Sem dúvida, há uma polarização doutrinária acerca de haver ou não incidência de tributação de certo proveito oriundo de prática delituosa, destacando-se, portanto, duas correntes sobre o tema, tendo cada uma delas seus argumentos. Uma – majoritária na doutrina nacional –, a qual serve de sustentáculo para a epígrafe desenvolvida nesse artigo – defende a possibilidade da incidência tributária sobre determinado ilícito penal. E a outra com um parecer, permissa vênia, sem grande expressão, defendendo a impossibilidade de tal cobrança de impostos.
Dos autores de grande peso na corrente que resolve pela não tributação de atos ilícitos, destaca-se Alfredo Augusto Becker que ensina o seguinte:
"A ocorrência ilícita de um fato jurídico não realiza a hipótese de incidência tributária que esteja integrada com aquele fato jurídico, porque a regra jurídica tributária quando escolhe para composição de sua hipótese de incidência, um fato jurídico, refere-se implicitamente a fato jurídico licito.”
Segundo seu entendimento a nascente tributária, responsável por definir abstratamente a conduta responsável por uma relação jurídica, pressupõe a prática de atos lícitos.
Luciano Amaro, na mesma toada, sustenta que, no caso de proveito decorrente de crime, deve-se falar em sanção e não em tributo. Em suas palavras:
“A questão, segundo nos parece, não é, propriamente, a de se tributarem ou não os atos ilícitos. Ato ilícito, como tal, não é fato gerador de tributo, mas suporte fático de sanção, que (mesmo quando se cuida de infração tributária) com aquele não se confunde (CTN, art. 3º). Dessa forma, se “A” furtou de “B” certa quantia, não se pode, à vista do furto, tributar “A”, a pretexto de que tenha adquirido renda; cabem no caso, as sanções civil e penal, mas não tributo. (AMARO: 2003, p. 276)”.
Por sua vez, já no ponto de vista majoritário, Ricardo Lobo Torres (p. 260), esclarece que, se o cidadão pratica atividades ilícitas com consistência econômica deve pagar o tributo sobre o lucro obtido, para não ser agraciado com tratamento desigual frente às pessoas que sofrem a incidência tributária sobre os ganhos provenientes do trabalho honesto ou da propriedade legítima.
Também nessa compreensão, Aliomar Baleeiro (p. 716) destaca que a ilicitude do ato praticado nada tem a ver com a relação jurídica tributária. Ou seja, a validade, invalidade, nulidade, anulabilidade ou mesmo a anulação já decretada do ato jurídico, assim como o eventual peso de ilicitude penal que possua, são irrelevantes para o Direito Tributário... Uma vez praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária erigiu em fato gerador, está nascida a obrigação para com o fisco. De modo que, essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato. O fato gerador ocorreu e não desaparece, do ponto de vista fiscal, pela nulidade ou anulação.
Seguindo o mesmo entendimento, afirma Ricardo Lobo Torres:
“Se o cidadão pratica atividades ilícitas com consistência econômica deve pagar o tributo sobre o lucro obtido, para não ser agraciado com tratamento desigual frente às pessoas que sofrem a incidência tributária sobre os ganhos provenientes do trabalho honesto ou da propriedade legítima. No imposto há sempre uma nota desagradável que não pode pesar apenas sobre os ganhos das atividades lícitas.” (TORRES: 2009, p. 372).”
Nesse prisma, o tributo corresponderia a um instituto amoral, objetivo e abstrato, veiculado por norma tributária igualmente objetiva, incidindo sobre qualquer que seja a riqueza, não sendo indagada a validade do fato, do ato ou do negócio jurídico que lhe constituiu as bases.
É evidente que tem de haver uma universal incidência do tributo, uma vez que a hipótese de incidência, materializando-se no fato imponível, é circunstância suficiente para a irradiação equitativa da incidência tributária.
Para Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., quando a norma jurídica tributária define um dado modelo como hipótese de incidência – fato econômico ao qual o direito atribui relevância jurídica –, já está sopesando a situação em si e a capacidade contributiva da pessoa que a deflagra.
Nesse sentido, o Direito Tributário preocupa-se em saber tão somente sobre a relação econômica relativa a um determinado negócio jurídico.
Trata-se de dispositivo que abarca um importante princípio, criado por Albert Hensel e Otmar Bühler , citado por Eduardo Sabbag em sua obra (p. 141) segundo o qual o princípio pecunia non olet, ou seja, o dinheiro “não tem cheiro”, significa que toda atividade ilícita deve ser tributada.
De acordo com o artigo 118 do CTN, são irrelevantes, para a ocorrência do fato gerador, a natureza do objeto dos atos praticados e os efeitos desses atos.
Então, podem ser tributados os atos nulos e os atos ilícitos, prevalecendo o princípio da interpretação objetiva do fato gerador.
Dessarte, depreende-se do artigo em comento, que diante do fato típico tributário há de prevalecer em caráter exclusivo a sua análise objetiva como fator relevante, em observância à equivalência necessária que dá sustentação ao postulado da isonomia tributária.
Nesse contexto, o panorama de que a capacidade tributária passiva é plena é ratificado, não contemplando ressalvas.
Como é facilmente notado, o artigo 126 do Código Tributário Nacional vem ao encontro do contexto propalado pela máxima latina.
Da leitura atenta do dispositivo infere-se que está-se diante da capacidade jurídico-tributária, referindo-se à aptidão da pessoa, titular de direitos, para compor o polo passivo da relação jurídica que envolve a cobrança do tributo.
Consoante o inciso I do art. 126, leciona o autor do Manual de Direito Tributário que a incapacidade civil – absoluta ou relativa – é de todo irrelevante para fins tributários. Os atos realizados por menores de 16 anos (e.g., o recém-nascido) – ou até por aqueles entre 16 e 18 anos –, pelos ébrios habituais, pelos toxicômanos, pelos pródigos, pelos excepcionais (sem desenvolvimento mental completo), pelos deficientes mentais e pelos surdos-mudos, quando estes não puderem exprimir sua vontade, se tiverem implicações tributárias, ensejarão inevitavelmente na cobrança do imposto.
E continua explanando que no inciso II do citado dispositivo, a pessoa natural que sofrer limitações no exercício de suas atividades civis, comerciais ou profissionais não estará impossibilitada de fazer parte da sujeição passiva tributária. Face à exemplificação, verifica-se que não estarão livres da cobrança do imposto: o falido, o interditado, o réu preso, o inabilitado para o exercício de certa profissão (v.g., o advogado suspenso pela OAB; o transportador autônomo com habilitação para dirigir suspensa; financista com empresa sob intervenção do Banco Central).
Em relação ao inciso III, completa, esclarecendo que a incidência tributária ocorrerá independentemente da regular constituição da pessoa jurídica, mediante a inscrição ou registro dos seus atos constitutivos no órgão competente. Se, à revelia dessa formalidade legal – o que torna a empresa comercial existente “de fato”, e não “de direito” –, houver a ocorrência do fato gerado, a comercialização de mercadorias, dar-se-á a imposição do tributo, exigível, no caso, sobre os sócios da pessoa jurídica, haja vista a responsabilização pessoal constante do art. 135, caput, CTN.
Realmente, tratar universalmente tais contribuintes significa evitar a burla à tributação, já que inúmeros proprietários de bens imóveis poderiam colocar seus bens em nome dos filhos menores. Ou, ainda, um sem número de comerciantes deixaria de estar devidamente cadastrados perante o fisco para esquivarem-se dessa tributação.
A lógica da equiparação, como esclarece Sabbag está na racionalidade que deve vir ladeada do princípio da isonomia – e também no viés da capacidade contributiva –, evitando que, no caso, oferte-se um tratamento mais benevolente a autores, por exemplo, de ilícitos, em detrimento daqueles que se põem, diante do fenômeno da tributação, sob as vestes da legalidade, auferindo legitimamente os seus rendimentos provindos de lícitas fontes.
Nesse sentido, tem sido frisado que o postulado da generalidade da tributação expõe a necessária onipresença tributacional, com a indiferença de quem realizou ou como foi realizada a atividade tributável, para o Direito Tributário, excetuando-se, entretanto, o viés excepcional da isenção, sem que isso possa dar vazão a uma desigualdade jurídico-formal.
A intenção do Direito Tributário, ao instaurar a norma do art. 118 do CTN foi de dar tratamento isonômico aos detentores de capacidade contributiva e, ao mesmo tempo, evitar que a atividade criminosa se tornasse mais vantajosa, inclusive pela isenção tributária.
A despeito de todos os argumentos aventados na contramão da tributação de atos ilícitos, é possível constatar que, apesar do fato de aqueles que não admitem a tributação de atos ilícitos argumentarem que o Código Penal já prevê a destinação correta para os bens oriundos da prática delituosa, como por exemplo; no caso de busca e apreensão e sequestro, perdimento de bens, etc., essas medidas não podem servir de base para justificarem a não tributação das rendas utilizadas para o consumo desses mesmos bens pelas razões já explicitadas ao longo dessa tarefa.
Além disso, é importante salientar que medidas penais como as citadas são tomadas num segundo momento, isto é, o momento da busca e apreensão e do sequestro já é processual, enquanto que a ocorrência do fato gerador que possibilitou a cobrança do tributo é anterior ao processo e mesmo ao inquérito policial, antes mesmo de se saber que os bens penhorados são produto de ato ilícito, o que só se passa a saber com certeza, com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Nessa lida, considerando que o acréscimo patrimonial ou a aquisição de disponibilidade da renda, oriunda do fato criminoso, se dá no momento em que o delinquente pratica o fato gerador em abstrato, subsumindo sua conduta à norma, não há de se falar em qualquer outra providência, nesse instante, senão a da tributação.
No momento em que o fora da lei adquiriu um imóvel com a renda do crime, ou, em outro exemplo, no momento que alguém que não é habilitado em tal categoria profissional presta determinado serviço e aufere renda, não há de se falar em tributação de atos ilícitos, justamente porque “Pecunia Non Onlet”.
Dito de outra forma, não é possível distinguir o dinheiro do marginal que compra um bem imóvel que paga o ITBI, do dinheiro da pessoa trabalhadora que também compra o mesmo bem e sujeita-se igualmente ao mesmo imposto.
Sendo assim, data máxima vênia, o posicionamento dos que defendem a não tributação de atos ilícitos, veiculados nesse trabalho, tal postura carece de sustentação não apenas jurídica, visto que usar a lei para respaldar algo fora da realidade fática, já parece ser um equívoco. Mais ainda parece ser um equívoco, não se considerar a distinção entre o momento da ocorrência do fato gerador, do momento da ocorrência do ato ilícito.
Frise-se como isso que não se está a falar de ato criminoso como fato gerador de imposto, mas apenas e tão somente da ocorrência da incidência da cláusula “dinheiro não tem cheiro” para validar o fato gerador do tributo, mesmo em circunstâncias consideradas por alguns imorais e antiéticas.
Nas palavras de Eduardo Sabbag:
“Adotar um entendimento oposto, salvo melhor juízo, parece pretender-se prestigiar o sentimentalismo em detrimento da isonomia tributária, abrindo aos contraventores, aos marginais, aos ladrões, aos que lucram com o furto, o crime, o jogo de azar, o proxenetismo etc., a vantagem adicional da exoneração tributária, de que não gozam os contribuintes com igual capacidade contributiva decorrente da prática de atividades, profissões ou atos lícitos.”
Posto isso, com base na análise fática e na interpretação dos contentos teóricos aqui mencionados, revela-se inquestionável a possibilidade de incidência de tributos sobre a renda oriunda de atividades ilícitas (proventos de qualquer natureza), da mesma maneira que da renda que provém de atividades lícitas (ou ainda, independentemente da regularidade jurídica dos atos ou da licitude do seu objeto ou dos seus efeitos). Isso porque o que torna imperativa a aplicação do da cláusula “Pecunia Non Onlet” no direito tributário não é um fato gerador sobre ilícitos já existentes, mas a aquisição de disponibilidade de renda, consoante previsto no artigo 43, incisos I e II do Código Tributário Nacional.
Destarte, à luz do já supra-argumentado, conclui-se que justamente pelo fato gerador ser a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, haverá incidência de tributo sempre que houver enquadramento da conduta na norma tributária, de maneira que a incidência do princípio Pecunia Non Onlet caminha dentro dos conformes dos demais preceitos aqui sustentados, quais sejam legalidade ampla e estrita, constitucional e tributária e isonomia constitucional e tributária – sem deixar de considerar também seu desdobramento em capacidade tributária.
Em arremate, não é que os atos ilícitos sejam fatos geradores de tributação, mas que, de algumas condutas consideradas ilícitas decorre, verifica-se o fato gerador do imposto de renda, que por sua vez, não observa a denominação, da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.