DESAPOSENTAÇÃO


13/07/2016 às 12h54
Por Daniel Xavier

O presente artigo tem por objetivo discutir a viabilidade do direito do segurado já aposentado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) de abrir mão de seu benefício para que possa obter outro mais vantajoso em decorrência de contribuições posteriores.

Assim, renunciando uma aposentadoria, já implementada, para o aproveitamento do respectivo tempo de contribuição posterior, na perspectiva de obtenção de uma nova e melhor aposentadoria.

A este instituto deu-se o nome de Desaposentação. Embora não apresente uma disciplina jurídica expressa e específica, é um tema que vem sido amplamente debatido nos livros de direito previdenciário, sendo desenvolvido pela Doutrina e Jurisprudência e deve ser compreendido à luz das disposições legais do sistema previdenciário como um todo.

A desaposentação é instituto ainda precoce no cenário jurídico. Isso porque em 1944 foi extinto o pecúlio, que consistia na devolução aos aposentados das contribuições feitas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) após a aposentadoria. Dessa forma, restou uma lacuna legislativa do aproveitamento das contribuições efetuadas pelos jubilados que não deixaram a atividade laboral.

A questão ganhou maior relevância quando a Lei 8.870/94 revogou o inciso II do art. 81 da Lei 8213/91 que afirmou serem devidos pecúlios aos segurados, aposentados:

II – ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar;

Com a revogação deste inciso, o pecúlio deixou de ser devido aos segurados aposentados por idade ou tempo de serviço que voltassem a exercer atividade que o filiassem obrigatoriamente à previdência social quando dela se afastasse, significando dizer que as contribuições por ele vertidas ao sistema após a aposentação não lhe retornariam mais em benefício algum.

A mesma lei que revogou o pagamento de pecúlio nos casos de aposentados com retorno à atividade, também determinou o fim do benefício de abono de permanência em serviço, previsto no Artigo 87 e parágrafo único da Lei de Benefícios. Tal abono consistia numa renda mensal de 25% do valor total da aposentadoria a que o segurado faria jus, se este, ao invés de se aposentar aos 35 anos de serviço se homem, 30 se mulher, optasse por prosseguir na atividade.

Assim, restou claro que a obrigatoriedade da contribuição do segurado que voltasse a exercer atividade laboral após a jubilação não lhe teria retorno algum

Diante disto, a possibilidade de aproveitamento dessas contribuições passou a ser cogitada com maior vivacidade chegando-se a conclusão de que seria possível o aproveitamento do tempo de contribuição posterior à aposentadoria em um novo benefício, caso o segurado renunciasse àquele anteriormente concedido, chegando-se então à figura da desaposentação.

POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

Primeiramente, deve-se ter em mente que o direito a desaposentação ainda não é reconhecida por via administrativa pelo INSS. Deste modo, a via judicial é o único meio que se vale o aposentado, para se conseguir a conquista a esse direito.

A começar pelo Supremo Tribunal Federal, a matéria chegou a seu conhecimento pelo controle difuso, reconhecida a repercussão geral do assunto, no Recurso Extraordinário nº 381.367[1]:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. § 2º do ART. 18 DA LEI 8.213/91. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO QUE FUNDAMENTOU A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ORIGINÁRIA. OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO RE 381.367, DA RELATORIA DO MINISTRO MARCO AURÉLIO. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo se serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para a obtenção de benefício mais vantajoso.

(RE 661256 RG, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, julgado em 17/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012 )

Ainda não há uma posição sobre o mérito da matéria, a análise do processo foi suspensa com o pedido de vista apresentado pela ministra Rosa Weber[2], quando dois ministros, Dias Toffoli e Teori Zavascki, haviam votado contra a possibilidade de o segurado obter uma segunda e melhor aposentadoria, enquanto os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello votaram a favor. Falta o voto de outros seis ministros.[3]

Julgamento sobre desaposentação é suspenso por novo pedido de vista

Pedido de vista apresentado pela ministra Rosa Weber suspendeu, nesta quarta-feira (29), o julgamento de recursos extraordinários (RE) que discutem a possibilidade de desaposentação de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Na sessão de hoje, votaram os ministros Dias Toffoli e Teori Zavascki, ambos entendendo que a legislação não assegura o direito ao recálculo do benefício com base nas contribuições dos aposentados que continuaram no mercado de trabalho.

O relator do RE 381367, ministro Marco Aurélio, votou pelo reconhecimento do direito dos aposentados autores do recurso, em setembro de 2010. Em seu entendimento, da mesma forma que o trabalhador aposentado que retorna à atividade tem o ônus de contribuir, a previdência social tem o dever de, em contrapartida, assegurar-lhe os benefícios próprios, levando em consideração as novas contribuições feitas.

Na sessão de 9 de outubro deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, relator dos REs 661256 (com repercussão geral) e RE 827833, considerou válida a desaposentação, sob o argumento de que a legislação é omissa em relação ao tema, não havendo qualquer proibição expressa a que um aposentado do RGPS que tenha continuado a trabalhar pleiteie novo benefício. Propôs ainda que, como não há norma legal sobre o assunto, a orientação passe a ser aplicada somente 180 dias após publicação do acórdão do Supremo, com o objetivo de possibilitar que os Poderes Legislativo e Executivo, se o desejarem, tenham a possibilidade de regulamentar a matéria.

No Superior Tribunal de Justiça vários recursos foram julgados nos últimos anos, contrariando a posição do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o STJ já vinha reconhecendo o direito à desaposentadoria. Em alguns julgamentos, houve divergência sobre a necessidade da restituição dos valores recebidos a titulo de primeira aposentadoria, mas a jurisprudência se firmou no sentido de que essa devolução não é necessária.

O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento firmado. Vejamos, in verbis:

“PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. 1. A renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, "pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos" (REsp 692.628/DF, Sexta Turma, Relator o Ministro Nilson Naves, DJU de 5.9.2005). Precedentes de ambas as Turmas componentes da Terceira Seção. 2. Recurso especial provido.” (RESP 200900646187; RESP - RECURSO ESPECIAL – 1113682; NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE DATA: 26/04/2010 RDDP VOL.:00089 PG:00152, maioria).

A diferença entre os julgamentos anteriores e este da Primeira Seção é que a decisão tomada no rito dos recursos repetitivos vai orientar os cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país na solução dos recursos que ficaram sobrestados à espera da posição do STJ.

Nesse sentido o STJ vem admitindo ser possível a renuncia aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, inexistindo fundamento legal por parte do INSS para o indeferimento por via administrativa, não importando ainda, em devolução dos valores recebidos a titulo de primeira aposentadoria

Já nos Tribunais Federais de todo o Brasil as ações que versem sobre a desaposentação, encontram-se sobrestadas devido ao reconhecimento da Repercussão Geral, aguardando até o julgamento final da controvérsia pelo STF.

Este é o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

DECISÃO: Trata-se de ação ordinária previdenciária ajuizada em face do INSS, objetivando a desaposentação, com a concessão de benefício mais vantajoso, mediante o aproveitamento das contribuições vertidas após a primeira aposentação, independentemente da restituição das quantias recebidas aquele título. Subiram os autos a esta Corte. A questão encontra-se sub judice no Supremo Tribunal Federal (RE 661256/DF, com relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso), julgamento esse submetido à sistemática de Repercussão Geral, cuja ementa transcrevo: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. § 2º DO ART. 18 DA LEI Nº 8213/91. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO QUE FUNDAMENTOU A PRESTAÇÃO PREVIDENCIÁRIA ORIGINÁRIA. OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. MATÉRIA EM DISCUSSÃO NO RE 381.367, DA RELATORIA DO MINISTRO MARCO AURÉLIO. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL DISCUTIDA. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva à possibilidade de renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo de serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária para obtenção de benefício mais vantajoso. Assim, no intento de racionalizar, neste momento processual, a promoção de atos judiciais passíveis de eventual retratação por esta instância, associada ao volume de demandas semelhantes afetadas pela repercussão geral, recomendável aguardar a definição constitucional do tema. ANTE O EXPOSTO, e com fundamento no art. 1º, § 1º, da Resolução nº 98, de 23/11/2010, desta Corte, que regula os procedimentos relativos à tramitação dos recursos cuja matéria foi submetida ao regime de repercussão geral (art. 543-B do CPC), determino o sobrestamento do feito até o julgamento final da controvérsia pelo STF. Intimem-se. (TRF4, AC 5093883-16.2014.404.7100, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 30/10/2015)

  • desaposentação
  • previdencia
  • aposentado
  • inss

Referências

[1] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28re+381367%29&base=baseRepercussao. ACESSO em: 08/07/2015

[2] http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/10/ministra-pede-vista-e-decisao-sobre-desaposentacao-e-novamente-adiada.html. ACESSO em: 08/07/2015

[3] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=276921. ACESSO em: 08/07/2015


Daniel Xavier

Advogado - Nova Iguaçu, RJ


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