O Planejamento e a Transparência na Gestão Fiscal.


11/03/2015 às 17h33
Por Rogério Andrade Advogados Associados

1.Da ação planejada e transparente dos atos do gestor

Não é surpresa que os administradores públicos, em geral, e os gestores municipais, devem agir em conformidade com a lei de responsabilidade fiscal mediante técnicas de planejamento governamental, organização, controle e transparência de suas condutas frente à população. A transparência buscada pela lei tem por bem permitir o controle social de maneira efetiva, partindo do pressuposto de que, tendo ciência da situação das contas públicas, o cidadão terá maiores condições de cobrar, exigir e fiscalizar as atitudes dos administradores municipais.

A responsabilidade fiscal por meio de pressupostos da ação planejada e transparente das finanças públicas, aí englobadas as rendas e os gastos, o orçamento e o crédito, das entidades da Administração Pública, aprimoram a prevenção de riscos e favorecem correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas pelo cumprimento de metas de resultados e obediência a limites e condições impostos.

Concernente a matéria, Armênio de Oliveira dos Santos (2000, p. 128) esclarece que a Lei de Responsabilidade Fiscal dá suporte à criação de um sistema de planejamento, uma fiel execução orçamentária, e disciplina fiscal, até então inexistente no cenário brasileiro.

O planejamento dará suporte técnico à gestão fiscal, através de mecanismos operacionais como o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária anual, onde por meio desses instrumentos, haverá melhores condições reais e objetivas de programar a execução orçamentária e atuar no sentido do alcance de metas e ideais prioritários. O planejamento serve como importantíssimaferramenta para que os municípios alcancem ao seu fim último, que é o bem estar comum, tendo a função de identificar as metas prioritárias e definir métodos operacionais que garantam, no tempo adequado, a estrutura e os recursos necessários para a execução das ações (projetos, planos, programas e atividades) consideradas relevantes e de interesse social.

Assim, Carlos Maurício Cabral Figueiredo (2001, p. 227), preconizando que o planejamento deveria constituir uma atividade de rotina, defende a implantação do mesmo e a transparência na gestão fiscal como medida de racionalização administrativa para garantir a qualidade nos resultados.

Através da transparência, o incentivo ao exercício pleno da cidadania passa a ser garantia de implantação de uma nova cultura gerencial na gestão dos recursos públicos municipais, tendo em vista que a participação da população no acompanhamento da aplicação das verbas públicas resulta numa efetiva destinação legal dos bens e rendas, ou seja, os mesmos chegarão aos seus destinos sem desvios ou manobras que possam acarretar em favorecimento pessoal.

Com efeito, a Lei de Responsabilidade Fiscal, além de restringir os gastos dos governos nas três esferas administrativas, em seu capítulo IX tornou obrigatória algumas práticas de transparência para viabilizar uma maior participação da população no controle dos gastos públicos, ocasionando, rápida e significativamente uma queda no percentual de déficits dos municípios entre 2001 e 2003, anos subseqüentes à sua criação.

Parte da lei comprova os argumentos de transparência:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos deacesso público: os planos,orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade (Lei de Responsabilidade Fiscal  Lei Complementar 101/2000).

Certamente, a Lei Complementar n.º 101/2000 proporciona uma importante contribuição no equilíbrio das contas públicas, permitindo que os recursos sejam investidos em prol da população, beneficiando a sociedade brasileira, uma vez que reforça os alicerces do desenvolvimento econômico sustentado, sem endividamento excessivo, pois não cria truques para ocultar erros de uma gestão fiscal deficiente.

Com relação à participação da sociedade no acompanhamento da aplicação das verbas públicas, passa a ser colocado à disposição da população diversos mecanismos de cunho democrático onde seu exercício pleno poderá ser exercido em assembléias e participação em audiências públicas, na elaboração do orçamento em conjunto com os cidadãos, na disponibilização de dados pela Internet, bem como a ampla divulgação das informações gerenciais através do Relatório Resumido da Execução Orçamentária de Gestão Fiscal, além dos anexos de metas e riscos fiscais, onde a realidade dos municípios variam enormemente em relação à participação e transparência.

De acordo com Dimmi Amora (2004, p. 22), no 1º semestre do ano de 2004 aproximadamente 153 municípios brasileiros implementaram ferramentas de orçamento participativo  mecanismo elogiado pela Organização das Nações Unidas em seu relatório de 2002. Tais experiências podem ser divididas de acordo com três variáveis: partido político, região e tamanho da cidade. Grosso modo, é possível dizer que esse tipo de política tem a seguinte característica: 63% estão concentradas em cidades com menos de 100 mil habitantes, 82% estão localizadas em municípios das Regiões Sul e Sudeste e 63% das experiências foram implantadas pelo PT ou pelo PSDB. Todavia, apesar de sua aparente importância a utilização do orçamento participativo não é uma realidade comum na esfera municipal brasileira.

Vale destacar que essa transparência buscada pela lei não tem por escopo, simplesmente, a mera divulgação de dados e informações, mas também a compreensão destes pela sociedade, portanto, devem ser transmitidos em linguagem de fácil entendimento, de forma clara, objetiva e simples, permitindo, dessa forma, que controle social seja mais efetivo.

Assim, a Lei Complementar n.º 101/2000 dá suporte à maneira de administrar as finanças públicas, uma vez que, agora, os cidadãos podem controlar e fiscalizar as verbas públicas, permitindo a participação popular na avaliação dos seus resultados, a fim de que os objetivos e anseios da população sejam concretizados.

2.Da Transparência e seus efeitos na gestão fiscal

A Lei de Responsabilidade Fiscal, tendo a função precípua de divulgar amplamente o desempenho do administrador durante sua gestão fiscal, objetiva melhorar e aprimorar a administração das contas públicas do país no que concerne, principalmente, às dívidas públicas e a realização dos gastos por meio de medidas transparentes e planejadas.

Permitindo evitar o crescente desequilíbrio das finanças públicas, a Lei de Responsabilidade Fiscal promove uma maior responsabilidade na gestão fiscal dos recursos através de princípios basilares, destacando-se na aplicação e na divulgação dos resultados alcançados por força dos instrumentos trazidos em seu artigo 48 e até mesmo em meios eletrônicos de acesso popular, ou seja, via internet.

Na orientação do professor Hely Lopes Meirelles (1998, p.158) esclarece quepublicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos.

Nas palavras de Regis Fernandes de Oliveira (2001, p. 42):

A publicidade é requisito de eficácia e de moralidade dos atos administrativos. Já não mais se admite qualquer ato que possa burlar comandos normativos ou servir de impedimento a que qualquer pessoa tenha acesso à conduta do agente público.

A transparência assegurada na Lei complementar nº 101/2000 é um dos requisitos essenciais para a manutenção do equilíbrio dos recursos públicos pois institui a participação da sociedade, por meio de audiências públicas, estimulando, com essa medida, a concretização de um real orçamento participativo permitindo que a sociedade perceba a sua influência na elaboração dos planos de governo, colocando em prática sua cidadania.

Outra medida significativa, que confirma a objetividade e os efeitos da transparência durante a gestão fiscal do administrador público, é a constante no artigo 49 da Lei que dispõe sobre as contas apresentadas pelos Chefes do executivo que deverão ficar disponíveis, durante todo o exercício, na respectiva Câmara Municipal e no orgão técnico responsável por sua elaboração, para a consulta e apreciação de toda a sociedade, ou seja, o que era ético passa a ser obrigação legal.

2.1. Do plano plurianual

No que tange ao processo para uma fiel execução orçamentária, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio somar-se a uma nova metodologia que integra planos e orçamentos fazendo com que os recursos sejam elaborados para cumprir metas evitando induzir o cidadão a pensar que gastar mais será sempre melhor.

A disciplina sobre o Plano Plurianual se restringe às regras disciplinadas na Constituição Federal vigente, em decorrência do veto imposto ao art. 3º da lei complementar 101/00.

A explicação do veto imposto ao art. 3º da lei complementar 101/00, é de simples compreensão. Comentando à respeito da matéria, Luiz Celso Barros (2001, p. 40) esclarece bem sobre essa inviabilização da exigência do art. 3º, senão vejamos:

Ao gestor municipal, resta cumprir o plano plurianual somente nos dois últimos anos de seu mandato, pois no primeiro ano ele cumpre o que foi planejado pelo gestor anterior, no segundo o plano integra o projeto de lei da proposta de orçamento ordinário, e nos terceiro e quarto anos, é que, verdadeiramente, o gestor irá cumprir o seu plano plurianual, sendo que, no último ano, terá que apresentar a proposta orçamentária para ser cumprida no primeiro ano de mandato do próximo gestor municipal.

De acordo com a Constituição Federal, o Plano Plurianual abrangerá as diretrizes, objetivos e metas para o período quadrienal da administração pública dos entes federados para as despesas de capital relativas a investimentos e outras que dela decorram e para as relativas aos programas de duração continuada conforme art. 165, parágrafo 1º da CRFB/1988. Tendo sua validade de quatro anos, no Plano Plurianual devem estar especificadas as obras que o gestor municipal pretende realizar dentro desse quadriênio.

2.2. Lei de diretrizes orçamentárias

Também de acordo com a Constituição Federal, a lei de diretrizes orçamentárias prevista no art. 4º da lei complementar 101/00 c/c art. 165, parágrafo 2º da CRFB/1988, destina-se a apontar as metas e prioridades da administração pública dos entes federados, sendo estabelecidas as regras para elaboração do orçamento anualmente, a vigorar no exercício financeiro seguinte, objetivando, dessa maneira, o controle do déficit público.

A lei de diretrizes orçamentárias constitui um verdadeiro instrumento de planejamento das finanças pois segue o princípio constitucional que busca assegurar o equilíbrio entre as receitas e as despesas, significando que os gestores municipais deverão respeitar a relação entre a dívida e a sua verdadeira capacidade de pagamentos, ou seja, quando, em sua gestão, um administrador assume um compromisso em seu programa de trabalho, que implique a realização de despesas, deve reservar os recursos para isso, prevendo-os no orçamento.

Assim sendo, a lei de diretrizes orçamentárias direciona os gestores municipais a não assumirem obrigações que ultrapassem o limite possível, em face das disponibilidades orçamentárias. Também, é de extrema importância frisar que a Lei de Responsabilidade Fiscal previu a integração da lei de diretrizes orçamentárias dos anexos de metas fiscais e riscos fiscais como um mecanismo de ajuste das dotações orçamentárias e ao efetivo fluxo financeiro, atribuindo a cada anexo um conteúdo específico conforme dispõe, expressamente, em seu art. 4º, parágrafos 1º, 2º e 3º.

2.3. Lei orçamentária anual

A lei orçamentária anual é peça legal que prevê todas as receitas e fixa todas as despesas do governo municipal. Trata-se de leis editadas, a cada ano, para fixar as bases do orçamento do ano seguinte, devendo ser elaboradas de forma compatível com o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a Lei de Responsabilidade Fiscal propriamente dita.

Previsto nos artigos 5º, 6º (vetado) e 7º da lei complementar 101/00 c/c os artigos 165 e 167 da CRFB/1988, a lei orçamentária anual destaca-se como sendo o mais importante instrumento de gerenciamento financeiro e orçamentário da administração pública, pois a remessa do projeto de lei orçamentário passa a ser antecipado, impondo às prefeituras a iniciar sua discussão e elaboração com maior antecedência, principalmente porque deverá submeter previamente as suas programações iniciais a discussões em eventos que contem com a participação popular e audiências públicas, procedimentos que ainda não estavam sendo praticados, senão em número reduzido de municípios.

O prazo de vigência da lei de diretrizes orçamentárias é anual devendo ser destacada a transparência que é proposta facilitando o seu acompanhamento pela Câmara Municipal e a sociedade civil através de anexos que demonstrem a compatibilização de programas de orçamentos com os objetivos e metas recomendados no anexo de metas fiscais da lei de diretrizes orçamentárias (Art. 4º, parágrafo 1º da LC 101/00) que, por sua vez, deve estar em consonância com o plano plurianual, evidenciando a finalidade precípua de administrar os recursos públicos equilibradamente. Também deve estar contida na lei orçamentária anual a chamada reserva de contingência disposto no art. 5º, incs. I, II e III da lei complementar 101/00 servindo como uma espécie de poupança destinada a cobrir despesas que poderão ou não suceder, em virtude de condições imprevistas ou inesperadas.

Ricardo Lobo Torres (2001, p. 61), adotando a teoria da lei orçamentária como sendo lei formal, em uma de suas variantes explicita:

O planejamento, consubstanciado no plano plurianual, na lei de diretrizes orçamentárias ou na lei orçamentária anual, é mera autorização para que a administração execute fielmente o programa traçado em leis específicas que compõem o sistema do direito administrativo, não estando voltado, somente, para a regularização de todo o social e para a intervenção econômica, mas também para complementar as carências e insuficiências societais.

O que a Lei de Responsabilidade Fiscal protege e visa alcançar é o fortalecimento do processo orçamentário como peça de planejamento prevenindo desequilíbrios indesejáveis. Além disso, a lei pretende assegurar uma fiel execução orçamentária por ser um instrumento de representação do compromisso público dos gestores municipais com a sociedade.

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Rogério Andrade  Advogados Associados

Bacharel em Direito - Aracaju, SE


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