Neste ano de 2018 termos eleição para escolha do presidente da República, dos governadores, senadores, deputados federais, deputados estaduais (e distritais, no caso do Distrito Federal). É a chamada eleição geral.
A festa de democracia estaria garantida, se o detentor do poder (o povo) fosse convidado a participar, além da simples obrigação de votar...
A palavra democracia já ficou tão desgastada e desacreditada que hoje ninguém mais duvida que o povo só é lembrado porque a classe política precisa de seu voto para legitimar isso que chamam de representação popular nas Casas Legislativas, como as assembleias estaduais e o Congresso Nacional. O mesmo povo que tem seus parentes mortos nas filas intermináveis dos hospitais públicos, que não tem escola pública de qualidade, que não tem segurança para pegar ônibus com tranquilidade para ir ao trabalho, que sequer tem a certeza do trabalho...
Pois é. É desse povo que os políticos precisam a cada eleição. Mas só a cada 4 anos. No resto do tempo, esse povo deve simplesmente fazer o favor de não atrapalhar os planos (pessoais/particulares e não raramente imorais) de uma quantidade alarmante de maus políticos.
Que cidadania é esta?
Que simulação de democracia é esta que há tempo vivemos?
Há muito os políticos estão saindo de suas tocas, de seus esconderijos, e começaram a exercitar as velhas e surradas práticas que fazem, geralmente, a cada 4 anos, quando precisam mostrar a cara para fingirem que pretendem sempre agir na defesa dos interesses do povo. Fazem discursos aparentemente desinteressados, visitam lugares e pessoas antes esquecidos, dão opinião sobre tudo e sobre todos, criticam os que chamam de maus gestores, de incompetentes. Enfim, eles têm o desinteresse e a solução para todos os males. Mas somente enquanto não se elegem. Depois, se esquecem. Na verdade, lembram-se. Lembram-se de suas necessidades particulares, de seus interesses privados, quando não chafurdam na lama da corrupção, da imoralidade, se é que encontram espaço, porque essa lama é muito disputada!
Se estivessem mesmo agindo assim, na defesa do interesse público, o povo não teria mais tantas necessidades, que, convenhamos, são as mesmas que já existiam há tantas eleições passadas. E que, obviamente, não foram atendidas. Ao contrário, aumentaram e se tornaram mais prementes, mais graves, mais urgentes e em maior quantidade.
Para que, então, votar?
Que festa macabra é esta falsa democracia, mais parecida com farta demagogia?
Enquanto nós brasileiros não fizermos faxina total de costumes, implantando a ética em todos os setores, não teremos a palavra democracia mais do que um pomposo recurso linguístico, um mero e rebuscado estilo de linguagem, pouco menos que metáfora simbólica, assim como termos hoje o termo cidadania.
Ocorre, porém, que é ano eleitoral e todos novamente iremos às urnas exercitar parte de nossa “cidadania” por intermédio do voto direto e secreto. Pelo menos, é o que dizem a Constituição e as leis. No Brasil o voto é obrigatório, sendo o eleitor constrangido a comparecer perante a sua seção eleitoral e exercer, em tese, seu direito do voto.
Com pesar utilizo o termo “constrangido”, pois meu desejo seria dizer que o eleitor exerce seu direito de voto. Mas, infelizmente, não é assim que a coisa funciona, na prática. Na realidade, o eleitor não é propriamente obrigado a votar, mas a comparecer no local de votação e acionar teclas da urna eletrônica.
Mas, vamos dizer que o voto é obrigatório, porém a escolha do candidato pelo eleitor é livre.
Contudo, o descontentamento com a classe política, o nojo com toda a podridão moral que assola o país, que desfalca nossas riquezas, que arruína nossa saúde, segurança e educação públicas, e que invade nosso lar a cada noticiário, a desilusão contínua, a consternação com todo esse estado de coisas são tão generalizados, enfim, que estamos acostumados a ouvir muita gente dizer que vai anular o voto ou votar em branco.
Afinal: anular o voto resulta em anulação da eleição?
O objetivo deste artigo é convidá-los a refletir um pouco acerca do que significa anular o voto ou votar em branco, e quais as implicações desse ato para a eleição e, mais importante, qual a consequência para a vida de todos nós, pois absolutamente todos vivemos sob o comando de leis, que são editadas pelos políticos que, bem ou mal, nós mesmos elegemos.
Nos dizeres do glossário do TSE[1] o voto nulo é aquele em que o eleitor digita um número de candidato inexistente, como por exemplo, “00”, e depois a tecla “confirma”. Noutro giro, o voto em branco[2] é aquele em que o eleitor não manifesta preferência por nenhum candidato, aciona a tecla com a grafia “branco” e depois a tecla “confirma”.
No passado o voto nulo já foi considerado por alguns como um ato de protesto e o voto em branco como sendo o voto do conformismo. Será isso mesmo? Hoje o cenário é bem diverso, pois o voto nulo não serve de protesto ou vingança e o voto em branco não configura conformismo. Ambos não entram no cômputo dos votos que elegem alguém. As duas formas de participação política são, de fato, um nada jurídico, uma insignificância política, exceto para sociólogos e outros estudiosos do comportamento social. Mas, na prática, nada significam.
A pergunta central que precisa ficar bem clara: os votos em branco e nulos têm o poder de anular uma eleição, caso somem mais de 50%?
Mesmo que os votos brancos e nulos representem mais da metade do total de votos de uma cidade, de um estado ou do país, não é possível anular a eleição por este motivo. É mito acreditar que os votos nulos e em branco podem anular uma eleição, bem como de alguma forma beneficiar um ou outro candidato, interferindo de forma direta nos Quocientes Eleitoral e Partidário (esses quocientes interessam para o caso de eleição proporcional, como é a hipótese de eleição para vereador, deputado federal e deputado estadual).
A suposta anulação da eleição não acontece. A confusão do entendimento de que tais votos poderiam anular uma eleição é originária, ao que tudo indica, da equivocada interpretação dada ao caput do artigo art. 224[3] do Código Eleitoral que estabelece: “Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.”
Essa nulidade de votos ocorre após a eleição, na hipótese da Justiça Eleitoral decretar a ilegitimidade de alguma votação como pode acontecer, por exemplo, quando reconhece alguma fraude nas eleições, a exemplo do candidato que é condenado por compra de votos. É dessa nulidade que o art. 224 do Código Eleitoral trata, ao estabelecer como consequência a nulidade da eleição, mas não tem a ver com a anulação proposital (ou não) do voto pelo eleitor.
Essa conclusão é reforçada pelo teor do § 3º do já mencionado art. 224 do Código Eleitoral, que estabelece: “A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado[4], a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.”[5]
É preciso esclarecer que a Constituição estabelece em seu artigo 77, § 2°[6], que tanto o voto em branco como o nulo são descartados, para efeito, por exemplo, da escolha do presidente da República, sendo “eleito o candidato que obtiver a maioria absoluta dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos”.
Semelhante previsão encontra-se nos arts. 2º e 3º da Lei nº 9.504/97, para a escolha dos governadores e prefeitos.
Desta previsão constitucional (e legal) resulta a conclusão de que o voto que o eleitor anula (ou vota em branco) vai literalmente para o “lixo”, digamos.
Votos em branco e nulos, ainda que totalizem mais de 50%, não anulam eleição. Isso é mito.
Melhor do que anular o voto seria o eleitor buscar informações seguras sobre os futuros candidatos, de forma a tentar não errar na escolha, porque um Congresso qualificado moralmente pode impedir um presidente da República eventualmente mal intencionado, assim como uma Assembleia Legislativa, relativamente a um Governador eventualmente mau-caráter.
Afinal, a sabedoria popular nos ensina que não há mal que sempre dure. E bons políticos são forjados na têmpera inflexível do povo que os escolhe.
Sobre a autora:
Gisele Nascimento, Advogada em Mato Grosso, especialista em Direito Civil e Processo Civil e pós-graduanda em Direito do Consumidor. Membro da Comissão de Defesa da Mulher OAB/MT.
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