Vislumbrar o direito sob uma perspectiva teórica é absolutamente encantador. A evolução sistemática que o ordenamento jurídico alcançou ao longo de sua evolução atinge na contemporaneidade o ápice de sua sistematicidade teórica. Mas faz-se necessário questionar frente á nova realidade social: a teorização jurídica tem atendido as demandas da sociedade de forma isonômica e com similitude? O direito por si só se faz substancial na resolução de conflitos?
A resposta não pode ser outra, senão, negativa. O sistema jurídico se torna indiferente assumindo seu caráter dogmático – jurídico, tão somente. A dogmática é limitada. Precisamos ampliar as possibilidades para eliminar estes limites do sistema jurídico – estatal. A complexidade da sociedade exige muito mais do que a letra da lei. Neste sentido é mister abordar a importância da transdisciplinaridade como forma de superar esta indiferença acadêmica e jurídica e ampliar os horizontes do direito, tornando-o assim mais equânime em sua sistemática normativa.
Falar em eficácia das normas jurídicas remete, inerentemente, a questionar sua real efetividade em termos “humanísticos”, aqui entendidos como relativos ao bem social em um contexto geral e não apenas parcial (como presenciamos freqüentemente).
As normas se consolidaram em um sentido restrito a mera aplicabilidade, qual seja, um formalismo exacerbado. Este positivismo se mostra insuficiente no momento em que se confronta com problemas complexos e, neste sentido, acaba por tornar-se obsoleto e meramente ilustrativo, visto que não evoluiu, a largo passo, como as complexidades da sociedade pós-moderna. Essa resposta do direito às demandas sociais tem operado em um simples cumprimento formal de uma lei que é insuficientemente contextualizada, uma vez que vivemos em um contexto social que requer uma abordagem critica do direito. Critica no sentido de se adequar ao novo contexto sociológico e trazer para o direito outras formas eficazes que ajudem a tornar a justiça, leia-se o Poder Judiciário, eficaz em cada caso em concreto.
Tão verdadeira é esta afirmação que, ao passo em que acompanhamos a mecanicidade positivista com que alguns profissionais da área jurídica trabalham, percebemos o quão infundados, em um contexto social complexo, eles estão.
O mundo normativo jurídico necessita de uma nova interpretação, uma interpretação mais humanizada e calcada nos reais valores sociais. Precisamos de um direito que se mostre efetivo, que busque em outras áreas os recursos que lhe carece. E assim, ao passo em que a idealização de uma nova formação, aliada á uma nova sistemática se mostrar efetiva, trabalhar permanentemente em cima de uma operação jurídica transdisciplinar.
O enfoque do debate entre a postura esperada de um profissional da área jurídica “de verdade” centraliza-se em uma postura ética. Quais os requisitos esperados de uma postura ético – jurídica? Juridicamente falando e, mais especificamente, em um sentido contextualizado contemporaneamente, uma postura ética seria toda àquela que, ao trabalhar as questões do direito, o fizesse sobre um prisma humanístico. Levando em consideração o bem estar social em sua totalidade e não parcialmente. O direito precisa de profissionais comprometidos e dispostos a lutar por decisões jurídicas mais justas e não profissionais que se conformam com as limitações do formalismo.
O grande foco da nova era jurídica tem que ser a pessoa humana e não mais o texto pelo texto. Conforme externa o ilustríssimo professor José Ivo Follmann, “(...) o conhecimento especializado pode conduzir a uma falta de percepção do contexto em que tal conhecimento foi produzido.”
A especialização em uma área especifica é algo plenamente belo, o conhecimento é algo prazeroso e satisfatório. Contudo, deve-se observar que a especialidade se torna sistemática e centralizada se não buscar meios alternativos de se reproduzir. Esta referencia cabe como uma luva a ilustração apontada na imagem do poço. O ordenamento jurídico brasileiro é absolutamente sistêmico e dogmático, para todos os ramos do direito temos uma vasta gama de material doutrinário, contamos também com uma infinidade de textos legais, no entanto pecamos em não buscar soluções alternativas, fora do mundo jurídico, para resolução ou auxilio na resolução dos numerosos conflitos e problemas advindos da nossa sociedade complexa. Formula-se “soluções” mecânicas e (in) justas para casos que, se buscados meios alternativos, resolveriam – se muitas vezes, sem a necessidade de conflitos jurídicos e, em outros casos, com maior facilidade. Precisamos a partir desta problemática, trabalhar em cima deste modelo de Direito e, impulsioná-lo a se adequar ao novo contexto social em que estamos inseridos, neste sentido:
“Necessitamos de homens e mulheres que saibam sentir-se maiores que os limites que os cercam e que tenham a coragem de recusar-se a aceitar a realidade na qual estão mergulhados, simplesmente como dada e imutável.” (FOLLMANN, 2015. Pg. 142).
Sair da zona de conforto e aceitação é o passo que dever-se-á dar na atualidade. O conformismo permeou durante muito tempo o Direito. Está correto porque é assim que diz a lei... Mas isto é justo? Podem as leis influenciar uma decisão que vai contra a dignidade humana? É justo que uma sociedade trate igual aos social, cultural e economicamente desiguais?
Ate quando vamos viver como maquinas de reproduzir? Necessita-se de mais pessoas voltadas radicalmente a valorizar a dignidade humana e propostos a construir um novo mundo jurídico, pautado na ética e nos reais valores humanos.
Quando nos confrontamos com nossos problemas existenciais, facilmente nos deparamos com uma parede chamada medo, que acaba por nos acovardar e nos impede de buscar saída para nossas questões complexas. Por natureza carregamos o medo do desconhecido. Temos tendência a optar pelo comodismo, mesmo quando os métodos da nossa realidade se tornam falhos. Assim tem sido o Direito. Passada a fase de evolução cientifica encontra-se travado e acomodado em sua dogmática e formalismo. Em seu instrumentalismo.
Ultrapassar a nós mesmos significa ultrapassar as zonas de conforto de disciplinas, de posicionamentos teóricos dogmatizados e, inclusive, de vícios e rotinas do cotidiano acomodado. Nos acadêmicos e operadores do direito precisamos perder o medo de ultrapassar a zona de conforto da dogmática jurídica e nos posicionar criticamente frente as coisas e o mundo, trazendo assim uma nova perspectiva para resolução dos conflitos sociais.
“Isto não é tudo”! A letra pela letra da Lei se mostra ineficaz e falha, os problemas com que o direito trabalha na atualidade vão muito alem de “frutas em uma arvore que está posta na divisão de dois terrenos”, nos deparamos, hoje com problemas que exigem uma analise ética, pautada na transdiciplinaridade para orientar decisões. Quem deve viver? “temos apenas um leito e dois pacientes necessitando de uma vaga na UTI”.
Precisamos ultrapassar as formas obsoletas de produzir normas e buscar objetos que humanizem o mundo jurídico e conforme institutos defendidos por Follmann: “(...) um caminho acelerador é a aposta na transdisciplinaridade.’’
A transdisciplinaridade deve ser vista no direito como a possibilidade de integração do saber dogmático com outras sensibilidades e realidades exteriores ao âmbito jurídico. Essa integração jurídica com o externo mundo de possibilidades deve proporcionar à disciplina jurídica a atuação de uma forma mais humanizada e proporcional as novas demandas complexas da nossa sociedade evoluída. Estes interrogantes externos devem atuar tanto no processo de produção do conhecimento como no processo de educação e formação profissional, para alcançar, no futuro, uma patamar de legitimidade ética em sua atuação.
A impercepção que toma o mundo jurídico parte da incapacidade de aproveitar os diversos recursos que a Academia proporcionaria na resolução das problemáticas encontradas em nossa sociedade. Quer-se criticar com isso o modelo “insensível e indiferente frente aos destinos da humanidade e dos problemas concretos existentes no cotidiano das pessoas e da sociedade.”
Deve haver – e já há em curso, uma conscientização das Universidades no sentido de buscar meios alternativos, ou seja, buscar na transdisciplinaride o que lhes carece na resolução humanitária dos conflitos sociais.
O Direito deve ser instrumento de justiça social a todos os seres humanos. Nós integrantes do mundo jurídico devemos propor novas soluções para melhorar a sociedade e o mundo em que vivemos. O Direito deve evoluir neste sentido e se tornar um novo potencial jurídico, ético e isonômico.