O nosso ordenamento jurídico deve estar em consonância com a Constituição Federal. Dessa forma, toda a legislação infraconstitucional deve ser norteada pelo preceitos constitucionais. Nesse contexto, existe o sistema constitucional tributário do nosso país preconizado nos artigos 145 ao 162 da Constituição Federal de 1988. Não raramente, o Estado (seja na esfera federal, estadual ou municipal), na voracidade de arrecadar tributos, comete ilegalidades.
Um exemplo corriqueiro disso, é a apreensão ilegal de mercadorias como meio de coagir a pessoa jurídica ou física a pagar o tributo discutido em questão. Geralmente ocorre na seguinte situação: o caminhão de uma empresa está transportando produtos e é parado no posto fiscal de determinado Estado para fiscalização. Ocorre que por algum motivo, a nota fiscal pode estar irregular (não se enquadrar nas formalidades daquele Estado), ou pode haver uma incorreção no valor da Nota ou até mesmo a mercadoria estar desacompanhada dela. Normalmente, lavra-se o Auto de Infração e a mercadoria é confiscada até que o tributo seja pago.
Ocorre que essa atitude é ilegal por parte do Fisco. Como disse no início, temos um Sistema Tributário Constitucional e todas as normas infralegais devem estar em conformidade com a nossa Constituição Federal. No art. 150, IV, CF, temos o princípio do não confisco ou da vedação ao confisco. Esse princípio deve ser entendido como uma forma de limitar o poder de atuação do Estado frente aos contribuintes. Numa linguagem popular, de "dizer" ao Estado, daqui você não passa.
O Supremo Tribunal Federal tem duas súmulas clássicas a respeito do assunto. Uma que se encaixa perfeitamente ao que estamos debatendo a qual é a súmula 323 do STF : " É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos." E a outra é a súmula 70 STF que também está relacionada ao assunto: "É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo." Ou seja, os dois entendimentos consolidados do STF dizem respeito à limitação do Poder Estatal em relação a cobrança de tributos. É que o Estado possui outros meios legais para efetuar essa cobrança, a forma abusiva de atuação com a finalidade de coagir o contribuinte fere frontalmente o Estado Democrático de Direito e o alto nível de padrão civilizatório que almejamos, todo e qualquer tipo de ação arbitrária por parte do Estado deve ser evitada.
Você pode estar se questionando, mas então dessa forma a impunidade reina e poderemos agir como quisermos, fraudar Nota Fiscal, sonegar impostos? A resposta é NÃO. Veja, na situação exposta a pessoa jurídica não será livre de autuação por parte do Estado, será lavrado o Auto de Infração e ela responderá normalmente ao Processo Administrativo Fiscal. O que se está discutindo aqui é que, o Estado não pode se utilizar da sua força, apreendendo mercadoria com a finalidade de coagir o contribuinte a pagar pelo tributo. Vejamos o que diz a nossa jurisprudência dominante:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. OPERAÇÃO FISCAL. APREENSÃO DE MERCADORIAS, DOCUMENTOS E VEÍCULOS. MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. DESCABIMENTO. SÚMULA 323, STF. COBRANÇA ATRAVÉS DE AÇÃO PRÓPRIA. NECESSIDADE DE LIBERAÇÃO DOS ITENS RETIDOS. AGRAVO PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.
A apreensão de mercadoria transportada pela empresa impetrante, bem como dos veículos e documentos dos condutores, representa mecanismo coercitivo para cobrança de tributos, sem o devido processo legal. Segundo o teor da Súmula 323, do STF, o Fisco não pode utilizar a retenção de produtos com vistas ao recebimento de supostos créditos tributários.
(TJ-BA - AI: 00091742820178050000, Relator: Edmilson Jatahy Fonseca Júnior, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 24/10/2017)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - APREENSÃO DE MERCADORIAS - NOTA FISCAL INIDÔNEA - ILÍCITO TRIBUTÁRIO - APLICABILIDADE DA SÚMULA 323/STF - UMA VEZ LAVRADO O AUTO DE INFRAÇÃO, DEVEM SER LIBERADAS AS MERCADORIAS - IMPOSSIBILIDADE DE APREENSÃO POR LAPSO TEMPORAL SUPERIOR AO NECESSÁRIO PARA FEITURA DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
O Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 323, manifestou entendimento de ser inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. A retenção das mercadorias deverá ocorrer durante o tempo suficiente para materializar a infração e tomar as outras medidas administrativas que forem necessárias para a espécie e, concluído o regular procedimento, os bens devem ser restituídos ao proprietário, posto que já identificado o contribuinte e sua responsabilidade tributária.
(TJ-SE - AI: 00035836920138250000, Relator: José dos Anjos, Data de Julgamento: 09/09/2013, 1ª CÂMARA CÍVEL)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. MERCADORIA IMPORTADA. DIVERGÊNCIA NA CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. RETENÇÃO PELO FISCO. LIBERAÇÃO CONDICIONADA À APRESENTAÇÃO DE GARANTIA E COBRANÇA DE MULTA. MPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
1. Não se conhece do Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 1.022 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.
2. De acordo com a jurisprudência do STJ, por ser aplicável o disposto na Súmula 323/STF, por analogia, não se exige garantia para liberação de mercadoria importada, retida por conta de pretensão fiscal de reclassificação tarifária, com consequente cobrança de multa e diferença de tributo.
3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(STJ - REsp: 1690950 PR 2017/0196581-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 19/09/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2017)
Assim, por tudo que foi exposto é incontroverso que a súmula 323 do STF continua sendo aplicada em nosso país e com altíssimo grau de aceitação por nossos tribunais.
Ademais, do ponto de vista processual, a medida a ser tomada pelo advogado deve ser a imediata e urgente impetração do Mandado de Segurança Repressivo com pedido liminar a fim de obter uma decisão rápida, ainda que provisória, para que a mercadoria seja imediatamente liberada. Tudo com base no art. 5º, LXIX, CF c/c Lei nº 12.016/2009.
É válido ressaltar que estamos falando da ilegalidade do confisco de mercadorias por parte do Estado com a finalidade de coagir o contribuinte a pagar tributos. Todavia, é plenamente possível a apreensão de mercadorias quando diante de uma situação de ilícito criminal, por exemplo, contrabando, descaminho, comercialização de mercadorias falsas, drogas, etc. Verificado o flagrante do ilícito criminal a mercadoria poderá sim ser confiscada.
Por fim, o breve texto teve o propósito de informar aos cidadãos e a sociedade em geral sobre a limitação do Poder do Estado. O ente estatal não pode se valer da sua força como forma abusiva de coagir o contribuinte a pagar o tributo, por isso é ilegal e inconstitucional a apreensão de mercadorias com a finalidade de cobrar tributos, condicionando a liberação da mercadoria ao pagamento. Conforme observamos, assim entende a jurisprudência dominante dos nossos tribunais. Espero que tenham gostado, até mais!