Não é incomum soubermos de casos de mulheres que, grávidas, descobrem que o feto não sobreviverá fora do útero em razão de alguma má-formação ou doença pré-existente.
Diante disso, sem qualquer crença ou religião, muitas mulheres então decidem por interromper a gravidez, ou causar o polêmico aborto. É uma medida drástica, que muitas vezes põe fim a um sofrimento incalculável de mulheres que, sonhando com o nascimento de seu(sua) filho(a), é obrigada a ver a interrupção da gestação. Não é e nem nunca será uma decisão fácil, disso sabemos, mas é uma decisão que somente cabe às elas: as mulheres gestantes.
Pois bem. Tomada a decisão, vem o problema: a quem procurar?
Inúmeras mulheres, seja por falta de orientação, desespero ou falta de recursos, recorrem a remédios abortivos ou a clinicas clandestinas de abortos, causando graves prejuízos à sua própria saúde e gerando risco à sua própria vida, especialmente pela automedicação, que na maioria das vezes também é comprada de forma clandestina, e ingerida sem qualquer controle.
Todavia, mesmo que o feto encontre-se em situação de risco, o simples aborto é considerado crime no Brasil, previsto no art.124 do Código Penal, com pena de até 03 (três) anos de detenção:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Outrossim, o Código Penal também elenca a aludida proibição em seu art.126, culminando penalidade de até 4 (quatro) anos de reclusão, com causa de especial aumento de pena prevista no art.127 do mesmo diploma legal:
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Assim, para que o aborto seja permitido no Brasil, a um certo “caminho” a ser perquirido, vejamos.
Com efeito, a primeira medida a ser tomada pela gestante é a busca de um médico de sua confiança, a quem caberá atestar se o feto é ou não compatível com a vida extrauterina, e quais são os reais problemas que acometem o nascituro.
É importante ressaltar que o laudo médico deverá atestar de maneira clara que não haverá qualquer ou remota possibilidade de vida extrauterina ao feto, além de haver risco igual à saúde da gestante.
Ademais, há casos ainda que o profissional pode inclusive atestar que, na remota hipótese de o nascituro vira nascer, não haveria expectativa de mais de 1 (um) mês de vida, período em que nem dignamente viveria.
Note-se que, porém, não é o fato de o nascituro sobreviver 1 (um) mês, mas sim a gravidade do desenvolvimento do ser humano que, não raras as vezes, possui má-formação dos órgãos e membros, e seu nascimento apenas tornar-lhe-ia envolto em sofrimento, em razão de inúmeros medicamentos e maquinas que seriam necessários para mantê-lo vivo.
Com o(s) laudo(s) médico(s) em mãos, a segunda providencia a ser tomada é procurar um profissional que possa representar os interesses da interessada perante o Poder Judiciário pois, com isso, poderá obter um ALVARÁ, que outorgará o salvo-conduto à paciente e a equipe médica que atuar no procedimento de interrupção da gestação.
Portanto, os Tribunais, após a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF54/04, vem se posicionando positivamente para autorizar o aborto, em casos excepcionais, em que restar provada a impossibilidade ou remota hipótese de sobrevivência do feto na vida extrauterina ou, ainda, o risco à vida da gestante.
Nesse sentido colhe-se da jurisprudência Catarinense:
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. POSTULADA A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ EM VIRTUDE DE O FETO SER ACOMETIDO DA SÍNDROME DE EDWARDS E PATOLOGIAS CORRELATAS E EXISTIR RISCO DE VIDA E DE DANOS PSICOLÓGICOS À GESTANTE E A TODA A FAMÍLIA. DOENÇAS GENÉTICAS QUE, ASSOCIADAS, SÃO APTAS A AFERIR A INVIABILIDADE DE VIDA EXTRAUTERINA. LAUDOS PERICIAIS ATESTANDO PERSPECTIVA ÍNFIMA DE VIDA NA HIPÓTESE DE NASCIMENTO. EXEGESE DO ART. 5º, XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, C/C ART. 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO E ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANALOGIA AO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADPF 54/2004. RISCO DE VIDA À GESTANTE EVIDENCIADO PELOS ELEMENTOS DE PROVA ANGARIADOS AOS AUTOS. DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PACIENTE QUE PREVALECE SOBRE O FUTURO INFANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INTERRUPÇÃO QUE VISA EVITAR MAIORES DANOS PSICOLÓGICOS À GESTANTE E SOFRIMENTOS PARA TODA A FAMÍLIA. CONCESSÃO DA ORDEM. - A inviabilidade de vida extrauterina ou ínfima de sobrevida após o nascimento, atestada por minuciosos exames e laudos médicos, permite a interrupção da gravidez de feto portador da Síndrome de Edwards e anomalias correlatas, por força do princípio da analogia ao caso concreto apreciado pelo STF na ADPF 54/2004. - O risco de vida à gestante amolda-se ao disposto no art. 128, I, do Código Penal, de forma que é permitido o aberto terapêutico ou necessário sem que a conduta possa ser considerada formalmente típica. - Os futuros danos psicológicos à gestante e a toda a família na continuidade de uma gravidez infrutífera devem ser evitados quando for certificada a inviabilidade de vida do feto fora do útero e riscos de vida para a mãe. - Parecer da PGJ pela concessão da ordem. - Ordem conhecida e concedida. (TJSC, Habeas Corpus n. 0000017-37.2016.8.24.0000, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, Primeira Câmara Criminal, j. 02-02-2016).
Portanto, verifica-se que a interrupção da gravidez não é uma decisão fácil, e ainda assim também ela é e talvez sempre será polêmica, mas que merece ser esclarecida para que práticas ilegais e que coloquem em risco a gestante ou sua própria vida sejam impedidas.
Desta forma, evidencia-se a possibilidade da interrupção da gravidez, de maneira lícita, sem que esteja incorrendo em crime, mas desde que cumpridos todos os requisitos elencados e, após buscar no Poder Judiciário a chancela do Estado para a realização do procedimento médico.
Vanderlei Balsanelli
Advogado Especialista – OAB/SC 45.807
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