RESUMO
Preocupada com os direitos e garantias de todos dos presos, a Constituição da República do Brasil de 1988, advinda de uma época pós-ditadura, procurou apregoar uma série de dispositivos que assegurassem a reinserção e a recuperação dos mesmos na sociedade. Nesse sentido, o princípio da individualização da pena desponta como de grande destaque para o debate sobre o atual sistema carcerário brasileiro, sendo previsto no artigo °5, inciso XLVI do mesmo diploma constitucional. Tais direitos e garantias encontram-se apregoados também pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal, todavia, encontra limitação no tratamento dado pelos governantes à observância desses direitos mínimos, os quais demonstram a discrepância entre a lei e o que de fato acontece. Portanto, o presente artigo busca, através de uma pesquisa doutrinária, jurisprudencial e legislativa, sobretudo no âmbito constitucional e penal, aprofundar o debate e quiçá trazer possíveis soluções.
Palavras-chave: Direitos e Garantias; Constituição; Individualização da Pena; Código Penal; Lei de Execução Penal.
ABSTRACT
Concerned with the rights and guarantees of all the prisoners, the Constitution of the Republic of Brazil in 1988, arising from a post-dictatorship era, sought to preach a series of devices that would ensure the reintegration and recovery of the prisoners to the society. In this sense, the principle of individualization of punishment emerges as the highlight for the current debate about the Brazilian prison system, being provided in Article º5, XLVI, of the same constitutional document. Such rights and guarantees are also touted by the Penal Code and the Penal Execution Law, however, is limited in its treatment by rulers on observance of minimum rights, which demonstrate the discrepancy between the law and what actually happens. Therefore, this article seeks, through a doctrinal research, case law and legislation, particularly under constitutional and criminal law, further discussion and perhaps brings possible solutions.
Key words: Rights and Guarantees; Constitution; Individualization of Punishment; Criminal Code, Criminal Execution Law.
1. INTRODUÇÃO
Com o passar dos anos, o sistema punitivo veio sofrendo mudanças, no qual as penas desumanas, fundadas em um arbítrio judicial oriundo de um regime penal que não estabelecia limites para a sanção penal, foram cedendo lugar às chamadas penas humanitárias. Estas possuem o intuito de recuperar os presos para reinseri-los no convívio social.
Nesse sentido, os países democráticos passaram a abarcar, em suas constituições e em pactos internacionais, os direitos e garantias fundamentais de toda pessoa humana. Logo, com a Carta Magna do Brasil de 1988 não seria diferente.
A chamada “Constituição Cidadã” possui em seu teor diversas garantias e direitos que deveram ser seguidos por todo o ordenamento jurídico. Desse modo, o Código Penal e a Lei de Execução Penal trazem regras e princípios que devem estar em consonância com o texto constitucional.
Nesse diapasão, o presente artigo tem como objeto central de estudo a garantia e direito constitucional da individualização da pena, em especial, a privativa de liberdade, abordando seus três momentos distintos e trazendo a atuação de tal princípio no atual sistema penal brasileiro.
Assim, nosso objetivo é uma análise da individualização da pena através da de um estudo doutrinário, jurisprudencial e legislativo, tanto em âmbito constitucional, como também penal.
2. CONCEITO DE PRINCÍPIO
Antes de trazer um conceito para o termo princípio, faz-se necessário apontar um aspecto que a doutrina mais moderna traz, qual seja a separação das normas em regras e princípios. Como bem aponta Paulo Gustavo Gonet Branco, as regras e princípios são espécies de normas. Em suas palavras: “[...] tanto a regra como o princípio são vistos como espécies de normas, uma vez que ambos descrevem algo que deve ser. Ambos se valem de categorias deontológicas comuns às normas – o mandado, a permissão e a proibição”. (2012, p. 97).
Seguindo a premissa de que as regras e princípios são espécies de normas e que um ordenamento jurídico deve ter a ideia de unidade, conforme explica Norberto Bobbio, a doutrina vem se debruçando sobre a importante distinção entre princípios e regras. Estes ganhariam em um âmbito mais geral, enquanto que aqueles ganhariam em uma concretude operacional.
De forma mais rápida e direta poderíamos dizer que os princípios são, segundo o Vocábulo Jurídico de De Plácito e Silva: “expressão que designa a espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou ao preceito, que é a norma mais individualizada”. (2012, p.1092).
Nesse sentido, é comum o emprego de certos critérios para definir princípios, tais como: generalidade, concretude e proximidade com o direito. O primeiro nos fala que os princípios seriam normas com alto grau de abstração, ou seja, mais “aberto” que as regras. Já a concretude seria relacionada com o baixo grau de determinabilidade dos princípios, nos casos de aplicação da norma. Ainda relacionado com esse critério, podemos dizer que: “princípios corresponderiam às normas que carecem de mediações concretizadoras por parte do legislador, do juiz ou da Administração. Já as regras seriam as normas suscetíveis de aplicação imediata”. (BRANCO, 2012, p. 97).
O último critério ainda nos fala da proximidade da ideia de direito com os princípios, no qual estes seriam padrões para atingirem-se os objetivos axiológicos do direito.
Importante distinção faz o jurista Celso Bastos, quando aduz:
Em síntese, pois, os princípios são de maior nível de abstração que as meras regras e, nestas condições, não podem ser diretamente aplicados. Mas, no que eles perdem em termos de concreção ganham no sentido de abrangência, na medida em que, em razão daquela sua força irradiante, permeiam todo o texto constitucional, emprestando-lhe significação única, traçando os rumos, os vetores, em função dos quais as demais normas devem ser entendidas. (2002, p. 208)
Nesse diapasão, Robert Alexy nos mostra que princípios são normas que, ao ordenarem que algo seja realizado, vai depender do tratamento com outros princípios e regras, e ainda da realidade em questão[1]. Assim, os princípios podem ser cumpridos de forma parcial ou total, enquanto que as regras podem ou não serem cumpridas.
Por tudo isso, as constituições atuais procuram ser compostas por regras e princípios. Tal fato acontece, pois, se fossem feitas apenas de regras, incorreria em uma limitação de sua funcionalidade gerada pelo impacto encontrado com o avanço da ordem social. E se fossem apenas de princípios, consagrando um sistema aberto, seria afetado por falta de segurança jurídica. Logo, tanto regras quanto princípios, são interdependentes e se interagem no universo jurídico.
Portanto, como explica José Afonso da Silva, os princípios são “ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens”. (2012, p.92)
3. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA EM ÂMBITO CONSTITUCIONAL E PENAL
A partir do Iluminismo, o Direito Penal, na esmagadora maioria dos países democráticos, abarcou um caráter menos cruel do que ocorria no Estado Absolutista. Muitos princípios foram incorporados para trazer uma ideia de igualdade e liberdade, limitando a intervenção estatal. Com o passar dos anos, tais princípios receberam um caráter constitucional, no qual Cezar Roberto Bitencourt aponta como “Princípios Fundamentais de Direito Penal de um Estado Social e Democrático de Direito”. (2012, p. 46).
O texto constitucional da República do Brasil de 1988, já traz uma série de princípios garantidores dos direitos dos cidadãos perante o poder punitivo estatal. O próprio preâmbulo, o qual reflete posição ideológica, filosófica e política, já estabelece valores supremos a serem seguidos, como: a liberdade, igualdade e justiça. Tais valores são também, por consequência, orientadoras de interpretações sobre matéria penal em normas infraconstitucionais.
Nesse sentido, o artigo 5° da nossa Carta Magna traz princípios constitucionais específicos do âmbito penal, o qual, seguindo a teoria da pirâmide kelseniana adotada pelo ordenamento brasileiro, dá orientações ao legislador infraconstitucional “para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista”. (BITENCOURT, 2012, p. 47).
Atendendo aos valores e posições ora mencionados e adotados pelo constituinte, o inciso XLVI, do supramencionado artigo, trata sobre a chamada individualização da pena, o qual assim preconiza:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
Antes de qualquer coisa, deve-se atentar para um breve conceito de pena, o qual consiste em atribuir uma consequência imposta pelo Estado, fazendo valer seu ius puniendi, quando alguém comete um fato típico, ilícito e culpável. Assim, quando o agente pratica uma infração penal, o Estado tem o dever/poder de aplicar uma sanção legal tendo por base os princípios constitucionais implícitos ou expressos, como, por exemplo, o inciso XLVII do art. 5°, ipsis litteris: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”.
Desse modo, a chamada individualização da pena consiste em mensurar a pena ao caso concreto, tendo em vista que cada indivíduo possui um histórico pessoal, o qual deve receber a punição que lhe é devida. Nelson Hungria, citado por Luiz Luisi, esclarece o que deve ser entendido pelo princípio da individualização da pena: “Retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso”. (1991, p. 37). Em suma, tal princípio reflete o pensamento de que a pena deve ser proporcional à lesão ao bem jurídico tutelado e a medida de segurança à periculosidade do agente.
O processo de individualização da pena ocorre em três etapas complementares: o legislativo, o judicial e o executório ou administrativo.
Mediante uma hermenêutica constitucional, percebe-se que o primeiro momento é o legislativo, pois é aqui que o legislador vai selecionar as condutas, positivas ou negativas, que “atacam os bens mais importantes”. (GRECO, 2012, p.69). Nessa fase, o legislador, através de um critério político-criminal, irá atribuir a cada tipo penal uma ou mais penais que devem ser proporcionais ao bem jurídico protegido e a gravidade da ofensa, individualizando, assim, as penas de cada infração penal. O doutrinador Rogério Greco assim exemplifica:
A proteção à vida, por exemplo, deve ser feita com uma ameaça de pena mais severa do que aquela prevista para resguardar o patrimônio; um delito praticado a título de dolo terá sua pena maior do que aquele praticado culposamente; um crime consumado deve ser punido mais rigorosamente do que o tentado etc. A esta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato, chamamos de cominação. (2012, p.69)
Já na individualização judiciária, após o julgador analisar a teoria analítica do crime, constatando que o crime é típico, ilícito e culpável, passará a individualizar a pena correspondente. Assim, o juiz elabora a sentença que concretiza a individualização legislativa que cominou abstratamente as sanções penais.
Nesse momento, o juiz, orientado inicialmente pelo artigo 59 do Código Penal, irá presidir as regras básicas da individualização da pena para reprovar e prevenir o crime. O juiz estabelecerá as penas aplicáveis dentre as cominadas; sua quantidade, dentro dos limites previstos; o regime de execução; e uma possível substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena. O caput do mencionado artigo ainda nos fala que o juiz deve estabelecer a pena atendendo “à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima”.
Dissertando sobre o assunto, Frederico Marques assim aduz:
“a sentença é, por si, a individualização concreta do comando emergente da norma legal. Necessário é, por isso, que esse trabalho de aplicação da lei se efetue com sabedoria e justiça, o que só se consegue armando o juiz de poderes discricionários na graduação e escolha das sanções penais. Trata-se de um arbitrium regulatum, como diz Bellavista, consistente na faculdade a ele expressamente concedida, sob a observância de determinados critérios, de estabelecer a quantidade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o máximo legal para individualizar as sanções cabíveis”. (1999, p.297) (Grifos nosso)
Destarte, nota-se que ao julgador foram atribuídas etapas, dotadas de critérios subjetivos, a serem obrigatoriamente seguidos para a devida proporção entre a pena e o mal produzido, pois no fim do caput do artigo 59 o legislador estabelece que a pena será “necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime”. Logo, as circunstâncias judiciais (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, circunstâncias do crime, consequências e comportamento da vítima), não definidas pelo legislador, estão a cargo do julgador, que terá a função de identificá-los nos autos e mensurá-los concretamente.
Percebe-se que o referido artigo possui uma ampla gama de discricionariedade, o qual é motivo de grande polêmica. Nesse sentido é o posicionamento de Luiz Vicente Cernicchiaro, o qual afirma que “é da própria natureza da individualização o poder discricionário do juiz, no momento da fixação ao caso concreto”. (1991, p.132.)
Alguns autores, como mostra Luiz Luisi, entendem que o artigo 59 do Código Penal contem elementos apenas exemplificativos, tendo o Código Penal italiano também feito o mesmo em seu artigo 133, o qual fixa regras dentre as quais o juiz deve exercer o poder discricionário. Outros autores, contudo, entendem que tal dispositivo trata de um elenco taxativo, “chegando mesmo a sustentar a omnicompreensividade”. (LUISI, 1991, p. 38). Existem ainda alguns poucos autores que, em posição totalmente contrária, sustentam que no dia a dia os juízes usam de forma abusiva a discricionariedade.
Seguindo a visão de Luiz Luisi, entendemos que ao juiz encontra-se uma “discricionariedade vinculada”, pois a legislação estabelece parâmetros a serem seguidos. Mesmo que estejam presentes, em sua decisão, um coeficiente criador em que, possivelmente, transpareça aspectos de sua personalidade, o juiz “pode fazer as suas opções, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, atendendo as exigências da espécie concreta, isto é, as suas singularidades, as suas nuanças objetivas e principalmente a pessoa a que a sanção se destina”. (LUISI, 1991, p. 38).
Todavia, deve-se atentar ao fato de que, ao analisar e valorar as circunstâncias judiciais para fixação da pena-base, o juiz deve fazê-lo de forma individualizada, pois, se o fizer de forma genérica, poderá ter seu ato decisório maculado. Tal atitude irá deixar, tanto o réu quanto o Parquet, cientes dos reais motivos que levaram o julgador a fixar a pena-base em certa quantidade. Como bem aponta Rogério Greco, o réu, principalmente, deve saber o porquê de ter o juiz fixado a pena-base acima do mínimo, pois esta será, possivelmente, “objeto de ataque quando de seu recurso”. (2012, p.556).
Nesse sentido é a posição do Supremo Tribunal Federal:
Traduz situação de injusto constrangimento o comportamento processual do Magistrado ou Tribunal que, ao fixar a pena-base do sentenciado, adstringe-se a meras referências genéricas pertinentes às circunstâncias abstratamente elencadas no art. 59 do Código Penal. O juízo sentenciante, ao estipular a pena-base e ao impor a condenação final, deve referir-se, de modo específico, aos elementos concretizadores das circunstâncias judiciais fixadas naquele preceito normativo[2].
Não responde à exigência de fundamentação de individualização da pena-base e da determinação do regime inicial de execução de pena a simples menção aos critérios enumerados em abstrato pelo art. 59 do CP, quando a sentença não permite identificar os dados objetivos e subjetivos a que eles se enquadrariam, no fato concreto, em desfavor do condenado. [3]
Desse mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que:
“O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime. In casu, os argumentos judiciais tecidos ao fixar o quantum da reprimenda são insuficientes para amparar a exasperação na fixação da pena-base, acarretando, pois, flagrante desproporcionalidade entre a sua fixação e as circunstâncias apresentadas, ferindo, pois, o princípio da individualização da pena” [4].
Em outro julgado, o STJ manteve o mesmo posicionamento, quando aduz:
As circunstâncias judiciais devem ser sopesadas com base em fatores concretos contidos nos autos da ação penal, sendo necessária a fundamentação de todas elas, em atenção ao princípio da individualização das penas e da necessidade de motivação das decisões judiciais, sendo defeso ao Magistrado apenas apontá-las como desfavoráveis ao condenado. [5]
Portanto, a pena deve ser proporcional ao delito. Necessita de mensuração. Como bem aponta Cernicchiaro “Sem a proporcionalidade impede-se realizar a justiça material”. (1991, p.133).
Depois de fixar a pena-base, o juiz irá, ex vi do artigo 68 do estatuto repressivo, observar as circunstâncias agravantes e atenuantes e, por último, as causas de diminuição e aumento da pena. Essas últimas etapas possuem critérios mais objetivos para sua concretude.
Deve-se ressaltar aqui, mesmo que de maneira breve, a discussão que se prolonga entre os penalistas sobre a possibilidade ou não de diminuição da pena-base, aquém do mínimo, ou aumentá-la, além do máximo, no segundo momento de fixação da pena. Seguindo aqui a súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, entendemos não ser possível uma modificação da pena-base pela atenuante ou agravante, para aquém do mínimo ou além dos limites estabelecidos pelo tipo penal infringido, pois se estaria infringindo a individualização da pena legislativa que, como fora exposto, é de competência de outro poder.
Assim, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ensina o caminha a ser seguido para a dosimetria da pena:
O caminho para a dosimetria da pena, no nosso sistema, encontra-se delineado no art. 68 do Código Penal, através do método trifásico criado por Nelson Hungria. Primeiro, se fixa à pena-base, com a análise dos vetores do art. 59 do Código Penal. Segundo, se estabelece a pena provisória, a partir do cálculo das circunstâncias agravantes e atenuantes. Por fim, como se calcula a pena definitiva a partir das causas de aumento e de diminuição, sempre optando, como diz a lei, pela que mais aumente ou diminua a pena. Aplicação do redutor da Lei de Tóxicos. Descabimento. Trata-se de um benefício aplicável apenas em relação às drogas, não podendo ser utilizado genericamente.[6]
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça assim preleciona:
“Ao individualizar a pena, o juiz sentenciante deverá obedecer e sopesar os critérios do art. 59, as circunstâncias agravantes e atenuantes e, por fim, as causas de aumento e diminuição de pena, para ao final impor ao condenado, de forma justa e fundamentada, a quantidade de pena que o fato está a merecer”.[7]
Após a individualização judiciária, vai-se concretizar a sanção penal com a efetiva execução. Sobre o tema, Aníbal Bruno, citado por Luiz Luisi, diz que é nesse momento que a sanção penal “começa verdadeiramente a atuar sobre o delinquente, que se mostrou insensível a ameaça contida na cominação”. (1991, p.39).
Portanto, depois do trânsito em julgado da condenação, vai ocorrer a execução penal, no qual o artigo 5° da Lei de Execução Penal assevera: “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.
Todavia, além do princípio da individualização da pena, outros princípios, expressos no artigo 5° da nossa Carta Magna de 1988, merecem destaque no momento da execução da pena, tais como: o inciso XLIX que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral; inciso XLVIII que dispõe que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; inciso XLIX que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral; e no inciso L se garante às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
Júlio Fabbrini Mirabete, discorrendo sobre o assunto, nos fala que:
Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos – justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes – e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais dúvida de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só assim se podendo falar em verdadeira individualização no momento executivo. Individualizar a pena, na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessários para lograr sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto. A individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um. (MIRABETE apud GRECO, 2012, p. 70-71).
4. IMPLICAÇÕES DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Por todo o exposto, percebe-se que o leque de garantias existe, entretanto, será que tais garantias são respeitadas? A seguir, buscamos debruçar-nos em algumas formas de violação do princípio central do estudo. Analisaremos, mesmo que de forma breve, a Lei 8.072/90 e o momento de cumprimento da pena.
4.1. LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
Em 1990 a Lei n° 8.072, chamada de Lei dos Crimes Hediondos, entrou em vigor e com ela a enorme discussão sobre a constitucionalidade ou não do §1º do art. 2° do aludido diploma legal. Para uma parte da doutrina, tal dispositivo iria de encontro com o princípio constitucional da individualização da pena, pois impunha o cumprimento da pena apenas em regime fechado e impossibilitando a progressão, quando houvesse crimes que ela definia como: a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo.
Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal brasileiro discordou do entendimento da supracitada doutrina, alegando que a inconstitucionalidade não se caracterizava. Em manifestação de seu Plenário, assim foi o entendimento da aludida Corte:
À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional[8].
Discordando de tal decisão, o ministro do STJ Vicente Cernicchiaro assim se posicionou na época:
A Constituição da República consagra o Princípio da Individualização da Pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, a legislação ordinária impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único, inflexível. [9]
De maneira bastante acertada, no ano de 2006, a Suprema Corte brasileira julgou o HC 82959/SP modificando o seu entendimento e declarando a inconstitucionalidade do §1° do artigo 2° da Lei n° 8.072/90, no que tange a impossibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena. Tendo como relator o Min. Marco Aurélio, o STF mudou seu pensamento:
PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2°, § 1°, DA LEI N° 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE- EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do art. 2, §1°, da Lei n° 8.072/90[10].
Em março de 2007 houve o advento da Lei n° 11.464 de março de 2007 que modificou a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), dizendo que as pena para os crimes hediondos e afins seria cumprida, sempre, inicialmente, em regime fechado, podendo ter a progressão do regime após cumprimento de 2/5 da pena, se o réu for primário, e de 3/5, se reincidente.
Entretanto, esse caráter obrigatório do regime inicial ser sempre o fechado é uma afronta expressa ao princípio da individualização da pena, disposto no inciso XLVI do artigo 5°, como também do artigo 59 do Código Penal brasileiro, o qual apregoa que o juiz deve prescrever o regime inicial de cumprimento da pena.
Chamado para resolver a questão no Habeas Corpus 111840, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão extraordinária realizada junho de 2012, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do parágrafo 1° do artigo 2° da da Lei dos Crimes Hediondos, com redação dada pela Lei 11.464/07. N caso em questão, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo pleiteava a concessão do habeas corpus para que um condenado em seis anos por tráfico de drogas cumprisse a pena, inicialmente, em regime semiaberto.
Assim, observando os direitos de todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, parece-nos deveras acertada a decisão dessa Superior Corte, pois, como bem mostra o artigo 59 do nosso estatuto repressivo, a pena tem como finalidade a prevenção e reprovação do crime. Ademais, o Direito Penal deve-se atentar, ainda, para o princípio da humanidade, o qual obriga o Estado, na intervenção penal, a aplicar penas que, respeitando a pessoa humana, atendam e promovam a sua ressocialização.
4.1. CUMPRIMENTO DA PENA
Depois de concluir que o fato praticado pelo agente é típico, ilícito e culpável, o julgador passará a fase de aplicação da pena. Assim, atendendo ao critério trifásico do art. 68 do Código Penal, o juiz irá observar os critérios do artigo 59 (do mesmo diploma repressivo), as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de aumento e diminuição. O mesmo artigo 59, no inciso III, mostra que o juiz irá definir o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, que poderá ser fechado, semiaberto ou aberto.
Segundo disposto no art. 33, § 1°, considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; e regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
Já no parágrafo 2°, o legislador mostra que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas de forma progressiva, segundo o mérito do condenado, e determina os critérios para escolha do regime inicial, ipsis litteris: “o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Destarte, percebe-se que o legislador tratou de taxar o cumprimento inicial da pena demarcando o período da condenação, todavia, deve-se atentar para o critério da individualização da pena tão defendido aqui. Assim, o julgador deve conjugar a quantidade de pena aplicada com uma análise das circunstâncias judiciais, como já fora exposto, para uma prevenção e reprovação do crime.
Nesse sentido são os ensinamentos de Rogério Greco, quando aduz:
Suponhamos que o agente tenha sido condenado ao cumprimento de uma pena de seis anos de reclusão. Se analisássemos somente as alíneas do §2° do art. 33 do Código Penal, teríamos de concluir que, não sendo reincidente, o seu regime inicial seria o semiaberto. Contudo, além da quantidade da pena aplicada e a primariedade, é preciso saber se as condições judiciais elencadas pelo art. 59 do Código Penal permitem que a pena seja cumprida sob essa modalidade de regime. (2012, p. 483).
Pelo exposto, e tendo em vista o atual sistema penitenciário brasileiro, indaga-se: O que acontece quando o condenado, por conta da ineficiência do aparelho estatal, não tem possibilidade de cumprir a pena no regime definido na sentença? Deverá o condenado, por desídia do Estado, cumprir sua pena em regime mais rigoroso do que aquele que lhe fora imposto pela sentença?
No presente estudo, entendemos que uma pessoa não pode cumprir a pena em regime mais gravoso do que a que foi condenada, por pura negligência do Estado. É inadmissível que alguém seja condenado ao regime semiaberto e, em razão da inexistência de vaga nesse regime, tenha que cumprir a pena em regime fechado. Do mesmo modo, alguém que permaneça em qualquer desses dois regimes, ante a ausência de estabelecimento para cumprir o regime aberto.
Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça tem decido ser constrangimento ilegal o condenado que cumpra pena em regime mais gravoso do que lhe fora imposto, in verbis:
Encontrando-se o condenado cumprindo pena em regime mais gravoso do que lhe fora imposto, em razão de inexistência de vaga em estabelecimento penal adequado ou inexistência deste, cabível a imposição de regime mais brando, em razão de evidente constrangimento ilegal.
É dever do Poder Público promover a efetividade da resposta penal, na dupla perspectiva da prevenção geral e especial; entretanto, não se podem exceder os limites impostos ao cumprimento da condenação, sob pena de desvio da finalidade da pretensão executória.[11].
Nesse sentido, motivado pelo Recurso Extraordinário 641320, o Supremo Tribunal Federal, sob a condução do Min. Gilmar Mendes, abriu para discussões o problema sobre a falta de vagas no sistema semiaberto, no qual o preso passa o dia fora, estudando ou trabalhando, e é recolhido para o pernoite.
No processo, o Ministério Público do Rio Grande do Sul discorda da decisão do Tribunal de Justiça do estado, pois este concedeu prisão domiciliar a um condenado porque não havia vaga em estabelecimento para que cumprisse pena em regime semiaberto.
Tendo a matéria repercussão geral reconhecida, o Min. Gilmar Mendes, em audiência pública realizada no primeiro semestre de 2013, disse: “A falta de vagas nos presídios é de responsabilidade do Poder Público. Hoje temos em torno de 540 mil presos para um número de vagas que não ultrapassa os 300 mil, logo estamos com uma notória superlotação”.[12]. O representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Fernando Santana Rocha, expondo seu parecer na Audiência Pública, afirmou que a individualização da pena não está ligada apenas a uma quantificação da mesma, mas também ao regime ao qual irá se iniciar o cumprimento e ao tipo de estabelecimento que consta na sentença.
Portanto, entendemos não ser cabível um condenado cumprir pena em regime superior ao determinado em sua sentença, pois correria o risco de se cair em inconstitucionalidade. Tal ocorreria não só por conta do artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição da República do Brasil de 1988, mas também pelo inciso XLVIII do mesmo diploma legal que estabelece que a pena seja cumprida “em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. Além disso, a própria Lei de Execução Penal, em seu art. 185, prevê que “haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares”.
Nesse diapasão, vale salientar interessante discussão sobre a possibilidade ou não do condenado cumprir pena em sistema domiciliar quando não o puder em regime aberto. A Lei de Execução Penal restringiu o benefício para cumprimento da pena em domicílio, segundo disposto no art. 117, para: condenado maior de 70 (setenta) anos; condenado acometido de doença grave; condenado com filho menor ou deficiente físico ou mental; e condenada gestante.
Assim, “proibiu a praxe pouco recomendada de alguns magistrados que concediam a prisão domiciliar sob o argumento de que ‘inexistia casa de albergado’, com irreparáveis prejuízos para a defesa social e que em muito contribuíam para o desprestígio da Justiça Penal”. (BITENCOURT, 2012, p. 654). Nesse sentido, a Exposição de Motivos do Código Penal, tratou de diferenciar a prisão-albergue com a prisão domiciliar, afirmando que não é admissível a execução da pena em residência particular, salvo nas hipóteses acima arroladas.
Entretanto, o desprestígio da Justiça Penal está em obrigar que alguém cumpra sua pena de forma mais grave do que fora exposto em sua condenação, violando, assim, a Justiça Penal.
Como bem aponta Cezar Roberto Bitencourt: “Significa dizer, em outros termos, que a natureza do regime não transmuda para outro menos grave, pela ausência de vaga no regime legal a que tinha direito, mas, tão somente, que, por exceção, ficará em regime mais liberal, enquanto a vaga não existir, como têm decidido, acertadamente, nossas duas Cortes Superiores”. (2012, p. 655).
5. CONCLUSÃO
No decorrer da pesquisa, constatou-se que necessitamos modificar a política criminal no país, pois o descaso com que, sobretudo, o Estado trata os condenados a pena de privação da liberdade é algo degradante e desumano. Digo “sobretudo”, porque os próprios cidadãos, que não possuem nenhum parente que esteja no presídio, não se importam com os direitos daqueles que agonizam em um sistema carcerário sem nenhuma condição de sobrevivência.
Antes de qualquer possibilidade de mudança pelos nossos Governantes, o qual também são cidadãos, é necessária uma mudança cultural, no qual um modelo penal baseado na extrema ratio deve dar lugar a um Direito Penal da efetiva ressocialização do condenado. Para, assim, podermos efetivar a chamada teoria mista ou unificadora da pena, no qual se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção.
Além disso, deve-se atentar ao fato de que a crescente criminalidade está atrelada a fatores de ordem econômica e social, pois quase a totalidade de presidiários advém de famílias com baixa renda e sem nenhum tipo de formação.
Percebe-se uma desproporção entre o que é legal e o que é real. Logo, o descumprimento do princípio da individualização da pena nos remete a uma impossibilidade de real reinserção do preso na sociedade, pois o mesmo não possui a oportunidade de voltar ao convívio em liberdade por não ter a oportunidade da progressão do regime assegurada pela lei.
Assim sendo, vivemos com um sistema penitenciário falido e desestruturado, tendo presos de alta periculosidade convivendo com outros de menor proporção, ou seja, sem nenhum tipo de individualização.
Logo, enquanto o pensamento discriminatório da sociedade não mudar e os mesmos não se conscientizarem para eleger os representantes que de fato estejam mais bem preparados, que busquem a Supremacia do Interesse Público e que não defendam seus anseios pessoais, então a problemática que aqui fora discutida continuará a ocorrer.
[1] Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 86.
[2] STF, HC 68.751, Rel. Sepúlveda Pertence, DJU 1°/11/1991, p. 15.569.
[3] STF, HC 68.751, Rel. Sepúlveda Pertence, DJU 1°/11/1991, p. 15.569.
[4] STJ, HC 46.395/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 27-9-2007.
[5] STJ, HC 82.928/MS, Rel. Jane Silva, j. 13-9-2007.
[6] TJRS, Apelação 70021556410, Rel. Mário Rocha Lopes Filho, j. 5-12-2007.
[7] STJ, HC 48122/SP; HC 2005/ 0156373-8, Rel. Min. Laurita Vaz, 5º T., DJ 12/6/2006, p.511.
[8] STF – Plenário – Rel. Min Paulo Brossard, DJU de 23/4/1993, p. 6.922.
[9] STJ – 6° T. – Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 7/6/1993, p. 11.276.
[10] STF – Plenário – Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1/9/2006, p. 510.
[11] STJ, HC 97940/ RS, HC 2007/0310464-6, Rel. Min. Laurita Vaz, 5° T., DJ 8/9/2008.
[12] Página virtual do STF. Acesso em 24 de outubro de 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=239455>