RESUMO
O presente trabalho objetiva fazer um paralelo entre os conceitos de cidadania e ética, sob o enfoque da educação de crianças, integralizando conteúdos disciplinares do currículo do terceiro semestre do curso de Direito. Para tal, abordaram-se os aspectos conceituais de cidadania e ética, bem como específicos das disciplinas abordadas, além de questões concernentes à educação, principalmente em seus aspectos jurídicos. Percebeu-se, com o aprofundamento do tema, que a educação das crianças é uma das principais ferramentas para desenvolver, em sua plenitude, o futuro cidadão, sendo esta de responsabilidade compartilhada entre Estado, família e sociedade. Estabelecida como um direito social, visando alcançar a todos, a educação remete também à ideia de aceite de regras e desempenho de deveres, que quando não observados podem culminar em comportamentos não adequados, classificados como atos de indisciplina e/ou atos infracionais, a depender de suas variáveis, pondo em risco o objetivo de educar para formar cidadãos.
Palavras- chave: Cidadão. Valores. Estado. Criança. ECA. LDB. Escola.
1. INTRODUÇÃO
A resolução 9/2004 do Conselho Nacional de Educação institui as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Direito, a serem observados pelas instituições de educação superior em sua organização curricular, assegurando a concepção do projeto pedagógico institucional, sendo este trabalho parte dessa exigência. Em uma perspectiva transdisciplinar, a interdisciplinaridade é um dos princípios a ser considerado, visto objetivar a reflexão sobre as questões da Educação Infantil frente às bases conceituais da Cidadania e da Ética, importando-se sob o prisma jurídico, articulado entre os conteúdos disciplinares do 3º semestre do curso de Direito da Faculdade Batista Brasileira.
Este é um artigo científico de revisão bibliográfica cujo tema centra-se na natural relação estabelecida entre a cidadania, a ética e a educação para crianças, sendo esta última, a ferramenta fundamental e necessária para a formação e desenvolvimento das pessoas, em especial os jovens.
O aprofundamento dos conceitos titulares e os vínculos estabelecidos com as questões jurídicas concernentes à temática educacional sobressaem como objetivo deste trabalho, enfatizando-se a natureza de direito fundamental arraigada na educação.
Espera-se, no âmbito acadêmico do curso de Direito, contribuir com a reafirmação da importância da educação para toda a sociedade, considerando-se as disciplinas curriculares estudadas no terceiro semestre do curso. Para tal, foi relevante o entendimento dos artigos da Lei Maior brasileira e da legislação infraconstitucional que tratam sobre o assunto, bem como o embasamento do tema com textos disponíveis na rede mundial de computadores e com os trabalhos interdisciplinares desenvolvidos pelos presentes autores e apresentados como avaliações disciplinares em semestres anteriores, do curso de Direito da Faculdade Batista Brasileira.
A seguir, serão apresentados os conteúdos teóricos que versam sobre a cidadania, a ética e a educação para as crianças em seus diversos aspectos jurídicos.
2. CIDADANIA
Desde os mais idos tempos da história moderna da humanidade, a cidadania é um tema recorrentemente discutido, principalmente pelas conexões que estabelece com as demais faculdades humanas e pelas múltiplas interpretações possíveis sobre sua natureza. Faz-se necessário sua breve conceituação, a fim de relacioná-la ao tema central deste artigo.
A história já mostrou que a origem da cidadania entrelaça-se com a própria gênese dos direitos humanos, as lutas sociais para afirmação de valores éticos, por justiça, democracia e dignidade humana; relacionando-se principalmente com a questão do analfabetismo, quando se trata da educação.
Em prol da questão da cidadania, Silva a conceitua como: “expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos”. Nesta linha, tem-se que a capacidade civil só será plena quando a pessoa exercer pessoalmente os atos da vida civil, a qual se classifica então cidadão, aquele sujeito revestido de personalidade jurídica, pois para ser cidadão é necessário que a pessoa use seus direitos políticos, e deste modo adquira capacidade de direito.
A cidadania destaca-se e insere-se na vida social, em termos jurídicos, de maneira mais proeminente com o avançar dos dias. A República Federativa do Brasil a tem, inclusive, como um dos seus fundamentos, positivado no inciso II do artigo 1º da Constituição Federal brasileira.
Moraes nos diz que a cidadania representa um status e apresenta-se simultaneamente como objeto e um direito fundamental das pessoas. Ainda nessa linha constitucional, o entendimento de Silva é de que a Carta Magna de 1988 veio ampliar o conceito de cidadania que perdurou no passado, em vista que “qualifica os participantes da vida do Estado; é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política”.
Vê-se, através de tão poucas linhas, a complexidade do termo cidadania e a sua relevância no ordenamento jurídico, o como e o quanto reflete na vida da sociedade, assim como na de cada pessoa individualmente, sobremaneira quando se associa à educação de crianças.
3. ÉTICA
Em se tratando de ética, impossível é não citar o atemporal Aristóteles e sua obra Ética a Nicômaco, quando menciona que as ações do homem têm como objetivo alcançar um bem, e que esse bem tem relação com o estado de felicidade, tão almejada pelo homem através de uma vida virtuosa. Sendo essa virtude uma escolha do próprio homem; considerada pelo filósofo grego como “uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania, isto é, a mediania reativa a nós, que é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática”.
Aristóteles ainda contribui com essa discussão dizendo que a ética está relacionada com a virtude oriunda do aprendizado do homem:
Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito. [...] No entanto, com as virtudes dá-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício [...].
Conforme ensina o emérito Vásquez, acerca da ética, “[...] é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade [...]”, é ainda “[...] ciência de forma específica de comportamento humano”. Destaca-se nos seus escritos o caráter científico da ética, seu objeto próprio, que é o setor da realidade humana denominada moral, sua gênese na observação de “fatos”, de dados empíricos e a não limitação a descrever ou registrar, mas transcender com conceitos, hipóteses e teorias, aspirar à racionalidade e objetividade, gerar conhecimentos sistemáticos, metódicos e no possível comprováveis.
De acordo com Zandonadi é a ética que nos possibilita critérios para definirmos o que é ser bom, correto ou moralmente certo e que nos fornece explicações para nosso senso de dever moral. E continua dizendo que:
Uma das questões cruciais, hoje, quando discutimos a moral ou a ética está aqui: acreditamos que existe uma tábua de valores pronta e acabada, mas falhamos, pois tais valores são construídos de acordo com a relação do homem com o mundo, e esta relação pode ser aprimorada no ambiente escolar, quando podemos proporcionar, à criança, situações para ela vivenciar a partilha, a cooperação, o respeito mútuo, exercer a cidadania e assim construir a sua autonomia.
E a esse espaço de aprimoramento – escola – inclui-se a primeira instituição com a qual a criança se relaciona, que é a família nuclear, a qual se delimita espacialmente pelo ambiente familiar em si (o lar) e às suas extensões naturais como amigos e demais agregados. Inclusive, como preceituam Schimidt e Dieguez, algumas atitudes que poderão afetar o desenvolvimento da criança, “são intensificadas antes de seu ingresso na escola”, através de influências adquiridas no âmbito familiar. Com isso, “a escola deve preocupar-se em trabalhar o sujeito de forma integral, como sujeito em constituição, com vivências subjetivas anteriores, atuais e futuras”.
Considerando a relação ética e educação, Coelho e Santos fornece alguns aspectos a serem considerados:
A palavra ética, muito em voga no momento, é por sua etimologia grega, ethikos, que quer dizer hábitos e costumes, ou seja, a maneira de se comportar.
Toda essa herança cultural e comportamental é adquirida pela educação, seja ela escolar, familiar ou em qualquer relação estabelecida.
A educação é uma condução, um caminho, e envolve o ser humano em toda a sua amplitude, suas mais variadas dimensões: social, cultural, física, sexual, familiar, religiosa, política, da saúde à artística... e trabalhando todos estes aspectos haverá a formação de seres humanos dignos, íntegros, éticos, capazes de exercer sua cidadania.
Percebe-se então a relação existente entre os temas, fundamentalmente tendo a educação como mola mestra desse mecanismo que envolve a formação do caráter e valores éticos e do desenvolvimento pessoal da criança, expandindo sua percepção acerca das instituições responsáveis, família, escola e Estado, e a interseção com o “ser cidadão”. Passa-se agora a explanar sobre relevantes aspectos jurídicos envoltos na educação.
4. EDUCAÇÃO
Dentro do ordenamento social no qual nos inserimos, a educação vislumbra um horizonte amplo de possibilidades, de conceituações e de importância, quando encarada como o direito social que é, como ferramenta em prol do alcance do princípio maior da dignidade da pessoa humana, e conforme Silva.
[...] deve ser baseada em determinados princípios éticos e morais, que devem adaptar-se a um campo de reflexão individual e coletivo que permita elaborar, racionalmente e autonomamente, princípios gerais de valores que ajudem os indivíduos a encarar criticamente a realidade cotidiana e as normas sócio-morais vigentes, de modo a contribuir para idealizar formas mais justas e adequadas de convivência.
A Carta Magna brasileira de 1988, no seu artigo 205, estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, com vistas a desenvolver plenamente a pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e qualificando-a para o trabalho. Nesse mesmo sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 9.394 de 20/12/1996, trás em seu artigo 1º que: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
Em face do exposto, percebe-se a primazia da educação na formação do caráter, dos valores morais, do poder de crítica e da percepção da cidadania e, ainda, a relevância da função familiar e escolar nesse processo, quando se reduz o objeto de estudo à educação da criança, entendida de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13/07/1990 em seu artigo 2º, como sendo a pessoa até doze anos de idade incompletos.
Como direito assegurado especificamente à criança, o artigo 227 da Constituição Federal brasileira, diz que a educação é dever da família, da sociedade e do Estado, os quais devem assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito, dentre outros, à educação. Nessa linha, o já citado Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação infraconstitucional capaz de implementar a norma constitucional, versa em seu capítulo IV, artigos 53 a 59, sobre o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, reforçando a ideia, já vista, da importância da educação para o desenvolvimento digno da pessoa humana, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.
Em linhas mais pedagógicas, “o aluno é concebido como sujeito do processo interacional de ensino – aprendizagem, estabelecendo relações desafiadoras e significativas com o mundo a ser conhecido”. Piaget visa a educação como “a possibilidade da criança obter um desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório-motor até o operatório abstrato”. Dessa forma, surge a demanda, atualmente crescente, da necessidade da atuação do Psicólogo, em virtude da contribuição que este profissional fornece para a prática educativa; levando-se em conta o indivíduo em todos os aspectos (físicos, afetivos, sociais, cognitivos), visando também estabelecer estratégias de atividades coletivas, no âmbito escolar.
Conforme Bonin e Alcântara, “o psicólogo tem o papel de identificar e justificar a formação de qualquer sintoma, e também contribuir decisivamente na construção de condições favoráveis ao aprender.” E não só ao aprender, mas também atuando em conjunto com o profissional do Direito na busca de soluções, sobremaneiramente pacíficas, na ocasião de litígios que envolvam a criança e sua família, e que de certa forma reverberem no ambiente escolar, fornecendo embasamento para que o bem estar do menor seja resguardado de forma primordial.
5. QUANDO NEM TUDO FUNCIONA
Apesar de todos os esforços serem empreendidos na busca do desenvolvimento do “ser cidadão”, envolvido plenamente nos laços sociais, crítico e que conduz seu agir e viver de acordo com as regras, não só as jurídicas, mas com aquelas consonantes advindas da moral, há de se considerar que comportamentos humanos indesejáveis podem, e quase sempre isso é certo, surgir entre a clientela escolar. Esses comportamentos reprováveis podem ainda alcançar dimensões muito maiores em médio prazo, se não identificados e tratados desde sua gênese.
É na criança que se pode praticar, com máxima eficácia, a prevenção de tais comportamentos, visto serem estas, por sua própria natureza, mais suscetíveis à internalização de regras de conduta, que se bem aplicadas, tendem a ter seus efeitos perpetuados por toda vida. Para tal empresa, o educador e a família dispõem de diversas ferramentas e valorosa interdisciplinaridade, a exemplo da já citada atuação do profissional da Psicologia e, em tempo, daquela dos operadores do Direito, com vistas a tratar a dualidade dos direitos e dos deveres.
Ferreira brilhantemente, esclarece acerca do assunto:
Dos direitos, o aluno‑cidadão tem ciência. Agora, de seus deveres, do respeito ao conjunto mínimo de normas de relações interpessoais, nem sempre se mostra cioso. E aí surge a indisciplina, como uma negação da disciplina, do dever de cidadão. É desta forma que, indiretamente, o Estatuto e demais leis tratam da questão disciplinar, como uma afronta ao dever de cidadão. E um dos papéis da escola centra‑se nesta questão, ou seja, de contribuir para que o aluno‑cidadão tenha ciência de seus direitos e obrigações, sujeitando‑se às normas legais e regimentais, como parte de sua formação.
Dentro deste contexto, crianças e adolescentes devem ser encarados como ‘sujeitos de direitos e também de deveres, obrigações e proibições contidos no ordenamento jurídico’ e regimentos escolares. Quando não atenta para a observância de tais normas, pode cometer um ato infracional ou um ato indisciplinar.
Mais uma vez, atenta-se para a questão familiar, pois muitos comportamentos nocivos têm suas raízes fincadas na família, desde muito antes do ingresso da criança no sistema escolar. No entanto, superado esse momento de encontro com a escola, a criança depara-se com um universo até então nunca experimentado, pelo menos não em toda sua complexidade de relações e plenitude. E aqui, é atitude inocente imaginar que crianças são personificações de, comumente falando, “anjinhos”.
Cabe então, mais uma vez apoderando-se das palavras de Ferreira estabelecer um paralelo entre ato infracional e ato indisciplinar:
Quanto ao ato infracional, a definição é dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece:
Art. 103. Considera‑se ato infracional a conduta, descrita como crime ou contravenção penal.
Assim, toda infração prevista no Código Penal, na Lei de Contravenção Penal e Leis Penais esparsas (ex. lei de tóxico, porte de arma), quando praticado por uma criança ou adolescente, corresponde a um ato infracional. O ato infracional em obediência do princípio da legalidade, somente se verifica quando a conduta do infrator se enquadra em algum crime ou contravenção previsto na legislação em vigor.
Desta forma, a primeira conclusão que se pode chegar é que nem todo ato indisciplinar corresponde a um ato infracional. A conduta do aluno pode caracterizar a uma indisciplina, que não corresponda a uma infração prevista na legislação.
Agora, o conceito de indisciplina, é mais tormentoso. Extrai-se do Dicionário Aurélio, os seguintes conceitos de disciplina e indisciplina:
Disciplina:
· Regime de ordem imposta ou livremente consentida.
· Ordem que convém ao funcionamento regular duma organização (militar, escolar, etc.).
· Relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor.
· Observância de preceitos ou normas.
· Submissão a um regulamento.
Indisciplina:
· Procedimento, ato ou dito contrário à disciplina; desobediência; desordem; rebelião.
[...]
Numa síntese conceitual, a indisciplina escolar se apresenta como o descumprimento das normas fixadas pela escola e demais legislações aplicadas [...]. Ela se traduz num desrespeito, seja do colega, seja do professor, seja ainda da própria instituição escolar (depredação das instalações, por exemplo).
Ela se mostra perniciosa, posto que sem disciplina ‘há poucas chances de se levar a bom termo um processo de aprendizagem. E a disciplina em sala de aula pode equivaler a simples boa educação: possuir alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico’.
Pois bem, assegurando um arremate em sua ideia, Ferreira ainda diz que a depender das circunstâncias em que foi praticado um mesmo ato pode ser considerado como infracional ou de indisciplina. As variantes que definem um ou outro só poderiam ser avaliadas no caso concreto, sendo que para cada um, caberia um encaminhamento diferente. Sendo que, ainda, o ato infracional é identificado de forma clara na legislação, enquanto o ato indisciplinar deve ser regulamentado no regimento escolar, o qual tem papel relevante para a questão.
6. CONCLUSÃO
Diante do que foi apresentado, conclui-se que a Educação das crianças é uma etapa fundamental para o desenvolvimento pleno de futuros adultos, cidadãos no mais amplo alcance deste conceito, com poder de crítica aguçado e com condições justas de inserirem-se na sociedade. Percebeu-se que, para tal, a tríade formada entre Estado, família e sociedade é de fundamental importância neste processo, necessitando estarem, essas três instituições, harmonizadas entre si, visto que a falha de uma pode acarretar consequências danosas nos jovens, passíveis mesmo de evoluírem para comportamentos cuja responsabilização orbita na esfera penal. Desvendar os conceitos de cidadania e ética junto às crianças, abordando seus aspectos paulatinamente, desde o seio familiar e ao longo das séries iniciais, é uma tarefa crítica a ser praticada pelos pais e profissionais da educação; e mais, merece ser problematizada entre todos aqueles profissionais que de certa forma atuam no palco da relação estabelecida entre a educação e seus aspectos jurídicos, fomentando, assim, uma interdisciplinaridade sólida e proveitosa.