Você tem um negócio que é explicitamente relacionado a freguesia proveniente de um bem público, uma pousada em frente a um ponto de grande interesse para turistas, uma loja na estrada para atender viajantes, um negócio em uma via urbana de alta movimentação etc. Considere a hipótese onde o Estado, dentro da total legalidade e interesse público, faz uma obra que se revela diretamente prejudicial ao seu negócio; um desvio que torna sua loja irrelevante, a transformação de uma praça em um prédio administrativo prejudicando seu hotel, um elevado na estrada tirando sua loja do caminho ou mesmo o deslocamento de um centro de convenções responsável pela maior parte dos clientes de seu restaurante.
Nos casos apresentados, ainda que em obras lícitas e motivadas pelo interesse público, cabe um pedido judicial de indenização contra o Estado pelos danos diretamente causados. Chamada de responsabilidade pelo simples fato da obra, a responsabilidade civil do Estado nestes casos é sempre objetiva, em outras palavras, não se discute dolo, culpa ou legalidade, basta que exista dano, conduta e nexo causal, este ultimo consiste na prova de sem aquele ato administrativo específico não existiria o dano, ou seja o nexo entre a conduta e o dano.
Pouco importa se a obra foi executada pelo próprio Estado ou por uma empresa contratada, pois o dano nestes casos não é proveniente da mal execução do serviço e sim da obra em si, cabendo sempre o ajuizamento da ação diretamente contra o poder público.
Dúvidas comuns:
“O comerciante vizinho que também foi prejudicado pela obra, processou o governo e ganhou, eu também tenho direito?”
Não, no direito administrativo é aplicada a teoria do duplo efeito do ato administrativo, em síntese os atos tem efeitos diferentes para pessoas diferentes, é preciso comprovar que no seu caso em específico existiu um dano direto proveniente da obra e não um simples dano do “risco social” que é aquele em que todos estão submetidos e devem suportar, o dano deve ser anormal e específico.
“Existe um projeto de obra que vai causar grande dano ao meu negócio, existe alguma medida que possa tomar preventivamente?”
Todo negócio tem uma função social mista, a geração de empregos, pagamento de tributos, o atendimento as necessidades dos consumidores e até o próprio giro de capital, ao mesmo tempo, toda obra de grande escala, pública ou privada, está submetida ao processo administrativo de licenciamento ambiental. Entre as etapas do processo estão a elaboração de estudo social e a realização de audiências públicas, restando aí a possibilidade de manifestação dos grupos sociais, inclusive dos comerciantes afetados pelo projeto. Em caso de qualquer ilegalidade durante o processo administrativo pode o particular buscar os meios legais adequados para impedir o ato ilegal em seu prejuízo, como em alguns casos o Mandado de Segurança.
Por fim, entendo que a simples expectativa de dano não gera o dever do Estado indenizar, é preciso que algum dano ocorra de fato.
“A obra em si não vai me causar prejuízo, mas o barulho, trânsito e poeira tornaram inviável o meu negócio, estou quase falindo pela ausência de freguesia e a obra não acaba, poderia pedir lucros cessantes? O que fazer?”
Para o caso não existe consenso, seria o dano enquadrado em risco social uma vez que trânsito, poeira e barulho derivam de qualquer obra, ou seria um dano anormal e específico, pois pela teoria do duplo efeito, aqueles transtornos causados especificamente pela obra podem de fato afetar aquele empreendimento particularmente de forma anormal e especifica? No Direito Administrativo o interesse coletivo predomina sobre o interesse individual, contudo a preservação da empresa é também um interesse coletivo, a questão não é tão simples, francamente, depende do julgador.
O certo é que comprovado algum excesso ou ilegalidade na obra que cause danos, como barulho acima do permitido ou horário irregular, é possível pleitear judicialmente a reparação dos danos pela má prestação do serviço público.
Se a obra pública estiver sendo realizada por meio de empreiteira (pessoa jurídica de direito privado) é preciso provar a falha do Estado na fiscalização da execução do contrato, caso contrário a ação será contra a empresa que tem responsabilidade civil, em regra subjetiva, necessitando da comprovação de dolo ou culpa.
“O governo terminou a obra e agora quer me cobrar uma tal de contribuição de melhoria, pode isso?”
Contribuição de melhoria é o tributo cobrado quando em decorrência de obra pública existe uma valorização do imóvel, em regra o governo pode cobrar. Entretanto, caso a obra resulte em desvalorização a cobrança é ilícita.
Em conclusão, existem limites legais para a atuação do Estado, ainda que em benefício da coletividade. O Estado de Direito pressupõe garantias individuais em face ao utilitarismo coletivo, é importante proteger esses direitos e portanto, fundamental o acompanhamento de um advogado capaz de perceber as violações e tomar as medidas cabíveis. Dúvidas? Fique à vontade!