Por Ezequiel Frandoloso
Os programas de fidelidade estão na mira de alguns consumidores. Um dos questionamentos é se esses programas geram direitos transmissíveis aos herdeiros, em caso de morte do titular.
É importante ressaltar que os benefícios desses programas são de uso limitativo e a aplicação das regras deve ser analisada caso a caso. Os programas são livremente instituídos pelas empresas, mas as condições e limitações de uso devem ser informadas aos consumidores. Dessa forma, as empresas devem cumprir o contrato escrito, bem como as ofertas divulgadas por qualquer outro meio de publicidade.
Em São Paulo, tramita uma ação civil pública contra uma empresa aérea, ajuizada pela Proteste Associação de Defesa dos Direitos dos Consumidores em que se pretende (i) que os bilhetes emitidos pela empresa aérea tenham validade de um ano, como determina a Lei nº 7.565/86; (ii) que os pontos acumulados não se extingam com a morte do titular, mas respeitem as regras do direito de sucessão; (iii) que todas as alterações de regulamento sejam informadas aos consumidores com 90 dias de antecedência; e (iv) que os pontos acumulados não se extingam com o prazo de 24 meses (ou dois anos), mas tenham validade ilimitada.
Nesta ação, a Justiça paulista concedeu liminar para suspender os efeitos de cláusulas do regulamento do programa de fidelidade da empresa aérea que tratam especificamente (i) da validade do bilhete; (ii) da transmissibilidade dos pontos aos herdeiros; (iii) do direito à informação das alterações feitas nos regulamentos; e (iv) da prescrição dos pontos.
O Poder Judiciário determinou que o bilhete de passagem aérea deveria ter validade de um ano, a partir da data de sua emissão, que os pontos do titular devem ser transmitidos aos herdeiros, em caso de morte, e que as alterações de regulamento têm de ser informadas com 90 dias de antecedência. Além disso, determinou que os pontos acumulados de milhas não devem ser extintos no prazo de dois anos e valem por tempo indeterminado. A empresa aérea recorreu e essa decisão foi cassada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo até decisão final sobre o recurso da companhia, que aguarda julgamento.
Em outro caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve o indeferimento de liminar em recurso interposto por uma empresa aérea, que queria impedir a venda de pontos por meio de um site. O fundamento da decisão foi o de que o contrato dos pontos é oneroso e, portanto, é insubsistente qualquer cláusula de inalienabilidade desse tipo de produto. A ação continua a tramitar, sem decisão definitiva sobre a questão.
O assunto é tão polêmico que há, ainda, projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados para regular a matéria. O Projeto de Lei nº 4015, de 2012, de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT), dispõe sobre a prescrição dos pontos acumulados em programas de fidelidade. A Comissão de Defesa do Consumidor aprovou, em reunião deliberativa extraordinária em dezembro de 2014, um substitutivo ao projeto apresentado. O substitutivo dispõe não só sobre a prescrição, mas sobre as demais regras aplicáveis aos programas de fidelidade. Ele “dispõe sobre o tratamento dado aos pontos creditados em nome do consumidor por programas de fidelidade ou redes de programa de fidelidade, instituídos por fornecedores”. Atualmente, o projeto está com a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) para aprovação.
Um ponto interessante do substitutivo ao projeto de lei é a proposta de que, caso as empresas descumpram as regras, podem ser penalizadas com 20% em pontos e não em moeda corrente. Assim, é possível entender que os pontos oriundos de programas de fidelidade não podem ser equiparados à moeda corrente e por ela serem substituídos, caso as empresas não queiram. Isso deveria ficar mais claro no projeto. Também, seria recomendável inserir um dispositivo sobre a observância dos regulamentos das empresas para as demais regras não dispostas no PL, ou que em tais regulamentos conste expresso dispositivo sobre a transmissibilidade ou não dos pontos aos herdeiros, em caso de morte do titular.
O relator do projeto de lei sustentou que não é razoável que o Estado imponha regras demasiadas às empresas. Obviamente que isso ofenderia o princípio da livre iniciativa e ensejaria um efeito reverso prejudicando o próprio consumidor. A vontade do legislador não é criar regras rígidas aos programas de fidelidade, pois acredita que esse não é o caminho para a melhoria e apoio à criação de novos benefícios, inclusive em outros segmentos. Como são programas de fidelidade instituídos livremente para atrair consumidores, as empresas podem encerrá-los.
A maioria dos programas de fidelidade termina a partir do momento que o consumidor deixa de ser cliente pela sua morte, ou por vontade própria. O posicionamento não é abusivo ou ilegal, porque são benefícios e vantagens oferecidos a título de recompensa da fidelidade e também pela confiança mútua existente entre as partes. As vantagens oferecidas não possuem “natureza econômica”. Caso contrário, teriam que ser declaradas em Imposto de Renda, consignadas em inventários etc. É importante ressaltar que esses programas têm benefícios limitativos, personalíssimos e intransferíveis. As partes devem, portanto, respeitar todas as regras dispostas nos regulamentos.
Ezequiel Frandoloso