A lei proíbe os Bailes Funk? - Ponto de vista sobre a tragédia do "Baile da 17"


29/04/2020 às 13h58
Por Dr. Gabriel Bispo

       Após a ocorrência da tragédia no bairro de Paraisópolis, muitas questões foram levantadas, por conta de muitas dúvidas que surgiram das pessoas ditas "leigas" no assunto. Uma dessas dúvidas é a legalidade dos bailes funk. Afinal, estes são legítimos? têm respaldo da lei para ocorrerem? A resposta é: depende!

       Se o baile ocorre nas dependências de algum estabelecimento ou alguma entidade organiza a festa ou ainda, alguma pessoa (física ou jurídica) organiza o baile com o intuito de auferir lucro se obriga a garantir a segurança do público devendo seguir diversas exigências previstas em lei, inclusive devendo ter o devido alvará de funcionamento e o laudo de vistoria do corpo de bombeiros. conforme Decreto Municipal 49.969/08 (município de São Paulo).

Obs: a pessoa que organiza o baile funk de maneira habitual com o intuito de auferir lucro se responsabiliza civilmente a reparar eventuais danos que possa ocorrer de maneira objetiva(culpa objetiva), ou seja, mesmo quando não tenha concorrido com o fato danoso, conforme artigo 927, Parágrafo Único do Código Civil.

       No caso do baile funk de Paraisópolis, não há nenhuma empresa ou pessoa por trás de sua organização, na verdade se trata de uma reunião habitual de um grande grupo de pessoas em um local extenso e determinado, onde há o uso de vários aparelhos de som, seja em automóveis ou em eletrônicos levados manualmente. também há vários ambulantes vendendos produtos e serviços de maneira regular ou não.

       

       Mesmo que o baile não seja organizado por nenhuma entidade, este está revestido de RESPALDO e legitimidade, ou seja, o baile é legal, é legítimo. Nossa Constituição Federal , na parte dos direitos e garantias fundamentais é clara ao declarar que nós temos o direito de nos organizar para fazer qualquer atividade lícita (dentro da lei) desde que não estejamos portando armas ou não frustremos outra reunião anteriormente marcada por outras pessoas. Todos os cidadãos são livres para reunir-se com as demais pessoas para fazer o que bem entender dentro dos limites da lei.

O dispositivo que ampara esta afirmação é o artigo 5º, XVI da Constituição Federal de 1988, vejamos:

" Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

XVI -  todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; "

 

       Devemos levar em conta também a interpretação extensiva do princípio da legalidade, onde garante que as pessoas particulares possam fazer tudo o que tem vontade desde que não seja atingida a lei ou outras fontes do Direito. (Princípio da Legalidade ARTIGO 5º, II, Constituição Federal de 1988).

       A resposta para a legalidade do baile funk de Paraisópolis é afirmativa. O baile é amparado pela lei. A reunião entre pessoas em local público para a execução de qualquer atividade lícita é permitida desde que essas pessoas não estejam armadas ou atrapalhem outra reunião anteriormente marcada por outras pessoas.

       A questão que deve ser levantada é o motivo de não ter um controle mais efetivo da polícia militar em um evento deste tamanho. Deveria ser um controle preventivo de entrada de objetos, veículos e quantidade de pessoas.

A POLÍCIA MILITAR DEVE "ORGANIZAR" O BAILE FUNK?

 

       Os bailes funk de fato incomodam alguns moradores que se encontram nas proximidades do evento. A algazarra, a sujeira e o som alto são os principais motivos de reclamação. A ordem pública é o bem jurídico afetado e nestes casos a polícia deve intervir. A intervenção deve ocorrer de maneira REPRESSIVA nos caso sem que a pertubação já está ocorrendo (no caso da polícia tomar conhecimento do fato após o início da confusão), e existe também a intervenção/ação PREVENTIVA, onde a polícia já tem o conhecimento da pertubação que irá ocorrer, seja por conta de trabalho de investigação, ou quando o evento já é habitual, ou ainda quando os organizadores do evento informam as autoridades e solicitam ajuda à polícia militar. em ambos os casos, a PM tem a obrigação de agir, conforme o artigo 3º, "A" e "B" do Decreto Lei 667 de 1969 vejamos:

       

" Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:

 

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; "

       

       O baile funk de Paraisópolis é habitual, tem anos de existência e por conta disto deveria ser controlado de maneira preventiva, pois a PM já tinha o conhecimento da ocorrência do evento..

       Com o controle preventivo e a presença assídua dos agentes policiais provavelmente a tragédia seria bem menos gravosa, alem da prevenção e repressão ao comércio de drogas e bebidas alcoólicas para menores de idade, alem disso, poderia ter um controle especial ao numero de pessoas que adentrasse no baile funk, assim como ocorrem em estádios de futebol em dias de jogo.

AGRESSÕES E ABUSO DE AUTORIDADE

       Vários foram os vídeos gravados pelas testemunhas da tragédia do baile de Paraisópolis. Vários vídeos flagraram alguns policiais agredindo jovens que não ofereciam riscos a sua integridade física, não resistiam à prisão ou desobedeciam às ordens. Policiais que agridem pessoas sem nenhuma justificativa cometem o crime de Abuso de Autoridade.

       O crime de Abuso de Autoridade só pode ser cometido por agentes do poder público e as condutas criminosas estão descritas na Lei 4.898/65.

       

       A conduta de alguns policias neste Baile Funk se encaixam no artigo 3º, "H" e "I" da Lei 4.898/65. Os policiais atentam contra o direito de reunião das pessoas que ali estavam e contra a incolumidade física destas também. (atentado contra a incolumidade física do indivíduo é o ato de agredir a pessoa. No caso em tela, alguns policiais desferiram tapas, socos e chutes nas vítimas que ali estavam". Aos policias que cometeram esses crimes deve ser imputada a responsabilidade penal militar após a investigação interna da policia que por hora já está ocorrendo. Sendo constatada a ocorrnêcia destes crimes, os policiais serão julgados no tribunal penal militar.

       

       Muitas são as dificuldades enfrentadas pelos policiais para que se faça cumprir as exigências das leis, porém ainda é menos difícil a prevenção do que a repressão. ainda é " melhor prevenir do que remediar"!

 

  • direito constitucional
  • direitos fundamentais

Referências

meu blog: https://matosbispoadvocacia.wixsite.com/advogado/blog


Dr. Gabriel Bispo

Advogado - São Paulo, SP


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