Após a modificação do teor do artigo 157 do CPP, a doutrina e jurisprudência abraçaram a teoria dos frutos da árvore envenenada trazendo limites a ela através do Direito norte-americano como forma de se deduzir se uma prova é ou não decorrente da obtida ilicitamente, procurando encontrar a existência de nexo causal entre uma e outra.
As provas ilícitas por derivação, apesar de serem lícitas em sua forma, apresentam ilicitude por derivação, ou seja, se originaram de uma prova obtida através de um meio ilícito.
Previstas no CPP, as provas derivadas das ilícitas possuem o mesmo tratamento das originalmente ilícitas e deverão ser desentranhadas do processo.
Ada Pellegrini Grinover [1] (2009, p. 128) exemplifica:
É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido. Ou o caso da interceptação telefônica clandestina, por intermédio da qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato que, em depoimento regularmente prestado, incrimina o acusado.
Surgida através da jurisprudência americana, a teoria dos frutos da árvore envenenada explana perfeitamente as provas ilícitas por derivação sendo a lógica da aplicação das provas ilícitas por derivação.
Como é possível observar, Eugênio Pacelli [2] (2015, p. 363) entende que:
Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para a obtenção de novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das provas obtidas por meio das informações extraídas pela via da ilicitude, para que se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude pro derivação é uma imposição da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas licitamente.
Todavia, é necessário saber que existem teorias que atenuam as provas ilícitas por derivação. Sabe-se que muitas destas teorias vieram do Direito Norte-americano, como a teoria da Fonte Independente, como podemos verificar adiante.
1. Teoria da Fonte Independente
Originada na década de 60, nos Estados Unidos, no caso Bynum, a teoria da fonte independente tem em seu interior que, caso sejam obtidas pelo órgão persecutório novas informações relativas ao ônus probatório por uma fonte autônoma de forma legítima, e que não tenha nenhum vínculo com a prova originalmente ilícita quer dizer que o instrumento probatório é perfeitamente admissível.
A teoria da fonte independente preceitua que caso existam duas fontes em que podem ser colhidas as provas e uma for lícita e a outra ilícita, se reconhecerá a admissibilidade da prova e não existirá contaminação da prova decorrente.
Acerca da teoria da fonte independente, disciplina Eugênio Pacelli (2015, p. 364):
Já a teoria da fonte independente baseia-se precisamente na ausência fática de relação de causalidade ou de dependência lógica ou temporal (produção de prova posteriormente à ilícita). Fonte de prova independente é apenas isso: prova não relacionada com os fatos que geraram a produção da prova contaminada. Nada mais.
Um exemplo a ser citado é o da ação penal 470/MG em que o Procurador Geral da República mandou quebrar o sigilo bancário dos investigados mesmo não possuindo legitimidade, ocorre que a CPI também mandou quebrar o sigilo dos mesmos investigados, não obstante a prova se ilícita por incompetência do Procurador, a CPI possui essa competência.
Como é possível observar em um julgamento do STF [3] acerca da Teoria da fonte independente:
SÉTIMA PRELIMINAR. DADOS DE EMPRÉSTIMO FORNECIDOS PELO BANCO CENTRAL. PEDIDO DIRETO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. REQUISIÇÃO FEITA PELA CPMI DOS CORREIOS. POSTERIOR AUTORIZAÇÃO DE COMPARTILHAMENTO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INSTRUÇÃO DO INQUÉRITO. LEGALIDADE. Não procede a alegação feita pelo 5º acusado de que os dados relativos aos supostos empréstimos bancários contraídos com as duas instituições financeiras envolvidas teriam sido colhidos de modo ilegal, pois o Banco Central teria atendido diretamente a pedido do Procurador-Geral da República sem que houvesse autorização judicial. Tais dados constam de relatórios de fiscalização do Banco Central, que foram requisitados pela CPMI dos Correios. No âmbito deste Inquérito, o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou o "compartilhamento de todas as informações bancárias já obtidas pela CPMI dos Correios" para análise em conjunto com os dados constantes destes autos. Por último, o próprio Relator do Inquérito, em decisão datada de 30 de agosto de 2005, decretou o afastamento do sigilo bancário, desde janeiro de 1998, de todas as contas mantidas pelo 5º acusado e "demais pessoas físicas e jurídicas que com ele cooperam, ou por ele são controladas. Preliminar rejeitada.
(STF – Inq: 2245 MG, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 27/08/2007, Tribunal Pleno, Data da Publicação: Dje- 139 DIVULG 08-11-2007 PUBLIC 09-11-2007 DJ 09-11-2007 PP-00038 EMENT Vol-02298-01 PP-00001)
Além da teoria da fonte independente, existem duas que foram sedimentadas pela Suprema corte norte-americana, quais sejam a teoria da descoberta inevitável e do nexo causal atenuado. Em qualquer um dos casos, adotam que entre a prova ilícita e a derivada existe uma conexão bastante tênue ou nem chega a existir.
2. Teoria da Descoberta inevitável
A teoria da descoberta inevitável que surgiu no caso Nix v. Williams em 1984 nos Estados Unidos em que um acusado teria assassinado uma criança e escondido o seu corpo, onde posteriormente, iniciadas as buscas por cerca de 200 voluntários, inclusive por municípios contíguos os quais foram divididos por áreas de buscas. No decorrer das buscas, o acusado realizou uma confissão, a qual foi obtida de forma ilegal, especificando a localização do corpo, sendo interrompidas as buscas que estavam próximas de localizarem o corpo. A corte americana considerou que a prova obtida era ilícita, porém a apreensão do corpo era legal, pois a descoberta era inevitável.
O entendimento exposto no caso acima é de que não existe contaminação da prova derivada, pois seria descoberta de forma inevitável, sendo lícita ou não. Neste caso, não seria necessário um meio legítimo para a busca do corpo, pois seria inevitavelmente encontrado mesmo sem a confissão ilícita.
Acerca da Teoria da descoberta inevitável, o Supremo Tribunal Federal [4] já dispôs a respeito, no HC: 91867 PA sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes:
HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. A denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias. Pretensas omissões nomes completos de outras vítimas, relacionadas a fatos que não constituem objeto da imputação - não importam em prejuízo à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º,XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art.157 do CPP, em especial o seu § 2º. 3. Ilicitude da prova das interceptações telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que essas gravações ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que garante o sigilo dessas conversas. 3.1 Nos termos do art.7º, II, da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia garante ao advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. 3.2 Na hipótese, o magistrado de primeiro grau, por reputar necessária a realização da prova, determinou, de forma fundamentada, a interceptação telefônica direcionada às pessoas investigadas, não tendo, em momento algum, ordenado a devassa das linhas telefônicas dos advogados dos pacientes. Mitigação que pode, eventualmente, burlar a proteção jurídica. 3.3 Sucede que, no curso da execução da medida, os diálogos travados entre o paciente e o advogado do corréu acabaram, de maneira automática, interceptados, aliás, como qualquer outra conversa direcionada ao ramal do paciente. Inexistência, no caso, de relação jurídica cliente-advogado. 3.4 Não cabe aos policiais executores da medida proceder a uma espécie de filtragem das escutas interceptadas. A impossibilidade desse filtro atua, inclusive, como verdadeira garantia ao cidadão, porquanto retira da esfera de arbítrio da polícia escolher o que é ou não conveniente ser interceptado e gravado. Valoração, e eventual exclusão, que cabe ao magistrado a quem a prova é dirigida. 4. Ordem denegada.
(STF - HC: 91867 PA, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 24/04/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-185 DIVULG 19-09-2012 PUBLIC 20-09-2012)
Se a prova, que sabidamente decorre de uma originalmente ilícita seria obtida de qualquer maneira por atos investigatórios válidos e eficazes, ela será perfeitamente aproveitada, sendo eliminada sua contaminação. Uma prova que seria descoberta mesmo sem a necessidade de outra prova, seja ela lícita ou não, não terá cunho de contaminação (ex: blitz de rotina em um local que em que passaria um carregamento de drogas que fora descoberta por uma interceptação telefônica ilícita).
3. Teoria do Nexo causal atenuado
A outra teoria a ser mencionada é a do nexo causal atenuado, também conhecida como teoria da tinta diluída, ocorre quando posteriormente um ato atenua a ilicitude afastando-a, não por não haver relação entre uma e outra mas pelo fato de não existir uma linha de ligação tênue entre as duas, pois, não obstante haver uma ligação, o lapso temporal existente bem como os aspectos de menor relevância não permitem a contaminação da última prova, ou caso esteja viciada, um ato posterior expurga a ilegalidade.
A teoria do nexo causal atenuado teve como base o caso de Wong Sun x USA (1963) onde a polícia tortura um cidadão em busca de um traficante de drogas, porém este ao ser torturado e conta aos policiais que não é traficante, e quem traficava era Wong. A polícia então vai até Wong e o tortura, que, por conseguinte confessa a autoria do trafico. O magistrado, ao conhecer da confissão eivada de ilegalidade, o libera e arquiva o processo. Posteriormente, Wong confessa espontaneamente o crime e é preso com base na segunda confissão.
É possível observar que esta teoria está expressamente prevista no art. 157 § 1º do CPP, in verbis: “São também Inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.”. (grifo nosso)
Desta forma, é visível que deve haver uma flexibilização no tocante às provas adquiridas decorrente de ilícitas desde que não guardem uma relevante relação uma com a outra.