência da prova de esforço comum transformaria a separação de bens em uma comunhão parcial, não sendo esse o objetivo da súmula referida.Validamente, traz à tona a questão do enriquecimento sem causa (art. 884CC/2002) eis que tal comunicação dos bens acarretaria em decorrência de simples matrimônio.Ainda corroborando sua postura doutrinária, Flávio expressa que tem suas ressalvas quanto à eficácia do vigente regime de comunhão parcial de bens. E finaliza afirmando que a melhor solução seria extinguir cabalmente a separação legal e transformá-lo em outro regime.Também nesta obra, Direito de Famílias – Vol. 5 de Flávio Tartuce, encontramos a existência de duas correntes no âmbito doutrinário nacional.A primeira corrente, considera que a súmula deve ser cancelada, tendo em vista que, o atual Código Civil não repetiu o artigo 259 CC/1916 que lhe dava fundamento. Já a segunda na segunda corrente, por sua vez majoritária, observa-se que tanto na doutrina quanto na jurisprudência tal súmula não resta cancelada.
A guizo de conclusão, a súmula 377 do STF criou a meação dos aquestos, o que retira o caráter da separação absoluta da separação obrigatória, sendo necessária a outorga conjugal. Atualmente a outorga é imprescindível sob pena de anulabilidade do ato matrimonial. Se a outorga restar negativa a súmula perde efeito e torna a separação obrigatória em separação absoluta.