Justiça ignora cláusula penal em contratos de aluguel.


02/04/2015 às 10h08
Por Ezequiel Frandoloso | Advocacia e Consultoria Jurídica

Nos contratos de locação, umas das cláusulas que as partes sempre decidem pela inserção é a chamada cláusula penal, comumente conhecida como multa contratual. A referida multa é tratada pelo Código Civil, em seus artigos 409 a 416, e na Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991) em seu artigo 4º, parágrafo único, ressaltando que sempre deve ser aplicado para os contratos de locação o disposto na Lei do Inquilinato, que é a lei que regula as locações de imóveis urbanos, tanto sob o aspecto material como também sob o aspecto processual. O Código Civil (CC) e o Código de Processo Civil (CPC) somente serão aplicados às relações de locação caso nada dispuser a Lei do Inquilinato, conforme apontado no artigo 79 da Lei 8.245/1991.

Regulada pelo artigo 4º da Lei 8.245/1991, a multa é, portanto, uma prefixação de perdas e danos no caso de inobservância dos ônus obrigacionais dispostos para as partes no negócio jurídico de locação, visando indenizar a parte prejudicada pelo inadimplemento contratual. Normalmente, a cláusula penal vem disposta no contrato como multa moratória — para os casos de atraso no pagamento dos aluguéis —, e como multa compensatória, quando houver indenização prévia por perdas e danos no caso de descumprimento parcial ou total do negócio.

Dessa forma, de acordo com a Lei do Inquilinato, se existir multa no contrato de locação, não se admite a aplicação de indenização suplementar porque o dispositivo é claro ao dispor em sua parte final que, no caso de descumprimento, poderá haver a rescisão, “pagando a multa pactuada proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada”.

Nessa mesma linha de raciocínio, nosso Código Civil afirma que “ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente”.

Como se vê, o que deve ser aplicado para o contrato de locação é a multa contratual, assim como em outras relações contratuais, caso não exista ressalva expressa de indenização suplementar por perdas e danos, uma vez que não se admite dupla condenação. Apenas nos casos de inexistência da multa contratual é que pode o Judiciário estipular uma indenização por perdas e danos, se existentes provas e nexo de causalidade. Porém, não raro, os tribunais, nos casos de rescisão antecipada dos contratos de locação, decidem pela fixação de indenização por perdas e danos, sem observar, no entanto, a existência de cláusula penal.

Além da clareza dos dispositivos que tratam da matéria, tanto na Lei do Inquilinato como no Código Civil, a jurisprudência dominante tem se posicionado no sentido de não admitir a cumulação da multa contratual com a indenização suplementar, a exemplo da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

[...] Ementa: Locação de imóvel urbano. Ação de indenização por perdas e danos c.c. cobrança de cláusula penal. Cláusula penal compensatória alternativa. Reconhecimento. Inadimplemento culposo de obrigações contratuais. Ocorrência. Indenização prefixada devida. Previsão de indenização suplementar. Não reconhecimento. Pedido cumulado de indenização por perdas e danos. Descabimento. Apelo parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido. Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso de Apelação nº. 0007279-09.2009.8.26.0071. 34ª Câmara de Direito Privado. Relator Nestor Duarte. Revisora Cristina Zucchi. Registrado em 16.7.2012 [...]

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também segue o mesmo entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

[...] 1. Se no contrato locatício há previsão das cláusulas penais moratória e compensatória, tendo como origem fatos geradores distintos, é cabível a cobrança de uma delas ou de ambas, observados os fatos que autorizam a pretensão. Precedente. 2. Constata-se, na hipótese em apreço, que os Recorridos foram condenados ao pagamento de multas pelo atraso dos aluguéis e pela devolução antecipada do imóvel. Desse modo, é incabível nova condenação em multa moratória, sob pena de se incorrer em bis in idem. Superior Tribunal de Justiça (STJ). 5ª Turma. Recurso Especial nº. 657568/MG. Relator Laurita Vaz. [...]

Diante disso, percebe-se que as decisões do Judiciário que afastam a cláusula penal para estipular indenizações com base em pedidos absurdos, muitas vezes até sem prova do prejuízo, são equivocadas. Também podem ser questionadas as decisões que cumulam a multa compensatória com perdas e danos, pois ferem não apenas o disposto no artigo 4º da Lei 8.245/1991 como também o disposto no parágrafo único do artigo 416 do Código Civil.

  • Direito Imobiliário.

Referências

Fontes: Consultor Jurídico.



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