O direito sempre será algo móvel, dinâmico, até porque as relações intersubjetivas representam o combustível elementar de criação. Estagnar ou engessar os fatos dentro de uma fórmula preconcebida mediante uma atividade legiferante historicamente descontextualizada é trazer prejuízos irreparáveis para aqueles que procuram sanar seus problemas pessoais.
Devem-se sempre interpretar as normas jurídicas com intuito de rompe com dogmas legalistas estratificados em pedestais insuperáveis. Os fatos da vida não podem ficar reféns de uma moldura legal inflexível em seus termos, justamente porque os legisladores não conseguem produzir normas generalistas e impessoais suficientemente capazes de absorver todos os fenômenos sociais.
Felizmente, nossa Lei Máxima é dotada de uma capacidade de auto conformação, permeadas de instrumentos espalhados pelo texto que valida regulamentar situações nunca previstas do ponto de vista da normatividade expressa. Os poderes de adaptabilidade aos casos concretos permitem que injustiças sejam rechaçadas pelo poder expansivo dos princípios, espécies altamente abstratas e consolidadores da estabilidade social.
Não por menos, o princípio-mor nomenclaturado Dignidade da Pessoa Humana, em qualquer questão produtora de instabilidade social e jurídica, ao ser interpretado e aplicado pacifica satisfatoriamente os conflitos humanos da atualidade. A extensão de sua aplicabilidade incide, quando a lei cristalizada em uma fórmula fechada ou até mesmo quando inexiste norma de regência para os casos concretos, tornando-se um conduto mutacional resolutivo da intranquilidade social.
No direito de família, o sobreprincípio da Dignidade tem um peso conciliador das conturbadas questões inerente a esse ramo jurídico sensível, e mais uma vez esse foi acionado para resolver um conflito existente entre a lei posta e o caso concreto do filho que pleiteava o reconhecimento da paternidade biológica e a manutenção da paternidade socioafetiva.
No caso real retromencionado, o direito para alcançar a completude da Justiça legítima, socorreu-se do principio da Dignidade Humana, para salvaguardar a integridade do direito do filho em obter a plena satisfação de seus interesses, que da dupla parentalidade decorria.
Pode-se até recorrer ao magistério de Miguel Reale que ante sua doutrina tridimensional aprova que o fato valorado é produtor da norma jurídica. Mesmo inexistindo a previsibilidade da pluriparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro, aquele que pleiteia uma resposta jurisdicional o faz pela necessidade de ser reconhecido plenamente todos seus direitos, inclusive de o ser feliz.
Se ausente norma jurídica permissiva da dupla parentalidade, o Guardião do Império Constitucional deve ser sempre acionado pela força criativa que possui para adequear os novos fatos ao princípio expresso da Dignidade Humana e ao princípio implícito derivado da busca da felicidade como fundamentais para apaziguamento das tensões sociais.
Se o individuo só será plenamente feliz e satisfeito materialmente com o reconhecimento da dupla paternidade, e não se atentado contra o direito inerente da condição humana, a reformulação de esquadros legais pela atuação criativa da atividade jurisdicional é perfeitamente justificada como forma de concreção do interesse daquele que se sente lesado pela falta do reconhecimento da paternidade biológica.
Com a concepção de que o direito serve ao homem e não o contrário, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a pretensão formulada para o reconhecimento da dupla parentalidade. Dentro de seu poder de voto, o Ministro relator Luiz Fux no RE 898060/SC, interposto pelo pai biológico, negou provimento desse recurso e ainda decretou que “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, voto este seguido pela maioria dos Ministro do Supremo Tribunal em julgado realizado em 21 e 22/09/2016.
Com a repercussão geral do Recurso Extraordinário retromencionado, casos análogos, posto para apreciação do Poder Judiciário, deverão ser imediatamente decididos igualmente, enquanto persistir a formação hodierna dos Ministros. Em suma, se os filhos pretenderem ser reconhecidos pelo pais biológicos, sem que isso desfaça seus direitos com o pai socioeducativo, será possível a coexistência da dupla parentalidade.
Destarte, uma vez decretada a responsabilidade também do pai biológico, toda a condição exarada do status de filho se consolidará, como por exemplo, o acréscimo do sobrenome do pai biólogo, direitos aos alimentos e os direitos sucessórios, tudo a depender do interesse do filho em ver reconhecido a dupla parentalidade. A busca da felicidade como condutara da mudança de paradigmas.