LOURENÇO, Jeiziel Roberto; SILVA, Juliane Bento da.
RESUMO: É cediço que o princípio da legalidade é pressuposto essencial para a validade de quaisquer atos praticados pela Administração Pública, sendo ela direta ou indireta. Dessa forma, somente serão válidas as condutas devidamente previstas e autorizadas por lei realizadas pelos agentes públicos. Aliado a isso, o poder de polícia, pertencente à Administração Pública, confere liberdade ao agente para limitar ou disciplinar o direito, em benefício da coletividade, razão pela qual, pautado em seu poder discricionário, sob os critérios deconveniência e oportunidade. Neste contexto, como ente pertencente à Administração Pública direta, o Fisco possui o dever de promover suas ações consoante os princípios básicos da administração, a fim de, em primeiro plano, resguardar o princípio norteador da Administração Pública: a supremacia do interesse público em detrimento do privado.
PALAVRAS-CHAVE: Obrigações tributárias, administração pública, princípio da legalidade, poder de polícia, poder discricionário, desvio de finalidade.
1 INTRODUÇÃO
A Administração Pública tem como princípios norteadores a indisponibilidade do interesse público e a supremacia do interesse público sobre o privado. Aliado a isso, os entes públicos têm o dever de realizar seus atos pautados sempre nos princípios pertencentes à administração pública, sejam eles constitucionais ou não. Sob a ótica constitucional, a administração pública detém poderes inerentes aos seus entes, que devem, sobretudo, garantir a aplicação dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
Como princípio basilar, a legalidade aduz que são válidos todos os atos praticados por agentes públicos, desde que autorizados por lei. Assim, o doutrinador Meirelles (1998, p. 103) discorre sobre o princípio da legalidade acerca do direito administrativo:
“O princípio da legalidade impõe que o agente público observe, fielmente, todos os requisitos expressos na lei como da essência do ato vinculado. O seu poder administrativo restringe-se, em tais casos, ao de praticar o ato, mas de o praticar com todas as minúcias especificadas na lei. Omitindo-as ou diversificando-as na sua substância, nos motivos, na finalidade, no tempo, na forma ou no modo indicados, o ato é inválido, e assim pode ser reconhecido pela própria Administração ou pelo Judiciário, se o requerer o interessado. ”
Portanto, qualquer ato não pautado em lei que a administração pública cometa é passível de anulação, uma vez que atinge diretamente o principal princípio, aquele que dá origem e sustentabilidade a todos os outros. Sendo assim, necessária se faz a observância deste princípio nas obrigações tributárias, visto que o Fisco, ainda que pautado no poder de polícia e nos poder discricionário, não pode agir sem respaldo legal.
Nessa ótica, como meio de garantir a aplicação do direito, o art. 5°, inciso LXIX, da Constituição Federal aduz sobre a concessão de mandado de segurança para obter proteção de direito líquido e certo quando violado, ocorrido quando o Fisco utiliza de seus poderes de forma indiscriminada.
Nesse contexto, pode-se definir mandado de segurança como:
“[...] uma garantia, um remédio, de natureza constitucional, exteriorizada por meio de uma ação especial, posta à disposição de qualquer pessoa (física ou jurídica, de direito público ou privada), ou de ente despersonalizado com capacidade processual, cujo escopo repousa na proteção de direito individual ou coletivo, próprio ou de terceiros, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ato de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica de direito privado no exercício de atribuições do poder público.” (LEITE, 2002.p.136)
Destarte, por tais razões, verifica-se que toda medida punitiva exercida de maneira arbitrária pelo funcionário público (excesso de poder), contrária a lei ou entendimento de instâncias superiores, é passível de nulidade, revogação e anulação por via administrativa ou judicial, em virtude do desvio de finalidade.
2 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DOS SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
O direito administrativo é uma espécie do Direito Público criado com o intuito de regulamentar as relações entre os órgãos e agentes públicos e a coletividade por meio de princípios e normas que estruturam todas as atividades da Administração Pública.
Nas palavras de nas palavras de Mazza (2011, p. 18), a Administração Pública:
Em sentido objetivo, significa a atividade voltada à defesa do interesse público pelo Estado. Em sentido subjetivo, designa o complexo de agentes, órgãos e pessoas jurídicas competentes para desempenhar as atividades administrativas. Assim, em termos subjetivos, Administração Pública equivale a Poder Público ou a Poder Executivo.
Sendo assim, uma das principais características da Administração Pública é a total subordinação à lei, uma vez que considerada sua fonte primária para aplicação do direito.
Mazza (2011, p. 34) entende, ainda, que os princípios possuem dupla utilização, uma vez que utilizados sob a ótica hermenêutica e integrativa nos termos em que, como resolutivos, visam a solução de questões oriundas de dúvidas acerca da interpretação de determinada norma e como complementação, no que tange o preenchimento de lacunas na lei, em decorrência da ausência de norma específica, respectivamente.
A Constituição Federal prevê no caput do art. 37, a aplicação dos princípios, basilares da Administração Pública, sejam eles a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e a eficiência, memorizados pela sigla LIMPE.
A respeito da impessoalidade, entende-se que os atos praticados em nome da Administração Pública devem ter validade para todos, sem privilégio ou discriminação, sob pena de nulidade.
No que tange a moralidade, trata-se de uma obrigação do agente público a fim de que, além de cumprir estritamente a lei, aja pautado na moral, respeitando os parâmetros éticos, sociais e culturais.
A publicidade, nas palavras de Mazza (2011, p. 39), “obriga os agentes públicos a divulgar o conteúdo dos atos que praticam. Trata-se, em última análise, da proibição de condutas sigilosas”. Sendo assim, por não ser um princípio absoluto, permite a existência de exceções, como é o caso dos atos que requerem sigilo e que, segundo Garcia (2015, p. 470), são eles “a) para a defesa da segurança da sociedade e do Estado; b) em investigações policiais; c) para o resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas”.
Por fim, o princípio da eficiência, observado desde o início do ato, está diretamente ligado ao bom andamento e à celeridade do processo e, principalmente, aos resultados da conduta do agente administrativo.
No conceito de Garcia (2015, p. 471):
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe o dever de a Administração Pública atender satisfatoriamente às necessidades dos administrados, bem como de o administrador público fazer o melhor, como profissional, diante dos meios de que dispõe.
3 DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De acordo com Garcia (2015, p. 479):
O ato administrativo pode ser conceituado como a declaração do Estado, ou de quem lhe faça as vezes, no exercício de prerrogativas públicas, destinada a cumprir direta e concretamente a lei. (grifo do autor)
É cediço, portanto, que todos os atos administrativos devem ser pautados de perfeição, validade e eficácia, uma vez que nem todos os atos da administração são considerados atos administrativos.
Como consectário lógico, Garcia (2015, p. 480) define, em linha tênue, os conceitos dos requisitos acima descritos para caracterização do ato administrativo, sejam eles:
a) perfeição: situação do ato cujo processo formativo está concluído; ato perfeito é o que completou o ciclo necessário à sua formação (plano de existência). Ex.: decisão administrativa que acaba de ser redigida e assinada pela autoridade.
b) validade: adequação do ato às exigências normativas (plano da validade). Ex.: a decisão administrativa mencionada (já existente, portanto), que esteja, também, de acordo com a lei;
c) eficácia: situação em que o ato está disponível para produção de efeitos típicos (plano da eficácia). Ex.: ato existente e válido, cuja condição suspensiva ou o termo que o acometia já se implementou, habilitando-o à produção de efeitos, situação que ocorre quando se autoriza o uso de bem público ao particular apenas 10 dias após a expedição do ato de autorização. (grifo do autor)
Analisando-os requisitos supramencionados, tem-se, ainda, os que se referem à competência, ao objeto, à forma, ao motivo e à finalidade, cuja observância dar-se-á no ato administrativo em si só, cujo procedimento se inicia na análise do sujeito, ou seja, quem possui competência para praticar determinado ato administrativo. Portanto, desde o ponto de partida, todos os requisitos devem visar, inclusive, a concretização dos princípios fundamentais regentes da administração pública.
A observância do sujeito e a finalidade, contudo, possuem demasiada consideração, uma vez que, sobretudo, são passíveis de anulação, nulidade ou revogação do ato administrativo. Nesse contexto, a finalidade é a garantia de que o bem jurídico está sendo devidamente tutelado, enquanto o sujeito o está resguardando efetivamente, sob a ótica jurídica-administrativa-social.
O desvio de finalidade, portanto, é analisado quando o agente busca alcançar uma finalidade diversa para qual está aplicado e exercido o ato administrativo, não observando, sobretudo, os princípios da impessoalidade e moralidade, por exemplo. Aplica o ato administrativo da forma que lhe convir, deixando de garantir a sua eficácia.
Noutros casos, há a ocorrência de vícios de competência, verifica-se, por exemplo, a ocorrência de usurpação de função e o excesso de poder.
A primeira situação fundada no vício, ocorre quando uma pessoa se identifica como agente público, sem o ser, cujo ato torna-se nulo, em virtude de não haver competência para a prática. No segundo caso, denominado excesso de poder, o agente público, no uso de suas atribuições, excede a competência que lhe foi conferida, tornando o ato administrativo anulável, observando-se, a prima facie, a finalidade para qual o agente se excedeu do poder lhe atribuído.
O sujeito passivo, ou seja, o cidadão a quem interessar e a que for aplicado o ato administrativo, como, no caso, a manutenção de estabelecimento comercial, indevidamente confiscado pela Administração Pública, em pleno gozo de seus direitos, poderá impetrar o mandado de segurança, nos termos do art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e da Lei 12.016/2009, cujo direito, verifica-se, é líquido e certo, a fim de garantir o pleno exercício e funcionamento do estabelecimento comercial.
4 DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO E DA SEGURANÇA JURÍDICA
Para que seja possível proteger o contribuinte, o direito de tributar está pautado em um princípio fundamental, o da legalidade que, mais do que fundamento do sistema tributário, é um limitador do poder estatal, o qual está previsto na Constituição e no Código Nacional Tributário (CTN). Assim, esse princípio, é garantia aos contribuintes de que o Estado não irá extrapolar seu poder e competência de instituir tributos e de arrecadar.
Corroborando com esse entendimento, Machado (2012, p. 51) aduz sobre legalidade como, “[...] o ramo do direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”.
Assim como na Administração Pública, o Fisco não pode instituir, aumentar ou tomar alguma atitude quanto cobrança de tributo, caso não esteja previamente fixado por lei. O art. 150 da CF aduz que, “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados e aos Municípios: I - Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Nesse sentido, Silva (2007, p. 428 – 429), traz a seguinte conceituação do princípio da legalidade no direito tributário:
Subordina-se a uma legalidade específica, que, em verdade, se traduz no princípio da reserva da lei. Esta legalidade específica constitui garantia constitucional do contribuinte, em forma de limitação do poder de tributar que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I).
O princípio da legalidade, por consequência, gera segurança jurídica para sociedade, visto que, nenhum tributo poderá ser instituído ou cobrado se não por meio de lei. Desse modo, o doutrinador Silva (2007, p. 441), entende que:
Essa segurança realiza-se nas garantias consubstanciadas no art. 150: (a) de que nenhum tributo será exigido nem aumentado senão em virtude de lei (inc. I); princípio da legalidade tributária, que já estudamos; (b) de que não se instituirá tratamento desigual entre contribuintes (inc. II); (c) de que nenhum tributo será cobrado em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado nem no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que instituiu ou aumentou (inc.III); (d) de que não haverá tributo com efeito confiscatório (inc. IV).
Portanto, a Constituição Federal traz princípios e normas que limitam a atuação do Estado no momento em que for exigir o tributo. Dessa forma, caso o Estado, representado pelo Fisco, extrapole seu poder e aja de forma arbitrária, é passível de ação competente para que possa evitar esse abuso.
5 DA AÇÃO CONSTITUCIONAL DE MANDADO DE SEGURANÇA
A ação de mandado segurança surge em nossa legislação como um remédio constitucional, com o intuito de proteger o direito líquido e certo que determinado individuou ou um coletivo possua frente ao poder público. Assim, nos casos que este extrapole de forma arbitrária, é possível impetrar com mandado de segurança.
Silva (2007, p. 446), neste contexto, entende que o remédio constitucional denominado mandado de segurança:
Visa, como se nota, amparar direito líquido e certo. Só o próprio titular desse direito tem legitimidade para impetrar o mandado de segurança, que é oponível a qualquer autoridade pública ou contra agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas, com o objetivo de corrigir ato ou omissão ilegal ou decorrente de abuso de poder.
Desse modo, caso haja o direito líquido e certo, ou seja, princípio ou norma positivado sobre determinado assunto, a Administração Pública deve fazer conforme estipulado por este. Meirelles (apud SILVA, 2007, p. 447) traz a seguinte conceituação sobre direito líquido e certo:
[...] é o que se apresenta manifesto na existência, delimitado na sua extensão e apto para ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se a sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo a segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
Em que pese o abuso do poder estatal, sem respaldo legal para tal atitude é um direito líquido e certo. Como já explanado anteriormente, o Fisco e a Administração Pública tem seus atos baseados no princípio da legalidade. Portanto, caso inflijam esse princípio, estarão passíveis de mandado de segurança.
6 CONCLUSÃO
Os princípios, expressos – previstos no art. 37 da Constituição Federal – ou não, são considerados a base regulamentadora das atividades realizadas pelos membros da Administração Pública, uma vez que visam garantir, sobretudo, a plena eficácia da lei.
Dessa forma, todos os atos administrativos devem neles estar pautados, tendo em vista que, para serem considerados plenos, ou seja, permitirem a aplicação plena dos atos praticados pelos entes da Administração Pública, ensejam perfeição, validade e eficácia.
Não obstante, na esfera do direito tributário se faz necessário a observância, principalmente, do princípio da legalidade. Pois, em virtude da aplicabilidade no âmbito da Administração Pública, o Fisco só poderá tributar caso o tributo esteja previamente fixado em lei.
Assim, quanto aos casos em que ocorrem usurpação de função, abuso ou excesso de poder, o ato administrativo torna-se nulo ou anulável, podendo ainda ser revogável em análise estrita à situação. Ocorre que, a inobservância dos princípios norteadores supramencionados ocasiona falha técnica e pessoal de responsabilidade da Administração Pública, configurando o desvio de finalidade, alcançando a finalidade diversa da o ato previu.
Portanto, caso ambos os órgãos estatais descumpram os preceitos fundamentais resguardados na Constituição Federal e em leis esparsas, estarão sujeitos à ação de Mandado de Segurança, uma vez que agiram diante de uma omissão da norma ou contra a norma, contrariando, assim, direito líquido e certo.