As modalidades das obrigações são baseadas no objeto da prestação. A obrigação de dar se divide em dar coisa certa e incerta, sendo que na obrigação de dar coisa certa existem duas possibilidades: o ato de dar (entregar) e o ato de restituir.
Obrigação de entregar coisa certa
A obrigação de dar coisa certa se refere a algo já determinado e individualizado, é quando o credor determina o objeto pela quantidade, gênero e qualidade, dentre outras características, veja que nas obrigações de dar coisa certa o credor não é obrigado a aceitar outra coisa diferente do que foi acordado, ainda que mais valiosa (art. 313 do CC), no entanto, nada impede que o credor consinta em receber coisa diversa, caso o credor aceite estaremos diante do que chamamos de dação em pagamento, que é justamente o aceite por parte do credor em receber coisa diversa do que foi acordado para se extinguir a obrigação.
Em regra, pelo princípio da gravitação jurídica, os acessórios seguem o principal, salvo se o contrário for convencionado pelas partes em contrato, dispõe o art. 233 do CC:
“A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”.
Importante destacarmos que a pertença, em regra, não segue o principal, o Código Civil em seu art. 93 define pertenças como sendo bens que não constituem parte integrante do bem principal, se destinam de modo duradouro, apenas ao uso, serviço ou aformoseamento de outro bem, temos como exemplo o sofá que é uma pertença do bem imóvel (casa), veja que a existência do sofá é autônoma e não depende da casa para existir, dentro da casa o sofá é uma pertença, as pessoas o usam para se sentar, mas se essa casa é vendida o sofá não a acompanhará, salvo se as partes convencionarem o contrário. Resta ainda definirmos o que são bens acessórios, se bem principal é aquele que tem existência própria, ou seja, independe de outro para existir, poderemos definir bem acessório como aquele que depende do bem principal para existir, cuja existência supõe a do principal.
DO INADIMPLEMENTO
Se extingue a obrigação pela tradição, ou seja, pela entrega da coisa quando esta for móvel, e pelo registro quando se tratar de imóvel, se o devedor não cumpre com a obrigação surge o inadimplemento, e o que fazer? Analisaremos algumas hipóteses de acordo com a conduta do devedor, verificado a presença de culpa ou não:
Devemos definir a diferença entre perecimento e deterioração, enquanto no perecimento há a perda total da coisa, na deterioração há a perda parcial, ou seja, a coisa ainda existe, mas com o estado alterado e danificado.
Perecimento e deterioração antes da tradição (entrega da coisa)
Perecimento – se antes da tradição a coisa perece sem culpa do devedor, a obrigação se resolve (se extingue) e as partes regressam ao status quo ante, o devedor será obrigado apenas a devolver todos os valores já pagos pelo credor, se este tiver efetuado pagamento antecipado. Se antes da tradição a coisa perece por culpa do devedor, este deverá pagar ao credor o valor equivalente em dinheiro que corresponde ao valor da coisa, mais perdas e danos. As perdas e danos compreendem os danos emergências e os lucros cessantes. Danos emergências é o prejuízo sofrido pelo credor, ou seja, aquilo que ele efetivamente perdeu, enquanto que, os lucros cessantes corresponde àquilo que ele deixou de lucrar em razão do dano, exemplo: João se obrigou a entregar um carro para Pedro, que queria trabalhar como taxista, ocorre que antes da entrega João bate o carro embriagado, nesse caso João gerou um dano para Pedro, além do valor equivalente ao carro ele deverá arcar com os danos emergentes, pois houve a perda da coisa, e os lucros cessantes, pois Pedro deixou de lucrar como taxista por culpa de João. Dispõe o art. 234 do CC:
“Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos”.
Deterioração – como vimos, a deterioração é perda parcial da coisa, ou seja, aqui a coisa ainda existe. Se houver deterioração da coisa sem culpa do devedor, o credor terá duas opções, ou resolve a obrigação voltando ao status quo ante, ou aceita a coisa no estado em que se achar, abatido o valor proporcional à perda, dessa forma prescreve o art. 235 do CC:
“Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu”.
No caso de deterioração com culpa do devedor, o credor poderá aceitar a coisa no estado em que se achar, com abatimento do valor proporcional à perda, ou receber o equivalente em dinheiro que corresponde ao valor do objeto, nesses dois casos, o credor poderá reclamar ainda a indenização por perdas e danos, dispõe o art. 236 do CC:
“Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos”.
E se houver perda total ou parcial da coisa depois da tradição? Aí acontece o que chamamos de res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono que no caso é o credor, mas veja que existem algumas exceções que protegem o credor de má fé por parte do devedor, como é o caso dos vícios redibitórios, também chamados de vícios ocultos (art. 441 do CC) e os vícios jurídicos, também conhecidos como evicção, que é basicamente a perda de um bem em decorrência de uma determinação judicial (art. 447 do CC).
Importante destacarmos o art. 237 do CC, que trata dos melhoramentos e acréscimos da coisa antes da tradição:
“Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.
Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes”.
Ou seja, se antes da tradição houver melhoramentos ou acréscimos na coisa, o devedor poderá cobrar por eles, se o credor não aceitar resolve-se a obrigação. No direito civil a transmissão só ocorre com a entrega da coisa, se for bem móvel, e com o registro se for imóvel, então vamos supor que Joana pactuou um contrato de compra e venda de um carro com Pedro, essa transmissão só irá se concretizar com a entrega, até lá todos os melhoramentos, acréscimos e frutos percebidos são do devedor. Evidentemente que esses melhoramentos e acréscimos não podem ocorrer por ato voluntário do devedor, pois estaria configurando a má fé por parte deste, devendo ocorrer por vontade alheia do devedor.
Obrigação de restituir coisa certa
Como vimos anteriormente, a obrigação de restituir é uma subespécie da obrigação de dar coisa certa. Diferente da obrigação de entregar coisa certa em que o devedor é o dono da coisa, na obrigação de restituir, o credor é o dono da coisa, o que ocorre aqui é apenas a transmissão da posse por parte do credor ao devedor, como preleciona Carlos Roberto Gonçalves:
“caracteriza-se pela existência de coisa alheia em poder do devedor, a quem cumpre devolvê-la ao dono. Tal modalidade impõe àquele a necessidade de devolver coisa que, em razão de estipulação contratual, encontra-se legitimamente em seu poder”.
É o que ocorre no exemplo do comodatário, depositário e locatário, imaginemos que o devedor alugou um carro, ora, a locadora transferiu a posse, mas continua sendo a proprietária do carro. Nesse caso o devedor tem a obrigação de restituir o bem no prazo que foi estipulado entre as partes, mas e se o devedor não puder entregar o bem porque este se perdeu total ou parcialmente? Da mesma forma analisaremos se houve culpa ou não:
Perecimento – se houver perecimento da coisa sem culpa do devedor, a obrigação se resolve sem indenização por perdas e danos, aqui também ocorrerá o res perit domino, ou seja, a coisa irá perecer com o dono que no caso é o credor, mas veja que o credor tem seus direitos ressalvados até o dia da perda, no caso da locadora, esta terá direito a todos os aluguéis vencidos, prescreve o art. 238 do CC:
“Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda”.
Havendo culpa por parte do devedor no perecimento da coisa, já que este não conservou a coisa como deveria, este deverá pagar o equivalente em dinheiro ao que corresponde o valor do objeto, mais perdas e danos como dispõe o art. 239 do CC:
“Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos”.
Deterioração – não havendo culpa do devedor, estabelece novamente a regra do res perit domino, nesse caso, o credor deverá receber a coisa no estado em que se ache, sem direito a indenização por perdas e danos, pois a coisa deteriorou para o proprietário, dessa forma dispõe a primeira parte do art. 240 do CC:
“Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização;”
Mas se houver culpa do devedor temos que considerar algumas ressalvas, pois a parte final do art. 240 dispõe o seguinte:
“se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239”.
Ocorre que essa deterioração pode ser algo ínfimo, se fossemos considerar a parte final deste artigo, se tornaria algo injusto na prática, não seria justo uma deterioração pequena acarretar o pagamento equivalente ao valor do objeto em sua integralidade, mais perdas e danos, por esse motivo o enunciado de n° 15 da I jornada de Direito Civil nos traz que “o art. 236 também é aplicável na hipótese do art. 240, in fine”, nesse caso, quando houver deterioração por culpa do devedor, a depender do caso, o credor poderá receber o equivalente ou aceitar a coisa no estado em que se achar, podendo ainda nos dois casos reclamar a indenização por perdas e danos.
Incorre ainda na obrigação de restituir, a regra dos melhoramentos e acréscimos, ora, se o credor é o dono, as vantagens obtidas pertencem a ele. O credor só indenizará o devedor pelos melhoramentos, caso o devedor tenha empregado trabalho ou despesas que eram necessários para o uso da coisa, útil ou voluptuária, a depender do caso, deve-se analisar se o devedor era possuidor de boa ou má fé (arts. 41 e 42 do CC).
Obrigação de dar coisa incerta
Nas obrigações de dar coisa incerta, o objeto é indeterminado, mas não totalmente, precisa ser ao menos determinável, no entanto, observa-se que essa obrigação é transitória, em algum momento a incerteza cessará, passando de coisa incerta para coisa certa. Diferente da coisa certa que é algo individualizado e único, a coisa incerta é individualizada apenas em algumas características, logo não é única, o art. 243 dispõe o seguinte:
“A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade”.
Para que exista a obrigação, a coisa incerta precisa ser determinada ao menos quanto ao gênero (alguns doutrinadores preferem se referir como ‘espécie’) e a quantidade. Nessa modalidade, a escolha da coisa pertence ao devedor se o contrário não for estipulado pelas partes em contrato ou se o devedor não exerceu seu direito de escolha ao tempo da tradição, na escolha, o devedor não poderá entregar algo de menor valor e nem será obrigado a entregar algo de maior valor (art. 244 do CC). Quando o devedor faz a escolha da coisa e cientifica o credor, ocorre o que chamamos de concentração, pois bem, no momento em que o credor é notificado sobre a escolha da coisa, esta torna-se coisa certa, passando a vigorar todas as regras anteriores sobre obrigação de dar coisa certa, dispõe o art. 245 do CC:
“Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente”.
Mas e se coisa se perder antes da concentração, que é a escolha e a notificação ao credor? Nesse caso, pela regra do genus nunquam perit, ‘o gênero nunca perece’, o devedor não poderá alegar a perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, pois não é algo único como na obrigação de dar coisa certa, aqui a coisa pode ser facilmente substituída, assim dispõe o art. 246 do CC:
“Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”.