Eleições 2018: Autofinanciamento de campanha
Um dos aspectos das eleições que mais sofreu alterações recentes foi o financiamento das campanhas, desde a proibição de doações de empresas (pessoas jurídicas), passando pela criação do FEFC – Fundo Especial de Financiamento de Campanha (de cerca de R$ 1,7 bilhões), pela possibilidade de doações feitas pela internet (financiamento coletivo), até a ampliação do financiamento feito pelo próprio candidato, chamado autofinanciamento.
Com o fim das doações feitas pelas empresas, decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4650, e consequente revogação do art. 81 da Lei nº 9.504/97 pelo art. 15 da Lei nº 13.165/2015, o legislador tratou de criar rapidamente novos mecanismos que possibilitassem suprir a fonte que se esgotou com a referida proibição.
Daí terem surgido na legislação novas fontes (como o FEFC), ou ampliação daquelas que já existiam, como é o caso do autofinanciamento, que antes tinha o limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador (inclusive terceiros) no ano anterior ao ano da eleição e que agora (o candidato) poderá usar recursos próprios até o limite dos gastos estabelecidos na referida lei para o cargo para o qual concorre. Ou seja, o terceiro só pode doar até 10% de seus rendimentos brutos, mas o candidato pode doar até o teto legal de gastos (100%).
Será isso mesmo? O candidato pode financiar 100% de sua campanha?
Quais são esses limites de gastos?
Vamos responder primeiro à última pergunta: A atual redação do art. 18 da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) determina que os limites de gastos de campanha serão definidos em lei e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Assim, para o cargo de Presidente da República o limite é de R$ 70 milhões (1º turno) ou R$ 35 milhões (2º turno); para o cargo de Governador o limite varia entre R$ 2,8 milhões e R$ 21 milhões, de acordo com o número de eleitores em 31 de maio/2018 (em Mato Grosso o limite é de R$ 5,6 milhões[1] para o 1º turno, e metade desse valor no caso de 2º turno, se houver); para o cargo de Senador o limite varia entre R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões, de acordo com o eleitorado (em Mato Grosso o limite é R$ 3 milhões); para o cargo de Deputado Federal o teto de gastos é de R$ 2,5 milhões e para Deputado Estadual o teto é de R$ 1 milhão.
Quanto à primeira pergunta (se o candidato pode mesmo financiar 100% de sua campanha), o assunto é um pouco mais complexo.
Com o acréscimo do § 1º-A ao art. 23 da Lei nº 9.504/97, feito pela Lei nº 13.165/2015, surgiu a possibilidade, nas eleições de 2016, de candidatos com muito dinheiro financiarem toda sua campanha (100% das despesas), enquanto candidatos com poucos recursos não tiveram a mesma facilidade, o que demonstrou o grande equívoco do legislador ao fazer aquele acréscimo, porque legitimou o abuso poder econômico, justamente um dos principais vícios que a legislação eleitoral busca coibir.
Para corrigir o citado equívoco, foi editada a Lei nº 13.488/2017, que em seu art. 11 revogava o § 1º-A do art. 23 da Lei nº 9.504/97, o que fazia voltar a vigorar o limite de 10% de doação de pessoas físicas para campanhas eleitorais, inclusive do próprio candidato. Ocorre, contudo, que o Presidente Michel Temer, que tem o poder constitucional de veto (CF/88, art. 66, § 1º), não acolheu aquela revogação[2], mantendo a redação original, ou seja, o candidato poderia fazer autofinanciamento das despesas de sua campanha, até o limite legal (teto de até 100%). E sancionou a Lei nº 13.488/2017 em 6 de outubro de 2017, com o referido veto.
Porém, o Poder Legislativo federal (Congresso Nacional), que tem a prerrogativa constitucional de dar a ultima palavra quando se trata de editar leis, derrubou o veto presidencial, determinando que a Lei 13.488/2017 fosse promulgada pelo Presidente da República com aquela revogação do § 1º-A do art. 23 da Lei nº 9.504/97, o que finalmente aconteceu em 15 de dezembro de 2017.
Bem, traduzindo para os leigos em Direito: uma parte da Lei nº 13.488/17 foi editada em 6 de outubro de 2017, e a outra, a que se refere à vedação de autofinanciamento de 100% da campanha (de acordo com o teto que a lei estabelece) foi publicada somente em 15 de dezembro de 2017.
Para que haja igualdade de condições entre aqueles que querem concorrer aos cargos públicos eletivos, a legislação eleitoral, desde a matriz constitucional que cuida dos direitos políticos (Capítulo IV do Título II), estabelece alguns princípios e regras (normas eleitorais), de forma a evitar principalmente, que aquele que já detém cargo eletivo (no Poder Executivo ou no Legislativo) tenha vantagem com relação àquele que está fora do poder.
Neste contexto, a Constituição da República, por questão de segurança jurídica, visando a impedir ou minimizar casuísmos que possam beneficiar alguns e prejudicar outros, estabelece o que se chama de princípio da anualidade eleitoral, previsto no art. 16 da CF/88, consistente na vedação de aplicação da lei que altere o processo eleitoral antes de um ano da data de sua vigência.
Considerando esse princípio constitucional, e também o fato de que as eleições ocorrerão no dia 7 de outubro do corrente ano, fica fácil perceber que para as eleições de 2018 ainda valerá a regra do §1º-A do art. 23 da Lei nº 9.504/97, podendo o candidato financiar toda a sua campanha, até o limite de gastos definido pela lei, conforme já detalhado acima.
Em palavras mais claras: a parte da lei que foi publicada somente em dezembro de 2017 não pode ser aplicada às eleições de outubro de 2018.
Ou seja, nesta eleição de 2018 o poder econômico vai “nadar de braçada”, como se costuma dizer, e quem não for rico, na prática, estará alijado do Poder, isto é, estará fora da disputa, porque dificilmente terá condições de alcançar a vitória, a não ser que se trate de pessoa já conhecida nas mídias, nos esportes, no meio político etc.
E tudo isso porque o Congresso Nacional, muito “cioso” de seu dever de legislar, concluiu o processo legislativo na última hora, deixando o Presidente da República com a “faca e o queijo na mão”, pois não contaram os congressistas com a astúcia e a possibilidade bem casuística de veto do Presidente da República, que provavelmente não o fez para beneficiar-se da manobra(?). Será que Temer será candidato à reeleição e, nesta “remota” hipótese, poderia se beneficiar com a medida editada por ele mesmo?
Ressalto uma vez mais que, como o artigo da Lei nº 13.488/17 que revogava o §1º-A do art. 23 da Lei nº 9.504/97 foi publicado somente em dezembro de 2017, após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso, esta parte não valerá para as eleições de outubro do corrente ano, por observância ao princípio constitucional da anualidade eleitoral (CF, art. 16).
Por conta deste “detalhe”, que escapou aos olhos dos membros do Congresso Nacional, o TSE editou a Resolução nº 23.553/17, a qual estabelece em seu art. 29, § 1º, que “o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre”.
Mais uma vez o Congresso Nacional cochila, talvez até de propósito, editando mais uma minirreforma eleitoral na “prorrogação do segundo tempo do jogo”, o que não parece se coadunar com os princípios republicano e democrático.
O resultado das eleições 2018 demonstrará se houve manobra espúria ou simples casuísmo inocente, e pelos vencedores do pleito (efeitos) se conhecerá a verdadeira motivação da referida lambança legislativa.
Resta dizer que o assunto já foi levado à consideração do Supremo Tribunal Federal em duas ADI, em que se sustenta a tese da inconstitucionalidade do §1º-A do art. 23 da Lei nº 9.504/97, uma proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), outra pela Rede Sustentabilidade. Oxalá, não percam essas ADIs o seu objeto por demora de seu julgamento.
Por ora, é possível, ao menos, suspeitar dessa infeliz situação que vulnera, outra vez de forma acintosa, o processo democrático, já tão combalido.
Sobre a autora:
Gisele Nascimento é advogada em Mato Grosso.