RESUMO
Este artigo refere-se à Teoria da Co-culpabilidade, principio que visa atribuir ao Estado uma parcela de culpa pelo cometimento de alguns crimes praticados por indivíduos marginalizados socialmente. Tal teoria parte da premissa de que a omissão estatal, no que tange a asseguração dos direitos mais fundamentais previstos na Constituição Federal, prejudica e afeta diretamente as classes inferiores que sem o devido amparo, tendem a delinquir em função de suas condições socioeconômicas. Tal falha deve ser reconhecida e considerada, atenuando a pena do agente em virtude da identificação de fatores sociais e econômicos presentes na influência da prática do ato delituoso.
Palavras chave: Co-culpabilidade, omissão estatal, Constituição Federal.
ABSTRACT
This article refers to the Co-guilt theory, principle which aims to give the state a share of blame for the commission of crimes committed by socially marginalized individuals. This theory assumes that the inactivity of the state, regarding the assurance of the most fundamental rights provided in the Constitution, harms and directly affects the lower classes without proper protection, tend to offending because of their social conditions. Such failure must be recognized and considered in this sense, reducing the penalty agent because of the identification of social and economic factors present in the practice of criminal act.
Keywords: Co-guilt, failure state, the Constitution.
INTRODUÇÃO
Por tratar-se de um artigo escrito por iniciante do primeiro semestre da faculdade de direito, sua colocação será apenas no sentido de circunstanciar a teoria da Co-culpabilidade, sem entrar em outros méritos explorados atualmente em teses e doutrinas, tais como positivação e implantação no sistema jurídico brasileiro.
A centralidade do presente artigo propõe da forma mais objetiva e simplista possível, explorar e expor o conceito da teoria da Co-culpabilidade. Tal conceito encontra-se enraizado na doutrina de Eugenio Raúl Zaffaroni cujo material fora consultado, juntamente com outras bibliografias que tomam emprestado o instituto e reafirmam suas teses neste sentido.
O âmago de tal conceito consiste em atribuir ao Estado uma parcela de culpa pela marginalização massiva, uma vez que este tem falhado em grandes proporções por consequência de sua omissão no que tange a asseguração de direitos igualitários previstos no ordenamento jurídico brasileiro, segundo a constituição Federal promulgada em 1988 em seu artigo 3º constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária. II – garantir o desenvolvimento nacional III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ocorre que tais objetivos fundamentais são claramente violados, a exemplo disso podemos citar as consequências da desigualdade social promovida pela hegemonia, que causa a exclusão de indivíduos do rol social e a inclusão dos mesmos em submundos – ambientes degradantes como favelas e invasões que se tornam vilas ou bairros de classe baixa. Em grande maioria são pessoas de baixa renda e escolaridade, negros e com pouca qualificação profissional, estes indivíduos são taxados pela sociedade e classificados como improdutivos socialmente, isso causa uma espécie de marginalização e leva o indivíduo a buscar subterfúgios afim de (sobre) viver em meio a sociedade, estes subterfúgios caracterizam-se geralmente em pequenos atos delituosos e em alguns casos a crimes mais pesados.
A pobreza como consequência da desigualdade social no Brasil traz graves problemas sociais, o aumento a violência seria um deles. Grandes riquezas nas mãos de poucos, a falta de esperança da população. A constituição Federal ergue em vários artigos o dever do Estado para com a sociedade. Infelizmente a desigualdade social no Brasil e no mundo prevalece, muitos não acreditam, outros acreditam, mas preferem ignorar muitos são vítimas, outros tentam mudar isso, de qualquer forma sabemos que a desigualdade social existe, pois presenciamos cenas ou até nós mesmos somos vítimas de tamanha injustiça. (JusWay, 2012).
Presenciamos na América Latina – principalmente no Brasil, um grande aumento da pobreza[1] por consequência da má administração pública e da concentração de capital detido na posse de uma pequena parcela da sociedade, gerando cada vez mais a desigualdade social, influencia primeira na marginalização de pessoas pertencentes às classes sociais inferiores e muitas vezes em condições degradantes de mendicância. Isentar o Estado de uma parcela de culpa por tais condições, seria o mesmo que atentar contra os princípios contidos na CF deste país. Neste sentido a doutrina da co-culpabilidade defende que deve haver uma atenuação da pena em determinados crimes onde fique clara a influência da desigualdade social no cometimento de atos delituosos por parte do agente, defende-se portanto a atenuação seletiva e parcial e não uma atenuação generalizada e aplicada em crimes de maior potencial. Agindo como mecanismo de justiça social, a co-culpabilidade traz consigo a missão de descontar do agente uma parcela de culpa que será atribuída ao Estado para que esse arque com a consequência de sua omissão.
O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE
Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para este âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. (ZAFFARONI e PIARANGELI, 2007, p. 525).
Até onde pode e deve ir o juízo de reprovação em relação à conduta delituosa de indivíduos marginalizados socialmente? E quando e em que medidas se dá a co-responsabilidade do Estado no cometimento destes delitos? (SILVA, 2009).
Em uma sociedade explicitamente desigual, onde educação, saúde, moradia e bem estar são um conjunto de possibilidades utópicas para classes inferiores, que carecem de amparo social, não se pode um mesmo padrão moral e comportamental por parte de todos os cidadãos, já que são enormes as desigualdades de suas condições sociais, fato que influencia com extrema significância no desenvolvimento educacional e psicológico desta classe. Estas diferenças agem diretamente na formação do caráter e na conduta desenvolvida ao longo da vida. É conhecido que indivíduos pertencentes a classes sociais menos favorecidas utilizam o crime como forma de subterfúgio às desigualdades[2] sociais existentes em meio à sociedade a que estão inseridos, pois esta sociedade não é suficientemente isonômica a ponto de favorecer a todos, mesmo que em suas necessidades mais básicas. Desta forma, nem todos os membros de determinadas comunidades podem, usufruir da liberdade de escolha entre uma ação licita e outra ilícita, sendo claro que pequenos delitos são cometidos no sentido de obter formas para sobrevivência, visto que é comum a falta de condições econômicas que assolam a vida de uma enorme parcela da família brasileira, que vive à margem da miséria e sem condições para manter suas necessidades básicas, como alimentação, moradia digna, saneamento, estudo dos filhos, cultura e laser. Estas pessoas vivem precariamente, sem acesso ao estudo acabam e tendo suas carreiras comprometidas pela falta de conhecimento, isto gera uma exclusão e está, age como uma porta de entrada para o mundo do crime, segundo Moura:
[...] assim como se considera as condições socioeconômicas do agente na aplicação do princípio da co-culpabilidade, Merton diz que as classes sociais subalternas sofrem maior pressão anômica, ou seja, essas classes tendem a praticar a forma de adaptação individual que ele domina inovação, isto é, buscam os objetos culturais, porem desprezam os meios institucionais, praticando crimes. (MOURA, 2006, p. 53).
Assim, se a ideologia de isonomia social incute a noção de que a condição social digna é a todos acessível, e a realidade de uma sociedade heterogênica se impõe como obstáculo a concretização de tal instituto, o desejo de igualdade ou vingança pela desigualdade o motivará a buscar meios para alcançar uma forma de sobrevivência mais satisfatória, sendo a frustração dos instrumentos lícitos uma porta de entrada para o uso de meios ilícitos. Ou seja, o sentimento de inferioridade gerado nestes indivíduos a partir do abandono do Estado no que tange a uma condição digna de desenvolvimento, gera uma espécie de revolta, esta revolta é revertida em atos ilícitos, pois o agente tendo seu direito negado e ignorado acaba usando da ilicitude para satisfazer suas necessidades.
Nesta linha de pensamento, seguindo o princípio da co-culpabilidade, membros de determinadas classes sociais, ao cometerem certos tipos de delitos, não devem ser exclusivamente responsabilizados pelo ato, uma vez que não são os únicos responsáveis por ele. Não se pode negar que a falta de oportunidades, a exclusão social e o meio em que vivem estas pessoas são fatores que influem diretamente na formação de caráter e personalidade do indivíduo na medida em que afetam a formação das bases de valores e princípios ao qual o sujeito está ligado.
Segundo Zaffaroni,
O princípio acerca disto está em que, se a sociedade outorga, ou permite a alguns, gozar de espaços sociais dos quais outros não dispõe ou são a estes negados, a reprovação de culpabilidade que se faz à pessoa a quem se tem negado as possibilidades outorgadas a outras, deve ser em parte compensada, isto é, a sociedade deve arcar com uma parte da reprovação, pois, não se pode creditar ao agente uma maior possibilidade de motivar-se numa norma, cujo conhecimento não lhe possibilitou. Isto leva a considerar, necessariamente, como atenuante, a humilde condição social de uma pessoa, suas carências econômicas e de instrução, seu escasso acesso à medicina preventiva e curativa, e, no geral, o menor gozo dos direitos sociais, sempre e quando estas circunstâncias não cheguem a um grau tal que devam ser consideradas como presença de uma eximente, em razão do estado de necessidade justificante ou exculpante. (ZAFFARONI e PIARANGELI, 2007, p. 524).
Diversos crimes são praticados por consequência das desigualdades socioeconômicas que desestruturam a sociedade, desencadeando conflitos internos na instituição familiar, dando margem à violência doméstica, maus tratos infantis, crime contra o patrimônio, delitos de tóxicos e até homicídios. Esta realidade é motivada por uma grave falta de atenção da ordem pública, econômica, social e cultural para com todos estes cidadãos de baixa posição, em defesa deste instituto a co-culpabilidade vem agir como um importante mecanismo de justiça social, reconhecendo que os fatores sociais e a falta de amparo estatal influenciam diretamente na pratica do ato ilícito, uma vez que o indivíduo não tendo seu direito a isonomia respeitado, acaba por buscar meios ilícitos para conseguir sobreviver. Este princípio age em defesa do compartilhamento da responsabilidade entre o indivíduo que delínque em função do quando socioeconômico e o Estado que nega a possibilidade de inclusão e desenvolvimento socioeconômico à algumas pessoas, mitigando a pena e a reprovação do autor diante da sociedade, visando que a mesma influenciou em sua conduta quando o excluiu, quando o descriminou, quando não o empregou por falta de formação ou quando não o proporcionou acesso à educação, moradia.
Ao entendimento de Moura,
O princípio da co-culpabilidade é um princípio constitucional implícito que reconhece a co-responsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstancias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente, o que enseja menor reprovação social, gerando[3] consequências práticas não só na aplicação e na execução da pena, mas também no processo penal. (MOURA, 2006, p. 41).
Na doutrinação de Costa segue reafirmação,
A teoria da co-culpabilidade objetiva dividir a responsabilidade, diante da pratica de um fato delituoso, entre Estado, sociedade, e o sujeito ativo do crime, tendo em vista a condição de hipossuficiência deste, em razão da falta de prestação estatal no que tange à efetivação de direitos individuais basilares. (COSTA, 2013, p. 03).
O princípio da co-culpabilidade e sua ideia de bipartição da culpa entre agente e Estado, foi desenvolvido em função do não fornecimento de recursos fundamentais para uma vida digna, o que aumenta gradativamente o índice de criminalidade na comunidade. Neste sentido, a doutrina defende a atenuação da pena do agente quando o juiz identificar a influência de fatores sociais e econômicos na hora do ato delituoso. Se tais condições existentes são consequências diretas da omissão estatal geradora de desigualdade, esta desigualdade deve ser recompensada.
Outro fundamento do princípio da co-culpabilidade é reconhecer a desigualdade entre os homens. Essa desigualdade deve ser descontada, na conta, na hora da reprovação. Se o cidadão que comete um delito é devedor do estado, enquanto detentor do poder de punir é também credor, ao mesmo tempo, deste mesmo Estado, enquanto responsável pela criação de condições necessárias para o bem-estar dos cidadãos, então devemos entender que o Estado deve descontar aquilo que não realizou, em face de não propiciar condição de vida digna a todos. Nesse sentido, a co-culpabilidade representa uma co- responsabilidade do Estado, no cometimento de delitos por parte desses cidadãos credores do Estado. (MARÇAL e FILHO, O princípio da co-culpabilidade e sua aplicação no direito penal brasileiro).
No mesmo sentido segue Greco:
A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da pratica de determinadas infrações penais pelos seus supostos cidadãos. Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem teto para abrigar-se, morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem emprego, pois o Estado não os preparou e os qualificou para que pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso da bebida alcoólica para fugir à realidade que lhes é impingida, quando tais pessoas praticam crimes, devemos apurar e dividir essa culpa com a sociedade. (GRECO, 2002, p. 469).
Analisando ás duas últimas colocações, se percebe claramente que nem todos são brindados com as mesmas possibilidades de escolher entre suas práticas (lícitas ou ilícitas), uma vez que suas liberdades para tomada de tais decisões esta viciada pela pelas condições sociais e econômicas desfavoráveis em meio a sua inserção social, delimitando assim o seu poder de escolha, não podendo ser então esperada outra conduta do agente, uma vez que em meio a desigualdade e a falta de oportunidades, o ser humano não encontra alternativas licitas para garantir sua sobrevivência. São parcelas da sociedade que (sobre) vivem sem perspectiva de vida, que não enxergam na sociedade uma contribuição de bem comum como a que doutrinaram os filósofos nos séculos passados, onde o Estado e seus membros deveriam contribuir mutuamente para o bem maior (a causas final, o bem comum) que deveria alcançar a todos, o que eles enxergam, ao contrário disto, é uma sociedade taxativa, uma sociedade discriminatória e hegemônica, que domina boa parte da sociedade que contribui com o Estado de alguma forma e exclui os “inúteis” que perambulam em meio a mendicância e se abrigam e vias subalternas, diz o sociólogo Robert Merton neste sentido:
É a falta de entrosamento entre os alvos propostos pelo ambiente cultural e as possibilidades oferecidas pela cultura social que produz intensa pressão para o desvio de comportamento. O recurso a canais legítimos para “entrar no dinheiro” é limitador uma estrutura de classe à qual não é inteiramente acessível em todos os níveis a homens de boa capacidade. Apesar de nossa persistente ideologia de “oportunidades iguais para todos”, o caminho para o êxito é relativamente fechado e notavelmente difícil para os que têm pouca instrução formal e parcos recursos. A pressão dominante conduz à atenuação de utilização de vias legais, mais ineficientes, e ao crescente uso dos expedientes ilegítimos, porém mais ou menos eficientes. (Merton apud MOURA, 2006, p. 52).
Seguindo a doutrina do princípio da co-culpabilidade, o Estado sendo omisso e não proporcionando inclusão socioeconômica e direito de espaço cultural e social a todos, deverá ser responsabilizado pelo ato juntamente com o delinquente, tendo assim seu juízo de reprovabilidade atenuado, em vista de que certos crimes são produtos diretos da desigualdade gerada pela omissão estatal, que é violadora dos deveres que se comprometeu a oferecer a todos os cidadãos. Cabe salientar que a invocação e defesa de tal princípio, nada tem a ver com a responsabilização total do Estado, e que tal princípio não se traduz em impunidade, o agente que delinquiu em face ao fator socioeconômico sofrera punição, no entanto a mesma deverá ser ajustada conforme sua reprovação social, onde caberá ao juiz a observância da hipossuficiência do autor, aplicando a pena justa, atenuando-a assim, em função de sua vulnerabilidade., abrangendo assim somente e tão somente, àqueles que tiveram sua liberdade de escolha mitigada em virtude da condição social que lhes foi imposta, conclui-se com as palavras de Silva:
[...] não se quer culpar o Estado por um crime cometido por um individuo, mas responsabilizá-lo em virtude de sua ausência previa quando não forneceu condições para que aquele indivíduo tomasse outro rumo que não o estreito caminho da conduta ilícita. (SILVA, 2011, p. 14).
CONCLUSÃO
A lei é feita para todos, mas só ao pobre obriga.
A lei é teia de aranha,
Em minha ignorância tentarei explicar,
Não temam os ricos,
Nem jamais os que mandam,
Pois o bicho grande a destrói
E só aos pequeninos aprisiona.
A lei é como a chuva, nunca pode ser igual para todos.
Quem a suporta se queixa,
Mas a explicação é simples;
A lei é como a faca que não fere quem a impunha.
(FIERRO, Martin, apud ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal, p.42.)
Em face às citações expostas ao longo do trabalho a conclusão toma o instituto exposto e reafirma a defesa da Co-culpabilidade no sentido de que o Estado deve arcar com uma parcela de responsabilidade no cometimento de determinados delitos praticados por sujeitos marginalizados socialmente em função de suas condições sociais, que são consequências diretas da omissão estatal, que falha não proporcionando a todos os cidadãos de forma isonômica os direitos garantidos pelo corolário da Constituição Federal em vigência.
Segundo pesquisas a desigualdade social atua com enorme influência para o aumento da criminalidade, a desigualdade além de causar o aumento da pobreza, gera um sentimento de desprezo pela sociedade por parte destes indivíduos excluídos e abandonados, este sentimento cria por consequência um estado de anômia nas comunidades carentes, contribuindo para o cometimento de pequenos delitos e formação de delinquentes de alta periculosidade. Ocorre que pequenos crimes – principalmente os furtos famélicos, são em grande parte dos casos o único subterfúgio a miséria causada pela heterogeneidade social. A principal consequência da desigualdade é a pobreza, e isto tudo, como um ciclo, é originado pela desatenção do Estado que falha no sentido de proporcionar a todos as mesmas oportunidades, de oferecer a todos os cidadãos educação, saúde, inclusão social e oportunidade de emprego. Estas faltas de oportunidade geram a exclusão de muitas pessoas que são obrigadas a adentrarem em submundos, buscando nas favelas e vilas uma forma de sobre (viver), uma vez que tiveram todas as garantias fundamentais a qualquer ser humano negadas. Estas aglomerações de pessoas frustradas e sem perspectiva de vida acabam pesando no desenvolvimento psicológico e em grande maioria, estas famílias acometidas por esta condição socioeconômica vivem em conflito e transparecem isto a seus filhos que acabam crescendo sem perspectiva de vida e igualmente sem acesso as garantias individuais previstas a todos os cidadãos, quando estas crianças têm acesso ao mundo do crime, acabam vendo nele uma forma de buscar para si parte do que a sociedade os negou. No entanto cabe ao magistrado reconhecer neste individuo a figura do Estado como agente (dês) motivador, ocasionando como consequência sua inserção no mundo ilícito.
Segundo trecho extraído da fundamentação do juiz Dr. Rosivaldo,
A parte acusada era usuária de álcool e tem estigma de criminoso, à época da infração, assim, justifica-se o reconhecimento de atenuante inominada em favor do acusado, em razão da co-culpabilidade social na participação do delito, pois é notório que a situação acima, no caso o vício no consumo de álcool e o estigma que carrega tem contribuído significativamente para estímulo à prática de crimes, torna o acusado pessoa mais vulnerável ao cometimento de crimes e à seleção pelo sistema penal, em sua peneira já tão bem denunciada por Honoré de Balzac, quando dizia que "as leis são teias de aranha, em que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas". (TOSCANO, Rosivaldo, 2010).
Aplicar a dosimetria da pena ao indivíduo sob o viés do Princípio da Co-culpabilidade é dar ao Direito Penal um aspecto mais humanitário no que tange ao conceito de Isonomia Social, é tratar de forma justa o desigual, pois um Estado perde a sua legitimidade no momento que promulga leis iguais para cidadãos socialmente desiguais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O DIREITO PENAL É MEIO ADEQUADO DE CONTENÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS ATUAIS?
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
Os problemas sociais são muito mais complexos do que o Direito Penal. Existem diversos conflitos entre homens e estes conflitos são originados por muitos motivos. Ocorre que, na aplicação da pena, temos acompanhado que somente as pessoas pobres é que são penalizadas5, não obstante presenciamos de perto a impunidade dos crimes cometidos pelos ditos, colarinhos brancos.
Este resultado é fruto da hegemonia de classes, consequência direta do capitalismo moderno, que torna uma parte alta da sociedade em cidadãos não alcançados pelas punições, o que facilita suas práticas delituosas impunes, que em geral, são muitos mais prejudiciais a sociedade do que alguns crimes de menor potencial ofensivo, como os crimes de furto famélico, muito comuns nas comunidades e arredores. No entanto é inaceitável saber que um pai de família, ou um jovem acometido pelo desespero causado pela desestrutura socioeconômica, é tratado aos olhos do Estado com diferença de um homem que desvia milhões de reais dos recursos públicos, este é um ponto desmotivador que deslegitima o princípio da individualização da pena e da isonomia levando a crer que a única individualização que existe é a dissociação entre rico e pobre na hora do julgamento e aplicação da sanção penal.
O uso do direito penal é reflexo dos problemas sociais, partindo desta premissa, a pena deveria ser o último subterfúgio para os problemas sociais, ou seja, ter caráter de ultima ratio, fato que não está se concretizando quando se analisa que o que ocorre atualmente é um encarceramento massivo por consequência de crimes em grande maioria de menor potencial ofensivo.
O direito pena tem sido aplicado somente àqueles que são vítimas dos problemas sociais, tais como, pobres, moradores de grandes periferias, cidadãos que são vítimas do abandono estatal, da pobreza, da falta de educação, da falta de oportunidade. A heterogeneidade massiva promoveu uma exclusão social destas pessoas, os magistrados tomaram como medida para solucionar os problemas oriundos da desigualdade, a mão pesada do direito penal, e não é assim que se resolvem os problemas, não é punindo que o cidadão vai sair da cadeia com novas oportunidades, se foi pela falta das mesmas que ele delinquiu.
Assim sendo, o direito penal não é o meio adequado para a contenção dos problemas sociais atuais, o direito penal só será eficaz quando punir a todos da mesma forma e quando adotar o instituto do princípio da co-culpabilidade, aplicando a pena a todos de forma igualitária à luz do princípio da isonomia e descontando dos cidadãos afetados pela extrema pobreza, uma parcela de culpa que é do Estado que falhou na hora de proporcionar benefícios a todos de forma igualitária.
A contenção dos problemas sociais só agira de forma eficaz a partir de uma mudança governamental, onde a prioridade do governante seja o investimento em escolas, segurança social, saúde, emprego, etc., esta mudança estrutural irá gerar uma nova perspectiva a todos os cidadãos e rendera uma contribuição por parte de todos para ordem social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 2. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002.
JusWay. A DESIGUALDADE FINANCEIRA NO BRASIL E SUA CONSEQUÊNCIA SOCIAL, 2012.
MARÇAL, Fernanda Lira; FILHO, Sidney Soares. O princípio da co-culpabilidade e sua aplicação no direito penal brasileiro.
MOURA, Gregore. Do princípio da co-culpabilidade. Niteroi: Impetus, 2006.
SILVA, C. Carlos João. Princípio da co-culpabilidade e sua implementação no ordenamento jurídico brasileiro, 2009.
TOSCANO, Rosivaldo. Diálogos entre juízes: Teoria da Co-culpabilidade, 2010.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição. 5º ed. Rio de Janeiro: Renavam, 2001.
ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
[1] Dados extraídos do Portal G1, página de Economia em matéria sobre o aumento da pobreza no Brasil.
[2] Ibidem citação 1, onde aponta-se que a criminalidade é sim uma consequência do aumento da pobreza.
[3] Referência a (dês) motivador pois no momento em que o Estado deixa de cumprir com suas obrigações – atribuição de direitos isonômicos, ele acaba desmotivando o indivíduo que acaba encontrando no mundo do crime a única forma de (sobre) viver.