Por menos constitucionalização simbólica e mais concretização dos direitos fundamentais: um manifesto pela não redução da maioridade penal


29/12/2016 às 22h06
Por Luiz Antonio Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídicas

Passados os anos em que estivemos sob o governo do Regime Militar, nós, o tão diversificado, carismático e hospitaleiro povo brasileiro, enfadados de mazelas das mais diferentes espécies e auspiciosos por mudanças formais e materiais no Estado brasileiro, usamos do maior poder que possuímos enquanto seres politizados, que é o Poder Constituinte Originário, esquadrinhando a atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Nesse documento, que é considerado um dos mais completos e avançados do globo, toda sorte de direitos e prerrogativas foram salvaguardados, sendo de certo modo até inspirador e comovente o quanto os nossos representantes, componentes da Assembleia Nacional Constituinte, foram sensíveis aos clamores e pretensões vindas das ruas, ouvindo e atendendo-os, canalizando os desejos das mais variadas ordens, não preterindo minorias e nem deixando de sopesar os direitos das maiorias.

Ocorre que, hodiernamente, passados quase 25 (vinte e cinco) anos de feitura da nossa Constituição Federal, tentativas de assaques a nosso basilar documento constituinte têm sido deflagrados, e nisto me refiro à famigerada PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos de idade, o que, na visão mais sensata e plausível de se analisar uma proposta desta magnitude jurídica, social e política, é flagrantemente mais uma Emenda com finalidade estritamente formal, o que a doutrina constitucionalista moderna, representada por Marcelo Neves, chama de constitucionalização simbólica.

Devemos balizar, antes de tudo, o fato de que a razão eficiente dos alarmantes índices de violência no Brasil e sobretudo a participação de menores em atividades que infringem a lei penal, não têm relação direta com a questão etária daqueles que transgridem a ordem pré estabelecida ou mesmo com eventual fragilidade do sistema legal de reeducação de menores, mais sim com as condições sócio econômicos em que estes se inserem bem como com a quase inexistente implementação de projetos de efetiva reinserção sócio econômica de jovens em conflito com alei, isso sem considerar que a redução, se efetivada, só piorará a situação de calamidade do sistema prisional e dos próprios jovens infratores da lei, eis que os inserirá nas mais diversas “escolas do crime”.

Assim, falo sem formalismos e tecnicismos, até porque os avanços da PEC no Congresso impõem uma reação ágil da sociedade, eis que a materialização da redução será, flagrantemente, um retrocesso colossal no sistema de direitos e garantias fundamentais dos jovens brasileiros, o qual está insculpido em nossa CRFB/1988, o que é totalmente injusto, pois a conta da violência não deve ser “paga” por quem não a gera em um último sentido, que não são os jovens em conflito com a lei, repiso, mas sim, na esmagadora maioria das vezes, as condições sociais e econômicas a que se inserem.

Senhores meus, aceitarmos goela abaixo uma Proposta de Emenda deste matiz é transformarmos as regras criminais pátrias em um direito penal do autor e não do fato, o que é escabroso sob qualquer ótica analítica, sendo inaceitável sob o enfoque do constitucionalismo moderno bem como das nossas próprias noções de direito penal modernas.

Não seria mais viável e até sensato cumprirmos a lei n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)? Não seria mais humanitário minimizarmos as gritantes desigualdades sociais e afastarmos possíveis adolescentes em conflito com a lei de situações que os possam inserir em contextos de criminalidade? ou mesmo reduzirmos a carga tributária gigante que açoda a miséria havida neste país e atravanca nosso crescimento econômico de um modo mais célere, o que, por seu turno e mais uma vez, distancia as classes sociais, gerando atritos de violência? enfim, não precisamos de uma PEC que massacre injustamente uma faixa etária, mas sim de PEC’s que reformem o Estado, a Política, os Tributos, enfim, nossa representatividade política, carente em solo brasileiro.

Por fim, para concluirmos que factualmente a questão da violência no Brasil não tem liame direto com faixa etária, vejamos um simples e breve exemplo: existem dois jovens, de mesma idade, aparência física e sexo, só que um deles é da classe média alta, mora em um local bem urbanizado, tem acesso a lazer, serviços de educação e saúde de qualidade e uma família estruturada que o orienta e auxilia; e existe outro, que não mora em uma região urbanizada, no local há intenso tráfico de drogas, a violência ali é uma constante, ele cresce em meio ao horror da violência física e social, ele não tem serviços de saúde e educação básicos, enfim, o Estado não existe no seu bairro e sua família vive na mesma situação e não o orienta, ele não estuda, não consegue trabalhos formais e desse quadro eu faço uma indagação: qual deles conseguirá uma profissão digna, formar uma família e viver com um mínimo de qualidade e dignidade? a resposta fica pela consciência de cada qual que se der ao trabalho de ler esta breve crítica, mormente pelos incisivos defensores da redução da maioridade penal, que certamente pertencerão à burguesia, à classe privilegiada que certamente não sofrerá, nem de perto, os efeitos de uma PEC tão socialmente injusta.

A juventude desta nação tão bela e plural não deve, reitero, arcar com o preço de um problema que não foi ela que criou, mas do qual o é do mesmo modo vítima. Temos jovens em conflito com a lei? temos sim, mas também já possuímos um dos mais avançados sistemas de reinserção social destes infratores, que é o ECA. Não se deve conceber tamanho absurdo jurídico e político, pois nenhum ato que guarde descompasso com a justiça social e com os intransigíveis direitos humanos deve ser aceito. Devemos melhorar nossas prisões, não as tornar ainda mais superlotadas e desumanas, além de aperfeiçoarmos também as casas de internação de menores em conflito com a lei, pois já temos meios de combate à violência e de reinserção social, sendo patente, unicamente, o fato de que precisamos é de aplicação das normas já vigentes e não de mais um ato de constitucionalização simbólica, o qual, se gerará efeitos, serão certamente efeitos sociais negativos sobre a classe mais desfavorecida economicamente, principais atores desse contexto.

Já em sede de arremate, é de se ter em mente e salientar que o Brasil está encharcado de leis que sempre fitaram o bem estar nosso e de nossos concidadãos, o que falta é sua aplicação, materialização concreta, aliás, mais do que isso, não falta só aplicação das normas não, falta o brasileiro tomar consciência que, com o formalismo reinante nesta nação, nunca alcançaremos guinadas de curso social de modo razoável, eis que nem tudo aquilo que é na forma justo, o é na matéria, onde realmente pulsam as verdadeiras forças sociais, onde está o verdadeiro Constituinte Originário, ou como o quis Ferdinand Lassalle, onde estão as as somas dos fatores reais de poder.

Que devemos lutar por um país melhor, isto é fato, o que não podemos fazer é, nesta busca às vezes cega, transigir na temática inabalável dos direitos e garantias fundamentais, quão mais os titularizados pelos nascentes cidadãos desta república, que são os adolescentes, os jovens, agora afrontados por uma PEC desarraigada de razões concretas de existir e imbuída de um claro conteúdo formalista, que pouco ou quase nenhum resultado benéfico trará à sociedade brasileira. Se as vozes contrárias a esta PEC não conseguirem demonstrar sua inocuidade, o tempo e a história o farão.

  • ARTIGO MERAMENTE DE OPINIÃO

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